SÃO PAULO E RIO — A íntegra de um relatório da Polícia Federal, anexado esta semana a um dos inquéritos da Operação Lava-Jato que investigam a Construtora Norberto Odebrecht, comprova declarações de delatores de que a maior empreiteira do país tinha acesso a informações privilegiadas da Petrobras e o poder de influenciar licitações da estatal. É o que mostra o objeto principal do relatório: uma série de e-mails trocados entre diretores da empreiteira com relatos sobre encontros com dirigentes da estatal para tratar de concorrências e contratos.
Em pelo menos duas mensagens de 2007, recuperadas pela Polícia Federal, Rogério Araújo, então diretor da Odebrecht Plantas Industriais e que hoje é um dos presos da Lava-Jato, traça uma estratégia para a participação da empreiteira na licitação para as obras de terraplanagem da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, a partir de informações que teria obtido de “interlocutores” na estatal sobre o “orçamento interno” do projeto. O GLOBO cruzou o conteúdo das mensagens com a cronologia da contratação do serviço: naquele momento, o “orçamento interno” era uma informação confidencial da Petrobras. A obtenção desse dado permite às concorrentes fraudar a competição.
No dia 22 de junho, a Petrobras recebeu cinco propostas. A menor foi justamente a do consórcio liderado pela Odebrecht (com Camargo Corrêa, Galvão Engenharia e Queiroz Galvão, todas investigadas na Lava-Jato), de R$ 433,5 milhões. O preço ficou bem próximo ao intervalo de preços estimado pela Petrobras, observa a PF. Segundo documento da diretoria da Petrobras, que aprovou a contratação do consórcio em 12 de julho de 2007, o valor ficou apenas 5,32% abaixo do que o diretor da Odebrecht chamava de “orçamento interno” da estatal. Depois de uma nova negociação, o desconto aumentou para 6,27%. Araújo, ao que parece, logrou êxito. De fato, o valor estimado pela estatal para o projeto, revelado quatro dias depois da troca de mensagens na Odebrecht, foi maior do que o dobro dos R$ 180 milhões citados pelo diretor da empreiteira como uma cifra “que obviamente não dá”.A concorrência para as obras de terraplanagem do terreno onde foi instalada a refinaria foi aprovada pela diretoria da Petrobras no dia 3 de maio de 2007, de acordo com documentos internos da estatal obtidos pelo GLOBO. No dia 10 de maio, a companhia convidou dez participantes. Pouco mais de um mês depois, no dia 18 de junho, Araújo enviou um e-mail para outros dois executivos da empreiteira relatando saber que o orçamento interno da Petrobras ficaria entre R$ 150 milhões e R$ 180 milhões. Segundo a reprodução das mensagens no relatório da PF, ele diz ter falado com “interlocutores” e avisa que “Engenharia” já trabalhava na revisão do orçamento, como queria a Odebrecht. “A revisão do orçamento vai indicar um novo número, acima dos indicados acima”, antecipa. No texto, ele ainda registra que o valor só seria tornado público com a abertura das propostas dos concorrentes, que aconteceria quatro dias depois.
O fácil acesso a informações da Petrobras fica claro em um outro e-mail de Araújo, sobre uma cerimônia simbólica do início do contrato no terreno onde seria construída a refinaria, em Pernambuco, com a presença do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Araújo explica que a assinatura do contrato se daria no Rio, mas que seria preciso criar um cenário de obra em andamento para Lula, em meio a tratores e máquinas. “Vai haver uma solenidade no Recife, no dia 16 de agosto, para dar início aos serviços de terraplenagem, com a presença do presidente Lula. Neste dia, teremos que ter alguns equipamentos já mobilizados, para fazer parte do ‘teatro’!”
A cena montada pela Odebrecht ainda atrasou 19 dias. Só no dia 4 de setembro, o então presidente Lula discursou sob intensa chuva no palanque montado pela construtora ao lado do então presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli. Animado pelo gigantismo da refinaria, Lula comparou o empreendimento à construção da Muralha da China. “Temos uma verdadeira muralha da China para construir e vamos construir”, prometeu. A Refinaria Abreu e Lima só iniciou operação em 2014 e custou pelo menos sete vezes o valor orçado inicialmente pela estatal. Laudo da PF sobre o contrato de terraplanagem detectou um sobrepreço de R$ 106,1 milhões no contrato de compactação de aterro. Só o custo do metro cúbico compactado de solo pulou de R$ 2,70 para R$ 6,37 sem justificativa plausível.
O relatório da PF tem outras trocas de mensagens com indícios de que a influência da Odebrecht alcançava até negócios da Petrobras no exterior. Em um e-mail de 2008, Araújo cita a intervenção do então diretor Internacional da Petrobras Jorge Zelada (preso na semana passada) e de Ricardo Abi-Ramia, que foi gerente executivo de Desenvolvimento de Negócios da área Internacional para falar com Hércules Ferreira da Silva, ex-gerente da Petrobras Angola. No fim daquele ano, a empreiteira foi contratada para fazer o acesso à refinaria Sonaref, na cidade de Lobito, em Angola. (Colaboraram Alexandre Rodrigues e Danielle Nogueira)
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