Tanta coisa depende de um saco de plástico
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Ricardo Araújo Pereira, Crónica publicada na VISÃO 1146, de 19 de fevereiro
9:46 Quinta feira, 26 de Fevereiro de 2015 |
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Cobrar dez cêntimos por cada saco de plástico, nos supermercados, talvez contribua para salvar o ambiente, mas a grande medida ecológica já tinha sido tomada: fazer com que os portugueses não tivessem dinheiro para comprar aquilo que depois se transporta no saco de plástico. É um facto comprovado que as pessoas usam muito menos sacos de plástico quando não têm o que pôr lá dentro. Ao longo dos últimos anos, os portugueses têm sido mesmo muito amigos do ambiente. Tendo em conta o seu poder de compra, conseguem ir às compras de pochete. E ainda sobra espaço.
Quem tenha acumulado sacos de plástico, no tempo em que eram gratuitos, possui agora uma pequena fortuna. Sacos que não valiam nada, de um dia para o outro passaram a valer algum dinheiro. Exactamente como as acções do BES, mas ao contrário.
Muitas pessoas afeiçoam-se a coisas como sacos de plástico e depois têm dificuldade em lidar com a perda. Uma medida que abale o regular usufruto dos sacos de plástico pode perturbar mais a vida destas pessoas do que um corte no salário. Refiro-me, por exemplo, às pessoas que guardam bugigangas em gavetas enquanto dizem, com uma certa volúpia, "isto pode dar jeito". Isto é alta sociologia, como o leitor bem sabe. Este tipo de pessoas existe mesmo, e há uma possibilidade grande de o leitor pertencer ao grupo. Eu, infelizmente, não pertenço - até porque sou um desses indivíduos que "nem para si é bom". Depois, apresentam-?se-me situações em que me davam jeito certas coisas, mas infelizmente não tive o discernimento de, na altura própria, as guardar numa gaveta. Deve consolar-nos o facto de estas pessoas terem guardado tantos sacos, ao longo do tempo, que só terão de dar 10 cêntimos por um em 2025.
Quando eu era pequeno, a minha avó levava o seu próprio saco para ir às compras. Creio que era uma prática comum: toda a gente levava o seu saco. A minha avó não lhe chamava saco, porque era de Viana do Castelo, e do Douro para cima os sacos mudam de género e passam a ser sacas. Regressamos agora ao tempo em que se vai de saco para o supermercado. Curiosamente, em alguns aspectos o mundo foi mudando de volta para aquilo que a minha avó achava que o mundo devia ser. Espero sinceramente que o mundo pare de fazer as vontades à minha avó. Se o mundo continuar a transformar-se naquilo que a minha avó gostaria que o mundo fosse, mais cedo ou mais tarde serei obrigado a levantar-me cedo. E a arranjar um emprego a sério. Isto das sacas chega.
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