Valerá a pena partir? Deixar a casa, o emprego, a escola, os amigos e familiares? Firmar estacas numa terra cuja língua não falam, com um clima diferente e códigos sociais diversos? "Esta onda de ataques continuará. Digo aos judeus da Europa: Israel é o seu lugar. Estamos à espera de todos os judeus da Europa de braços abertos." Para Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro israelita, vale mesmo a pena. ?O apelo foi feito menos de 24 horas depois do atentado a uma sinagoga em Copenhaga, na Dinamarca, no sábado, 14, que resultou na morte de um judeu de 37 anos. E seguiu-se a outra declaração semelhante, feita no rescaldo de um ataque a um supermercado kosher, em Paris, a 9 de janeiro, em que morreram quatro judeus.

 

"Eu não encontro um país no mundo que seja suficientemente seguro. Em Israel há guerra. Nos Estados Unidos pode haver outro atentado terrorista. Partir não mudará nada." É assim que Marc Krief, rabi na sinagoga de Vincennes-Saint-Mandé, o bairro de Paris onde ocorreu o ataque ao supermercado, responde aos que planeiam emigrar para Israel. Também Jair Melchior, o rabi-chefe da Dinamarca, ironizou quando o apelo de ?Netanyahu se fez ouvir urbi et orbi. "Se a forma de lidar com o terror é fugir para outro lado, devíamos fugir todos para uma ilha deserta."
Mas para o primeiro-ministro, o apelo para que os judeus europeus partam para Israel é da praxe, sempre que há um atentado, e agora uma forma de ganhar votos, em casa, onde disputa ao milímetro uma renhida eleição.
A verdade é que, com ou sem apelos, a emigração de judeus europeus para Israel está num crescendo. Em 2014, um ano recorde, foi contabilizada a entrada de 26 500 pessoas no país, um aumento de 32% face aos 12 meses anteriores. Cerca de 7000 recém-chegados eram judeus franceses.
"Há uma perceção largamente partilhada de que a Europa se tornou mais perigosa para os judeus. Há mais atentados, incidentes, violência, insegurança para os judeus identificados como tal, nomeadamente junto das suas instituições, escolas e sinagogas", declara Yigal Palmor, porta-voz da Agência Judia para Israel, a organização que organiza e apoia os que pretendem mudar-se para o país do Médio Oriente.
Para 2015, a agência previa a chegada de 10 mil judeus franceses. Mas depois dos atentados de janeiro, assistiu-se "a um aumento dramático de número de apelos, de pedidos de informação, de inscrições em sessões de informação", nota Yigal Palmor. Neste momento, a organização prevê que o número possa chegar aos 15 mil.
Um pedaço de França no Médio Oriente
Para Jennifer Sebag, uma agente imobiliária de Saint-Mandé, a decisão está tomada: no verão, ela, o marido e os três filhos trocarão o apartamento luminoso e arejado, de onde veem uma rua movimentada e cheia de lojas, por Israel, onde não conhecem ninguém. Também Aaron Sultan, 20 anos, o cortador que trabalha num talho a duas portas de distância do supermercado atacado, disse à reportagem do Washington Post que planeia ir para Israel, com a namorada, recomeçar a sua vida. "É difícil partir, mas quando não nos sentimos seguros, não temos escolha", justificou.
No Reino Unido, os incidentes contra judeus também aumentaram. Segundo dados da Community Security Trust, que desde 1984 mantém uma base de dados sobre estes casos, em 2014 foram registados 1168 incidentes, mais do dobro dos do ano anterior. Luciana Berger, a trabalhista nomeada ministra-sombra da Saúde, foi uma das vítimas de uma campanha de ódio na internet. Os registos também dão conta de adolescentes de escolas judias que foram ameaçadas por um indivíduo que se propôs convertê-las ao cristianismo ou matá-las "se continuassem a ser judias".
No domingo, 15, o conselho de ministros israelita aprovou um programa de incentivo ao acolhimento de judeus da Ucrânia, da França e da Bélgica. São mais de 40 milhões de euros para assegurar que os judeus fugidos da guerra na Ucrânia ou aterrorizados com o ataque ao Museu Judeu da Bélgica (em maio de 2014) e ao supermercado de Paris têm um acolhimento adequado.
A imigração está inscrita na génese do estado de Israel, mesmo antes do abandono dos ingleses e da Guerra de Independência (1947-48). Nos primeiros anos, o povoamento foi feito com os refugiados que sobreviveram ao Holocausto. Nos ano seguintes, vieram da Europa ou de países do Norte de África, e, a partir dos anos 80-90, da Etiópia e do desmembrado império soviético. Agora, são os franceses que predominam na Ulpan Etzion, a escola de Jerusalém que desde 1949 recebe os imigrantes que precisam de aprender a língua e a cultura do seu novo país.
Netanya, uma cidade de 180 mil habitantes, a norte de Telavive, junto à costa mediterrânica, tornou-se a capital francesa de Israel. Muitos dos seus residentes são reformados atraídos pelo sol e pelo mar, que jogam petanca numa das suas praças e vivem tu-cá--tu-lá entre Israel e França. Os recém-chegados contrastam com esta comunidade mais idosa, pois pretendem fixar-se em definitivo naquele que adotaram como seu país. "Julgava que ia ser mais fácil", queixa-se Jerome Bonnenfant, 38 anos, que acabou de abrir uma pastelaria no centro da cidade, apesar da burocracia local. "Isto pode ser a Terra Prometida mas não vem com garantia", ironiza Kostsewa, o diretor da escola Ulpan Etzion, habituado a lidar com milhares de imigrantes.
Fogueira eleitoral
Embora renhida, a disputa eleitoral pela maioria no Knesset, o parlamento israelita, parece estar a correr bem ao atual primeiro--ministro. Bibi, como é conhecido, defronta Isaac Herzog, ou Buji, o líder da União Sionista, que integra o Partido Trabalhista. As antevisões do ato eleitoral de 17 de março dão um empate técnico, com cada um dos principais concorrentes a recolher cerca de 26% dos votos. Outras pesquisas eleitorais mostram, contudo, que Buji, há vários anos eleito para o parlamento, é muito pouco conhecido: 20% dos eleitores dizem não ter opinião sobre ele ou nunca terem ouvido falar dele, segundo um inquérito realizado pelo Times of Israel.
Se as negociações do grupo P5+1 (os cinco países com assento permanente no Conselho de Segurança da ONU mais a Alemanha) relativas ao programa nuclear do Irão forem concluídas, tal pode representar uma pedra no sapato para Netanyahu, que lidera o conservador Likud e é primeiro-ministro há 10 anos. A obsessão securitária - e a oposição ao programa nuclear iraniano - sempre foi a pedra de toque para a formação de governos liderados pelo Likud. Os analistas acreditam que se o Irão conseguir levar a sua avante, o Likud pode ser prejudicado. O grande teste é o discurso que Netanyahu proferirá no Congresso norte-americano, a 3 de março, precisamente sobre o programa nuclear iraniano.
A maior vantagem de Netanyahu, contudo, poderá ser o equilíbrio de forças que resultar das eleições de 17 de março. Mesmo que seja o segundo partido mais votado, os analistas consideram que lhe será mais fácil obter os apoios, junto de outros partidos de direita, para a formação de governo. Não seria inédito: em 2009, o Likud obteve menos assentos parlamentares (27) do que o partido mais votado (28), mas acabou por ser a formação política chamada a governar.
Os apelos para a imigração em massa para Israel, que tanto tem consternado dirigentes europeus, são provavelmente mais uma acha nesta fogueira eleitoral. Mas para os judeus europeus, arredados desta contenda, a questão é outra, assim sintetizada por Alain Assouline, médico e presidente de um centro comunitário judeu em Paris: "Em 1933 havia dois tipos de judeus - os pessimistas e os otimistas. Os pessimistas fugiram para os Estados Unidos. Os otimistas acabaram nos campos da morte."