sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

A revolução da austeridade devora os seus próprios filhos

Gaspar: a revolução da austeridade devora os seus próprios filhos

A demissão de Vítor Gaspar não é apenas uma derrota pessoal, ou uma derrota política grave, do Governo.
A demissão de Vítor Gaspar é sobretudo uma profunda derrota da linha dura da Europa, dos austeritários que impuseram por todo o lado uma receita que falhou.
Vítor Gaspar era um menino querido do "establishment" europeu que nos governa.
Era louvado no Banco Central Europeu; era admirado no FMI; era estimado na Comissão Europeia, sobretudo por Oli Rehn; e era verdadeiramente mimado e amado pela Alemanha, especialmente pelo seu amigo Schauble.
Nada disto espantava, pois Vítor Gaspar foi o mais diligente executor da estratégia europeia da austeridade.
Decidida entre finais de 2009 e princípios de 2010, e aplicada com entusiasmo a partir daí na Grécia, na Irlanda, em Portugal, no Chipre, e mesmo em outros países como Itália e Espanha, a estratégia da "austeridade expansionista" foi a resposta convicta da Europa à crise das dívidas soberanas.
Schauble e Merkel, na Alemanha; Oli Rehn, na Comissão Europeia; e ainda Trichet, no BCE; aos quais se juntou depois o FMI; decidiram que existiam dois princípios orientadores para combater a crise das dívidas.
O primeiro era que o "ajustamento" seria feito apenas pelos países devedores, esses irresponsáveis. E o segundo era que os programas de "ajustamento" seriam rápidos, intensos e profundos, com uma enorme dose de austeridade, que provocaria efeitos fortes no início, mas rapidamente se tornaria "expansionista", regressando os países, em 3 anos, a um crescimento económico mais saudável.
Foram estes dois princípios: o sofrimento e a punição dos países devedores, de uma forma rápida e profunda; que orientaram a Europa, e Vítor Gaspar, que entra no combóio apenas em meados de 2011, apressou-se a levar estas orientações à prática com um zelo e uma dedicação notáveis.
No princípio, durante o segundo semestre de 2011, as coisas ainda pareceram resultar.
Mas, com o passar do tempo, tornou-se evidente que os pequenos ganhos positivos da estratégia "austeritária", como a recuperação de alguma credibilidade e a descida dos juros, eram pouco face ao descalabro na frente económica, onde tudo ia de mal a pior, do desemprego à dívida, do deficit ao crescimento.
Nos últimos meses, a linha "austeritária" tem vindo a perder força, perante a tragédia que assola a Europa.
Há cada vez mais vozes na Europa a pedirem uma direção diferente; o FMI já fez o seu mea culpa. O choque com a realidade é total, a linha austeritária falhou em toda a linha, e deixou a Europa mais dividida e mais pobre.
Pelo menos desde 2011, muitos economistas, entre os quais me incluo, defendem que só a reestruturação das dívidas dos países mais frágeis resolverá este imbróglio; e que só uma verdadeira União Europeia, política, orçamental, bancária e da segurança social; nos permitirá sair deste monumental sarilho.
Até há pouco tempo, a "Europa dos duros" venceu sempre, mas agora começa a ser claro para todos que por este caminho não se vai a lado nenhum. Como diz a música dos Talking Heads, "we are on the road to nowhere".
A demissão de Gaspar é pois o reconhecimento absoluto da derrota da linha austeritária.
Apesar de ser adorado pelos alemães, apesar de ser "credível" aos credores, a verdade é que, como ele próprio reconhece na sua carta de despedida, a sua "credibilidade" foi destruída pela realidade dos resultados económicos. Despede-se com um deficit trimestral de 10,6 por cento, uma enormidade depois de tanta austeridade inútil.
Gaspar é uma vítima de si próprio e dos seus famosos amigos e mentores, da sua estratégia austeritária, da sua "blitzkrieg" financeira, da sua Quimioterapia Fiscal. A "revolução austeritária", como se diz que acontece em todas as revoluções, acabou a trucidar e a devorar um dos seus filhos mais amados.

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