A deputada Ana Gomes foi a primeira a dar a cara, mas há outros socialistas descontentes: se a antiga embaixadora aponta a António Vitorino o pecado de estar ligado "aos negócios", outros temem que ele possa vir a ser o padrinho do Bloco Central.
Vários nomes sonantes do grupo parlamentar do PS ficaram desconfiados quando António Costa elogiou o governo PS/PSD, liderado por Mário Soares, entre 1983 e 1985.
E de tal forma, que o secretário-geral do PS teve de vir a público pôr água na fervura, delimitando os elogios à coligação entre socialistas e sociais-democratas a um determinado período histórico. Logo a seguir, porém, António Vitorino, cuja desconfiança relativamente a alianças à esquerda é bem conhecida, aparece como o plano B, apoiado por António Costa, para o caso de Guterres recusar avançar. E algumas campainhas de alarme soaram, tanto mais que o advogado, comentador televisivo e ex-ministro de Guterres andará a mexer-se no sentido de, finalmente, "concorrer a qualquer coisa" em nome do Partido Socialista. Apesar disso, o discurso oficial é calmo e apaziguador.
As fontes parlamentares socialistas contactadas pela VISÃO afirmam estar "confortáveis " com a possibilidade de o candidato ser o ex-comissário europeu. "Alguém falou nele como um facilitador de negócios, mas isso é um disparate", diz, mesmo, um parlamentar, referindo-se, presumivelmente, a declarações recentes de Ana Gomes.
Guterres ainda na agenda
No PS, porém, António Guterres ainda é o mais desejado. Embora haja sinais de que prefere não regressar à política nacional (ficará no seu cargo da ONU até ao final deste ano), ainda não deu uma resposta definitiva. Precavido, António Costa já falou com António Vitorino, mas a decisão não está, de todo, fechada.
Os socialistas mais à esquerda apoiariam a escolha de alguém com o perfil de Ferro Rodrigues, que já terá considerado a hipótese. Carlos César, que se tem notabilizado, ao longo dos últimos anos, pelas violentas críticas a Cavaco Silva, e que António Costa foi buscar para presidente do PS, é outro dos nomes falados.
E há quem defenda um candidato com um perfil independente, como Carvalho da Silva, ex-líder da CGTP, que tem o handicap de apelar pouco ao eleitorado do centro. Já o ex-reitor da Universidade de Lisboa, Sampaio da Nóvoa, desejado por alguns, disse estar "disposto a tudo" para haver mudança. Mas o nome não é pacífico, pelo menos, no grupo parlamentar: "Nem pensar", diz um deputado. "Uma pessoa que se propõe ser Presidente não pode dizer 'se houver outro caso BES saio do País'", frase que Nóvoa proferiu há umas semanas. Outro parlamentar diz que o ex-reitor estaria melhor "num cargo governamental ligado à sua área" e António Costa parece contar com ele, a julgar pelo convite que lhe endereçou para discursar no último congresso do PS. A notoriedade é outra preocupação: para que Nóvoa se tornasse mais conhecido, o seu nome tinha de ser lançado já.
O que não parece provável: "Quem tem interesse em saber, o quanto antes, quem é o candidato do PS é o Marcelo e o Santana. Depois disso é que vão decidir a vida deles", diz um dirigente socialista. Ora, o que mais interessa ao PS, neste momento, são as legislativas. "Estamos concentrados em constituir um Governo forte" e as presidenciais "não são uma questão essencial" eis o discurso para fora.
Portas irrevogável?
À direita, o burburinho não é menor. Enquanto Passos Coelho e Paulo Portas não selam acordo sobre o futuro, PSD e CDS vão especulando sobre as presidenciais. O estado-maior do PSD tem passado por um período de stresse, temendo que uma eventual candidatura presidencial de Paulo Portas baralhe as contas das presidenciais e enfraqueça a coligação. Segundo esta teoria, discutida informalmente por dirigentes sociais-democratas, Portas estaria a preparar-se para assinar o acordo de coligação pré-eleitoral e, depois, sairia da liderança do CDS, promovendo o "desmame" do partido e encontrando numa candidatura presidencial uma saída airosa da política partidária e do Governo. Assunção Cristas seria a sucessora (se Maria Luís Albuquerque substituísse Passos, a direita ficaria com uma liderança totalmente feminina). No entanto, dirigentes centristas desmentem os motivos dos supostos receios sobre as intenções escondidas de Portas. No CDS, esta teoria é acolhida com a maior das surpresas. "Nunca ouvi falar disso", "improvável", "quem teria interesse nessa teoria?" e "que coisa tão conspirativa!" são apenas algumas das reações recolhidas. Mais: se Portas estivesse de olho na Presidência da República, Santana Lopes, por exemplo, provavelmente não se manteria na reserva presidencial. Ora, apurou a VISÃO, o líder centrista já comunicou a Pedro Santana Lopes que não estava interessado em entrar na corrida. Será esta uma decisão irrevogável?
Para todos os gostos
Com ou sem Portas, os presidenciáveis continuam a nascer como cogumelos. Voltemos, por exemplo, ao caso do PS: Jaime Gama foi um dos primeiros nomes a vir à baila. E não saiu de cena. Uma deputada afirma que "estamos numa altura em que vários aspetos fundamentais da democracia têm sido postos em causa" e, por isso, gostaria de ver Gama em Belém. "É um fundador do PS, lutou pela liberdade e tem argúcia política." O facto de estar afastado da cena política há algum tempo não lhe seria desfavorável, pelo contrário. Segundo a deputada "é uma mais-valia não ter andado na guerrilha".
A quota feminina para a presidência, por seu lado, também já foi preenchida com os nomes de Maria de Belém "teria a sua graça", refere um ex-dirigente - e de Helena Roseta, avançado por Álvaro Beleza. Na verdade, não há memória de umas presidenciais terem tido tantos putativos candidatos, nomes lançados para ver reações ou táticas políticas para pôr o tema na agenda. Marcelo Rebelo de Sousa tem sido exímio na arte de esgrimir argumentos que não deixem morrer o assunto na comunicação social, assim como o avanço-não-avanço de Santana Lopes ou a vaga de fundo que Rui Rio aguarda. E ainda falta Alberto João Jardim, que reforçou o seu discurso crítico contra a austeridade e já se mostrou disponível para avançar. Uma dor de cabeça que Passos Coelho bem dispensava...
Para não falar de Marinho e Pinto. O ex-bastonário da Ordem dos Advogados entrou como um furacão nas últimas europeias e conseguiu que o Partido da Terra, pelo qual concorreu, o conseguisse eleger a ele e ao segundo colocado na lista. A partir daí, o seu nome passou a ser incontornável quando se fazem contas para futuras coligações ou para eleições nacionais. Ora, Marinho e Pinto declarou que poderia, também, concorrer à Presidência da República, ameaçando provocar, com uma candidatura independente, estragos similares aos que Fernando Nobre conseguiu produzir nas últimas presidenciais.
Certo é que, até agora, com ou sem vagas à direita, com independentes ou sem eles, o nome de Guterres é um tsunami nas sondagens: ganha a Marcelo, Santana e Rio. E o mesmo acontece com Vitorino que, na consulta da Eurosondagem, publicada no Expresso, também batia os três.
Passos e Portas reunidos
Apesar de os líderes dos dois partidos não levantarem o véu sobre o assunto, os encontros entre os dois (e os dois apenas) para discutir os termos da coligação são dados como certos. "Têm falado mais do que se julga", refere fonte próxima do primeiro-ministro. Para Passos, "ainda é tempo para governar. É governando que ele chega onde quer. Mas, claro, para outros é tempo de fazer política...", refere a mesma fonte. Esta é uma explicação para o burburinho instalado à volta da suposta candidatura presidencial de Paulo Portas. Outra é a de que é altura de criar confusão, porque "há muita gente, dentro do PSD e do CDS, que não morre de amores pela coligação".
Assim, à direita, os nomes são todos do PSD: Marcelo, Rio, Santana. Durão Barroso seria a primeira escolha de Passos Coelho, mas o ex-presidente da comissão europeia não quer. Rui Rio vem a seguir, mas o ex-autarca do Porto é tido como tendo um perfil mais executivo e um putativo sucessor de Passos na liderança, caso o primeiro-ministro abandone o cargo, face a uma hipotética derrota eleitoral. Caso abandone... o que, segundo fontes próximas do presidente do PSD e primeiro-ministro, pode perfeitamente não acontecer: "Um governo minoritário do PS não se aguenta e teremos eleições em 2017. Então, a coligação pode regressar em força."
CDS não se mete
Entre os democratas-cristãos, o ambiente parece ter serenado. O gabinete de estudos tem estado a reunir ideias "que tanto são úteis se formos em aliança, porque será o nosso contributo, como são úteis se formos autonomamente, porque serão o nosso programa", como disse Paulo Portas, em dezembro. E a campanha à volta do slogan "Portugal é capaz" não tem parado de crescer. Mas fonte próxima do líder confirma que a questão da coligação "está muito mais resolvida entre os dois" do que transparece. Só não é altura, ainda, de firmar nada. Neste momento, refere a mesma fonte, convém manter o silêncio. Porque "quem tem mais reservas sobre as presidenciais [que deverão constar do acordo entre os dois partidos] é Passos. Tanto Rio, como Marcelo ou Santana dividem o PSD", diz a mesma fonte, deixando claro que esse problema não é do CDS nem os centristas têm interesse em meter-se. "Parece-me óbvio que damos prioridade às legislativas", garante um alto dirigente do CDS, remetendo a questão presidencial para o campo da conspiração.
Ou da culinária. Se eles nascem como cogumelos, alguns podem ser bem venenosos. No mínimo, as presidenciais estão a revelar-se um prato bastante indigesto tanto para Passos Coelho como para António Costa.