Em menos de um ano, Joana Amaral Dias desfiliou-se do Bloco de Esquerda (BE), criou e abandonou o Juntos Podemos e fundou o Agir. As ideias centrais do movimento: o combate à corrupção, a submissão da economia à política e o aprofundamento da democracia. Aqui fica, entre as alfinetadas de Joana Amaral Dias, um vislumbre do que é o benjamim dos movimentos políticos portugueses.
> Chamaram-lhe "Pablo Iglesias portuguesa". Que semelhanças e que diferenças existem entre vocês?
A principal diferença é o rabo de cavalo. ?A principal semelhança é o posicionamento político: a grande luta, agora, é entre os que estão dentro e fora do sistema, os que estão por baixo e os que estão por cima. Mais do que unir a esquerda, é necessário unir as vítimas da austeridade.
> Em vez de unir a esquerda? O Agir vem pulverizá-la ainda mais, não?
A afirmação é sua. E não é verdade. O Agir vem é unir as vítimas da austeridade. No domingo, será demonstrada a capacidade que o Agir tem tido de superar essa lente de leitura da realidade, do século XX, entre esquerda e direita. Os portugueses não estão preocupados se a esquerda está unida ou dividida. Querem é respostas concretas, sentir que há quem os defenda e se bata por eles.
> O Agir tem essas respostas?
Temos três eixos principais de combate: corrupção, primazia da política sobre a economia e aprofundamento da democracia. ?É um denominador comum, com o qual damos o pontapé de saída. Corresponde ao que ouvimos nas ruas, nas manifestações que juntaram pessoas de esquerda, de direita, pobres, ricos, pessoas altamente politizadas e que nunca tinham ido a manifestações, desempregados, reformados, velhos, novos...
Um político é também aquele que sabe ouvir e interpretar e as pessoas querem um combate sem tréguas contra a corrupção, poder participar democraticamente de outra maneira e que a economia e a finança se subordinem à política. Foi da escuta que partimos para um programa, e não de um conjunto de elites iluminadas que acha que sabe o que é melhor para o País e, de uma forma paternalista, para o seu povo.
> Como se constrói um programa que agrade à esquerda e à direita?
Temos esta base comum. Mas vou dar um exemplo concreto: a corrupção no caso das PPP, swaps, etc. Exigimos que a parte da dívida que não foi contraída pelos cidadãos, mas seja resultado direto da corrupção, não seja paga pelos cidadãos. Mais do que ser de esquerda ou de direita, é ser democrata e republicano. A democracia e a república têm de ser resgatadas. É essa a prioridade.
> Vão candidatar-se às legislativas?
Vamos.
> Criando um partido?
É mais complexo do que isso.
> Recorrendo a uma barriga de aluguer?
É mais criativo do que isso. O sistema está feito para as pessoas não poderem concorrer às eleições. São precisas 7500 assinaturas para criar um partido - em Espanha são precisas duas. Barra-se o acesso à democracia. Por isso, decidimos encontrar outras formas de concorrer.
> Quais?
É a nossa surpresa principal. Vai ser revelada no domingo, com o programa, quem está connosco... Vamos apresentar uma plataforma ampla, diversa, de capacidade e forças políticas.
> Se elegerem deputados, onde se sentam? ?A questão colocou-se quando o BE chegou ao Parlamento.
Essa preocupação é mais ou menos a que Ricardo Salgado terá tido quando foi à comissão parlamentar de inquérito e se quis sentar à cabeceira. Estou-me claramente borrifando onde o Agir se sentará no Parlamento, desde que não abdique de defender o povo.
> E têm projeto de governação?
Vimos aqui não para ser muletas ou fazer coligações. Vimos disputar o poder. Queremos ser poder.
> Vê soluções sem os grandes partidos?
O País só vê soluções para o País excluindo os grandes partidos. O País sabe que dos grandes partidos - PSD e PS - não virão soluções.
> Vão ter um líder?
Claro que temos um líder.
> Prevê política de alianças?
O Agir é, em si mesmo, política de alianças. Derivamos do grupo que criou o Juntos Podemos, onde estão pessoas do BE, do PCP, do PS, do PSD, dos movimentos sociais Que se Lixe a Troika! e 12 de Março. Somos, organicamente, uma aliança.
> É o seu percurso. Esteve no BE, apoiou Soares à Presidência...
... mais nada.
> Apoiou o PS de Seguro, participando no Novo Rumo...
Não é justo! De maneira nenhuma! Quer dizer que o Livre apoia o PS e António Costa apoia o Livre?
> Estão ambos abertos a políticas de alianças.
Então estamos conversados. A mim, sempre que me convidam para apresentar as minhas ideias, eu faço-o. O eleitorado do PS e quem estava na FIL nesse dia, não tem peste bubónica. Se as pessoas me convidam, seja o António José Seguro ou uma universidade de verão do PSD, como já aconteceu, eu vou. Essa interpretação que apoiei António José Seguro é claramente abusiva. O que seria, ser convidada para a universidade de verão do PSD e eu, democrata que sou, dissesse 'não vou falar para jotinhas sociais-democratas'. Não vejo a política assim.
> No fim de semana, debateram "Uma outra Economia". Há outra, possível?
Possível e desejável! Queremos uma economia subordinada à política. Essa é uma das razões pelas quais as pessoas não votam. As pessoas pensam 'mais valia votar no conselho de administração do BES do que para a Assembleia da República [AR]'. E têm razão, porque a AR não risca nada, o Governo não risca nada, o Presidente não risca nada.
> Como é que isso se muda?
Tendo políticos que não estão em constante inflexão ao poder financeiro, com um escrutínio absoluto do financiamento das campanhas partidárias, aumentado o período de nojo do fluxo migratório entre os órgãos de soberania e as empresas, etc. Não é perfeito nem há soluções mágicas, mas há as que podem ser a engrenagem que faz esse sistema - que é uma máquina debulhadora - patinar. Nós queremos ser essa areiazinha.
> Que posição têm perante a dívida soberana?
Queremos uma conferência promovida por iniciativa dos devedores - e não dos credores - que seja internacionalista e possa ressuscitar uma nova forma de internacionalismo. Queremos fazer ver aos credores que terão muito a perder se não entrarem em negociação com os devedores.
> Não defendem um "Não pagamos".
Nunca vi um país ir à falência.