“Estamos prontos para iniciar as negociações para o resgate. Não haverá Grexit [saída da Grécia da União Europeia]”. O presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, e o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, anunciaram às nove da manhã, depois das 17 horas de reunião de cúpula, um acordo unânime com a Grécia para um terceiro resgate. O pacto abre a porta para que o Banco Central Europeu mantenha a liquidez de emergência no sistema bancário grego. O chefe do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, explicou que a Grécia aprovará leis nas próximas 48 horas, endurecerá suas propostas para aposentadorias, mercado de trabalho e outros assuntos, e finalmente aceita um fundo de privatizações, que permitirá recapitalizar os bancos e pagar a dívida.
A Europa deve esclarecer ainda qual será exatamente a participação europeia no financiamento-ponte, diante das graves dificuldades do setor financeiro grego, com o corralito [controle rigoroso sobre os fundos] e a falta de fundos para pagar um vencimento de dívida ao BCE no dia 20 de julho, por meio de um aporte de cerca de 3,5 bilhões de euros. Mas Dijsselbloem adiantou que esse fundo será usado, com os ativos vendáveis da Grécia, para obter dinheiro de imediato. Isso se o Parlamento grego aprovar nos próximos dias as medidas mais urgentes.
O texto aprovado na manhã desta segunda-feira pelos líderes da zona do euro é implacável com a Grécia: começa constatando “a necessidade crucial de reconstruir a confiança com as autoridadesgregas” como requisito para qualquer resgate e impõe duríssimas condições para que seja obtido. Entre elas, uma consulta prévia com as instituições europeias para qualquer lei que Atenas queira aprovar “em áreas relevantes” e a necessidade inclusive de reverter legislações já aprovadas desde o início do ano, à exceção das vinculadas “à crise humanitária” que o país vive. A Europa não empresta fiado, o que ficou claro nas sete páginas do compromisso assinado nesta segunda-feira, com múltiplas garantias para acertar o ansiado resgate.
Em troca dessas concessões formidáveis, a chanceler Merkel afirmou que, uma vez que a Grécia demonstre que cumpre o que foi acordado, haverá reestruturação da dívida: basicamente, uma ampliação dos prazos de devolução. “Em nenhum caso haverá perdão da dívida”, disse Merkel à imprensa europeia, e tampouco reestruturação da dívida até que o resgate passe por seu primeiro exame.Uma das chaves do acordo – e das mais difíceis para a Grécia digerir – é o fundo de privatizações, que chegará a 50 bilhões de euros e foi motivo do atraso do acordo. Incluirá todo tipo de ativos, incluídos possivelmente os bancos. “Nada teria sido pior do que humilhar a Grécia esta noite”, disse o presidente francês, François Hollande. Mas Berlim chegou a ameaçar com a saída da Grécia do euro se não houvesse acordo. E Atenas se viu forçado a aceitar esse fundo de privatizações, que nasce carregado de polêmica: praticamente não há precedentes na Europa e supõe uma espécie de aval que se exige da Grécia em troca do terceiro resgate. A titularidade do fundo será grega, mas será supervisionado pelas instituições europeias.
A chanceler disse que a Grécia “demonstrou sua disposição para realizar cortes e reformas”. “O importante agora é pôr em marcha rapidamente o que foi acordado. É preciso recuperar a confiança, e para isso a Grécia tem que assumir o acordo”. A Alemanha ressaltou que o FMI continuará no comando do terceiro resgate grego, e que Atenas se comprometeu a ativar mudanças no sistema de aposentadoria e no resto das medidas prioritárias. O Eurogrupo dará o sinal para iniciar a negociação do resgate, e então vários parlamentos nacionais votarão, incluindo o Bundestag.
Adeus ao Grexit
“A Grécia tem agora a oportunidade de mudar de rumo. O acordo evita as consequências políticas que um fracasso das negociações provocaria”, afirmou à imprensa o presidente do Conselho Europeu – que representa os Estados-membros –, Donald Tusk. “A Comissão Europeia não deixou de insistir que não haverá Grexit; estamos satisfeitos”, acrescentou o presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker, um dos poucos que defenderam claramente, durante o processo, da necessidade de fazer um pacto com a Grécia. “Eu disse que a situação seria mais difícil depois do referendo e isso se provou correto. Mas o que se alcançou é um compromisso; não há ganhadores nem perdedores. Não creio que os gregos estejam se sentindo humilhados nem que os outros membros tenham perdido a fé. É o típico compromisso europeu”, argumentou Juncker.
O escritor norte-americano Don DeLillo define a política como “um assunto de homens reunidos em salas”. Mas nesta madrugada a política europeia girou em torno de uma mulher, a chanceler Angela Merkel, que deu a última palavra numa das noites europeias mais longas e dramáticas dos últimos tempos. Dezessete horas de reunião depois, Berlim selou um acordo que cobra um preço altíssimo de Atenas para que continue no euro. O primeiro-ministro Alexis Tsipras deve aprovar várias leis nas próximas 48 horas. São exigidas dele medidas mais duras no mercado de trabalho, nas aposentadorias e em todos os assuntos que há poucos dias eram linhas vermelhas intransponíveis. E os outros membros, sobretudo, instam a Grécia a criar um fundo sob supervisão europeia com os ativos privatizáveis para, uma vez que sejam vendidos, reduzir a dívida, numa proposta inédita que gerou uma espécie de sentimento de humilhação em Atenas.
Além disso, Tsipras não se livrará da presença do FMI, que participará também do terceiro resgate grego. Para suavizar todos esses reveses, a Grécia obteve duas medidas paliativas: a menção escrita, pela primeira vez nesse processo, à reestruturação da dívida e a inclusão de um pacote de 35 bilhões de euros para fomentar o crescimento e o emprego por conta da Comissão Europeia durante os próximos três ou cinco anos. Quanto ao alívio da dívida ficou claro que não haverá anistia, apenas prolongamento de prazos de pagamento e períodos de carência.
Em troca, a Grécia evita a saída do euro e recebe luz verde para negociar os pormenores de um resgate por três anos e cerca de 50 bilhões de euros. E evita assim a bancarrota de seus bancos capengas, que ameaçavam levar para o buraco o país inteiro e que, ainda por cima, se transformaram em um calcanhar de Aquiles que obrigou Tsipras a capitular e aceitar muito mais penitências do que o que imaginava há duas semanas. O Governo grego rompeu as negociações há pouco mais de duas semanas. Convocou e ganhou um controverso referendo contra a proposta europeia. Viu-se obrigado a decretar um corralito e controles de capital diante da rápida fuga de depósitos de seus bancos. E finalmente, apenas 15 dias depois dessa decisão, capitulou e se viu obrigado a aceitar condições muito piores.
Berlim cobrou a afronta que o referendo representou, com negociações intermináveis e algumas declarações em tom mais alto. Impôs exigências muito mais duras do que as esperadas e chegou a incluir a possibilidade de uma saída temporária da Grécia do euro, que acabou retirando quando Tsipras se dispôs a negociar com os parceiros. Em troca, além desses 50 bilhões em créditos baratos, garantiu a promessa do BCE de manter os bancos com vida, e um documento no qual a Europa oferece a ansiada reestruturação da dívida, uma vez que é impossível para a Grécia pagá-la. O FMI continuará a bordo. E a Grécia conseguiu metas fiscais mais folgadas do que o resgate anterior, mas ainda assim se verá obrigada a aprovar cortes adicionais, já que a economia parou abruptamente com o corralito: pode chegar a cair 4% este ano. As necessidades financeiras foram aumentando nos últimos dias e crescem para quase 90 bilhões de euros.
E a saga grega não terminou. Nos próximos dias, o Parlamento terá de legislar por meio de decreto-lei as medidas prioritárias. Se isso ocorrer, na quarta-feira o Eurogrupo dará uma ordem para o mecanismo de resgate (Mede) a fim de que se concluam as negociações das condições do Memorando de Entendimento do terceiro resgate. Esse processo, que costuma durar em torno de dois meses, se resumirá a apenas duas semanas, diante da situação de emergência financeira da Grécia. E mesmo assim não está claro como Atenas poderá fazer frente a um pagamento de 3,5 bilhões ao BCE em 20 de julho: os parceiros têm de desenhar —provavelmente hoje, em um novo Eurogrupo, o enésimo desta semana— o financiamento de emergência para evitar o calote ao Eurobanco.
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