sexta-feira, 12 de junho de 2015

A divisão no PT agora é mais grave

A presidente Dilma Rousseff, entre o ex-presidente Lula e o presidente do PT, Rui Falcão, durante o encontro do PTDesde que expulsou Bete Mendes e os demais deputados que votaram em Tancredo Neves no Colégio Eleitoral em 1985, o PT traçou uma trajetória pontuada por cadáveres de dissidentes. Para ficar apenas na ala feminina, deixaram o partido nomes de relevo como Luiza Erundina, Heloísa Helena, Marina Silva e, mais recentemente, Marta Suplicy. Costelas se desprenderam para formar outros partidos, como o PSOL. A forma como o PT lidou com divergências ao longo da história não mudou muito. Dentro do partido, o debate é tolerado, até encorajado. Correntes se digladiam, com visões muitas vezes antagônicas sobre os temas. Uma vez tomadas as decisões, porém, o debate acaba. Para fora, a posição petista precisa ser única. Divergiu, tchau.

O PT é uma federação de tendências, com origens e visões de mundo bastante diversas. Há sindicalistas, intelectuais, religiosos, revolucionários e todo tipo de militante que possa remotamente ser chamado de “esquerdista”. Há também uma enorme legião de “apenas oportunistas”. Conseguir passar ao público uma imagem de unidade tem sido o segredo do sucesso petista. Para construir essa imagem, o interesse coletivo precisa ter primazia sobre as opiniões individuais. Mesmo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o mais carismático líder petista, entende e sabe se aproveitar disso, sem cair (ou sem cair muito…) na tentação do “culto à personalidade”, uma armadilha para todo partido de esquerda ao longo da história.

A construção dessa imagem unitária entre linhas e pensamentos tão diversos não é trivial. Mas o PT, entre todos os partidos, tem uma competência inigualável na comunicação e no marketing, reconhecida pelos próprios adversários. A prova mais eloquente disso é o uso do adjetivo “petista” para criticar pensamentos e ações de naturezas às vezes opostas. A existência de um virulento movimento “antipetista” sempre foi a maior prova do sucesso do PT na transmissão da imagem unitária. Ao aderir à lógica do discurso de “nós” contra “eles”, os adversários do PT acabam por lhe dar força, por mascarar as divergências e dissidências que sempre marcaram a história do partido e, no limite, por conferir ao PT seu sucesso eleitoral.

Até aqui, essa dinâmica, favorável ao PT, tem funcionado assim. Em seu quinto Congresso, reunido neste fim de semana em Salvador, o partido está diante de um dilema novo. Pela primeira vez, se mostra incapaz de mostrar ao público externo uma imagem de unidade. O manifesto de deputados petistas contra a política econonômica do próprio governo Dilma Rousseff, lançado ontem, é apenas o último sinal de que as divergências internas agora são mais profundas. Não é mais possível escondê-las, ou resolver o assunto pela expulsão ou saída desta ou daquela voz discordante.

O novo cenário é resultado de dois fatores. O primeiro, e mais evidente, é a sucessão espantosa de escândalos de corrupção que atingem a cúpula do partido. Mensalão e petrolão levaram para a cadeia dois antigos presidentes do PT e seus dois últimos tesoureiros. Apesar das provas dos crimes (no petrolão) e da condenação dos réus (no mensalão), ambos os tesoureiros, Delúbio e Vaccari, foram aplaudidos e se tornaram objeto de atos de desagravo. Como conciliar tal fato com a determinação, proposta no congresso, de expulsar aqueles que forem condenados por corrupção? Ou com as idas e vindas na tentativa de barrar o financiamento empresarial ao PT? A contradição é evidente, dentro e fora do partido.

O segundo fator é a conjuntura política criada pelo esgotamento natural, após mais de 12 anos no poder, somado à inevitável candidatura de Lula à sucessão de Dilma em 2018. Enquanto Lula estava no poder, foi possível conciliar políticas econômicas que desagradavam a militância com a unidade do partido. Bastava distribuir a sindicatos e às vozes descontentes cargos e poder. A virada no cenário econômico e a resistência de Dilma ao “toma-lá-dá-cá” tornaram sua situação bem mais complicada.

De acordo com pesquisas internas divulgadas aqui no G1 pelo jornalista Gerson Camarotti, sua popularidade atingiu níveis polares – 8%. A mesma presidente que, no início do primeiro mandato, conquistara a classe média como a “faxineira dos corruptos” e “gerentona”, sem perder a classe baixa que apoiava Lula, agora perdeu as duas. A classe média se afastou do PT após o petrolão e acirrou a disputa com o tucano Aécio Neves nas eleições do ano passado. Com as consequências desastrosas da política econômica praticada por Dilma ao longo do primeiro mandato (inflação e recessão), o que lhe restava de apoio entre os pobres também parece ter se afastado. Para completar, Dilma enfrenta a resistências das alas petistas insatisfeitas com o necessário (mas insuficiente) ajuste fiscal promovido pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. As mesmas pesquisas sugerem que, mantidas as condições atuais na economia, nem a popularidade de Lula seria suficiente para levar o PT à vitória em 2018.

Lula insistiu que o congresso se reunisse em Salvador, para obter algum tipo de documento com tinturas mais esquerdistas, de modo a reviver na militância a imagem aguerrida que marcou o PT de outros tempos. A estratégia de Lula é clara: manter uma imagem de um PT unido, levantar a miltância e jogar o velho jogo do “nós contra eles” nas próximas eleições. A dúvida é se aquilo que funcionou ao longo da história do partido continuará a funcionar.

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