domingo, 28 de junho de 2015

Quem tem medo do lobo bom? Raramente pacífica, a relação dos humanos com o maior canídeo selvagem encontra na Península Ibérica um dos seus melhores exemplos Ler mais: http://visao.sapo.pt/quem-tem-medo-do-lobo-bom=f823650#ixzz3eMIOvK00


Este texto deveria começar com um uivo. Um sonoro e prolongado uivo em forma de celebração de uma convivência de milhares de anos entre o Homem e o Lobo. Mas esta história já tem barbas. Crescemos a ouvir e a ler estórias do lobo mau, que iam do Capuchinho Vermelho aos Três Porquinhos ou até à de Pedro (em quem já ninguém acreditava). Sempre que era preciso exorcizar fantasmas, o lobo parecia estar sempre ali, à mão de semear. Já a lenda da fundação de Roma, em que uma loba amamentou dois humanos, os gémeos Rómulo e Remo, pouca gente conta às crianças. Provavelmente porque não resulta na hora de lhes dar a sopa.
Se o lobo recusa deixar-se domesticar pelo Homem, lá terá as suas razões. E convenhamos - mais que instinto de sobrevivência, é um sinal de inteligência. Não tardava nada e estava alguém a mandá-lo ir ao quarto buscar os chinelos ou o jornal.
Foi com a ideia de desmistificar a figura de um mamífero temido, mas pouco conhecido, que João Cosme decidiu partir à sua procura. Há dois anos, quando deu início ao projeto, definiu como objetivo fotografar o lobo em Portugal para um dia editar um livro e fazer uma exposição sobre tudo o que o rodeia. Fotógrafo da natureza e da vida selvagem, João pretende, através da imagem, "mostrar como funciona uma alcateia mas também toda a beleza deste animal e o respeito que devemos ter por ele". Para isso, entendeu que não bastavam as imagens do lobo mas era importante também registar a vida rural e o quotidiano dos pastores e criadores de gado.
Movimentos pró e contra
A coexistência entre os lobos e aqueles que se sentem mais ameaçados por eles é, na verdade, um conceito moderno. Até há poucas décadas o objetivo, principalmente dos criadores de gado, era erradicar a espécie. Só que a realidade mudou e o lobo passou a ser protegido por legislação nacional e internacional. "Como consequência disso", explica Francisco Álvares, biólogo e investigador do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto (CIBIO/InBio), "existe atualmente um conflito entre os setores pró e antilobo da sociedade, muitas vezes ampliado pelos meios de comunicação social". Para a preservação de uma espécie não basta o que os cientistas designam por uma "capacidade ecológica de carga", aquela que o ecossistema oferece para a sua sustentação. É também necessário haver uma "capacidade cultural de carga", a aceitação dos humanos à presença dessa espécie. E foi isso que contribuiu para o desaparecimento do lobo em quase toda a Europa - e também um pouco por cá.
No início do século XX, o lobo ocupava quase todo o território da Península Ibérica. No entanto, e como resultado da perseguição pelo Homem, da redução das populações de ungulados selvagens (corços, veados e javalis, principalmente) e da destruição e fragmentação do seu habitat, ao longo do século passado houve, uma drástica redução da sua área de distribuição e efetivo populacional. E se em grande parte dos países europeus foi mesmo extinto, estando agora a ser recolonizado, em Portugal o lobo desapareceu progressivamente, ao longo do século XX, do litoral e Sul do País, encontrando-se atualmente circunscrito a algumas áreas do Norte e Centro, representando a sua área de distribuição atual apenas cerca de 20% da original.
Segundo os censos realizados em 2002-2003, a população de canis lupus signatus em território nacional era de 300 exemplares, distribuídos por?63 alcateias (54 a norte do Douro e 9 a sul do Douro). Apesar do levantamento já ter mais de uma década, Francisco Álvares acredita que o número se mantém estável, porque continua a ser feita monitorização.
Há quase 20 anos a desenvolver pesquisa e investigação sobre este animal, o biólogo acredita mesmo que "o lobo pode ser a força motriz para o ordenamento do território e até um cartaz turístico para muitos concelhos do Interior". Num País onde a população tem "pouquíssima sensibilidade ambiental", parece, ainda assim, que já vão sendo dados alguns passos positivos. Um deles poderá estar para breve, com a apresentação do Plano de Ação para a Conservação do Lobo Ibérico, que conta com a participação de todos os grupos de interesse e que, acredita Francisco Álvares, "fará com que todos passem a remar na mesma direção". ?É isso também que João Cosme pretende com este trabalho, que classifica como "muito complicado" de realizar. "Estamos a falar de um animal esquivo e inteligente, que nos deteta com enorme facilidade." Com a ajuda dos investigadores, crucial para chegar a algumas alcateias, João Cosme estuda e analisa cuidadosamente os melhores locais para fazer esperas. "São muitas horas camuflado, dias inteiros sem me mexer, com muita paciência... Mas é um privilégio estar a escassos metros de vários indivíduos sem ser detetado e ter conseguido obter imagens raras, de um animal mítico."


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