À medida que se aproxima o início dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito à nacionalização e venda do Banif, ainda sem data agendada, vão surgindo informações que ajudam a levantar o véu sobre o que aconteceu nas vésperas da decisão de resolução que poderá implicar perdas para o Estado até 3200 milhões de euros (2400 milhões já garantidos). O BCE e Bruxelas impunham o Santander nos bastidores, mas oficialmente garantiam que não intervinham.
Durante o processo de venda do Banif, os dois gestores indicados pelo Estado, Miguel Barbosa e Issufa Ahmad, enviaram um email aos restantes administradores da equipa liderada por Jorge Tomé com o seguinte teor: de acordo com instruções da DGCOM para o secretário de Estado das Finanças o concurso para a alienação do banco teria de respeitar condições, nomeadamente, a venda a uma instituição a operar em Portugal cuja dimensão fosse três vezes superior à do Banif. O adquirente não podia ainda beneficiar de auxílio estatal. A missiva foi dirigida ao início da tarde de 15 de Dezembro, terça-feira, quatro dias antes de terminar o prazo indicativo para a venda em concurso, sexta-feira, 18 de Dezembro. O que constitui uma tentativa de Bruxelas de condicionar o resultado do concurso de venda do Banif. A iniciativa de Barbosa e de Ahmad precedeu ainda em seis dias a resolução do banco, decretada domingo, 20 de Dezembro.
O Estado detinha 61% do capital do Banif, o que levou à nomeação dos dois administradores, Miguel Barbosa e Issufa Ahmad, com poderes de decisão e de veto, e de três membros para a comissão de auditoria. Desde Setembro de 2014, que Barbosa estava a tempo inteiro no Banif onde tinha o pelouro do risco, indicado pelo BdP em representação do Estado. Barbosa foi ocupar o lugar deixado vago por António Varela, que, em Setembro de 2014, passou a integrar a administração do Banco de Portugal por nomeação da ex-ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque.
Em Portugal apenas dois bancos, Santander e BPI, cumpriam as exigências de Bruxelas em termos de dimensão (três vezes maiores) e de não terem ajudas públicas. Isto, dado que o BPI já devolveu o empréstimo estatal de 1500 milhões de euros de Coco’s. Mas na prática, sem o mencionar, Bruxelasrestringiu a venda ao Santander. Porquê? Ao contrário da filial do grupo espanhol, o BPI não foi convidado a apresentar uma oferta de compra do Banif.
E dos seis grupos que entregaram propostas, três fizeram-no por sugestão do BdP: os dois grupos espanhóis Santander e Banco Popular e o fundo deprivate equity norte-americano Apollo (dono da Tranquilidade). A 18 de Dezembro todos entregaram ofertas vinculativas, embora a da Apollo não a comprometesse, o que só veio a acontecer no sábado à noite, com sugestão de início de negociações domingo de manhã.
O Governo e o BdP acabaram por não receber o fundo norte-americano alegando “falta de tempo” e por acatar a imposição das autoridades europeias. E a 20 de Dezembro, o Santander comprou os activos bons do Banif com um apoio dos contribuintes portugueses de quase 2000 milhões de euros (as perdas totais para o Estado podem chegar a 3200 milhões). Um dos temas que a comissão de inquérito terá de avaliar é se as condições da proposta entregue a 18 de Dezembro pelo Santander no concurso de venda do Banif, eram mais favoráveis aos interesses do Estado do que a que foi acordada, dois dias depois.
A meio da tarde de sexta-feira, 18 de Dezembro, em Bruxelas, onde participava numa Cimeira Europeia o primeiro-ministro António Costa mostrava-se ainda confiante: “A minha esperança é que as ofertas que venham a existir dispensem a existência de um orçamento correctivo.” Apesar do banco estar nacionalizado, António Costa já não dominava os acontecimentos e é agora forçado a tomar uma decisão em sentido contrário ao que pretendia.
Ontem, 26 de Janeiro, no quadro de uma conferência sobre o desempenho do sector financeiro organizada pelo Instituto de Direito Económico Financeiro e Fiscal (IDEFF) da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, onde participou, Jorge Tomé explicou que, no processo de venda por concurso do Banif, apesar do BdP “ter definido o perímetro e os investidores contactados para termos propostas vinculativas até 18 de Dezembro”, admite que “ em paralelo alguma coisa se estaria a passar". "Somando algumas peças, [posso concluir que] que o Banco de Portugal começou a preparar a resolução do Banif”. Ou seja: “por um lado lançava o concurso, e, por outro, estava a preparar a resolução.”
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