sábado, 11 de julho de 2015

“São Paulo está menos desigual, mas elites estão mais segregadas” Para Eduardo Marques, da USP, desafio é melhorar qualidade de serviços públicos “Casa popular em áreas nobres, não!”

O professor da USP, Eduardo Marques.
São Paulo, a maior metrópole da América Latina, mudou nos últimos 20 anos. As elites se tornaram ainda mais segregadas e as classes médias e baixas se misturaram mais, num processo intimamente relacionado com o crescimento econômico, a distribuição de renda e o investimento governamental em políticas públicas nas áreas periféricas. A análise é parte do livroA metrópole de São Paulo no século XXI: espaços, heterogeneidades e desigualdades (Ed. Unesp/CEM), organizado pelo professor de ciência política da Universidade de São Paulo (USP) Eduardo Marques, pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole (CEM).
Para ele, o desafio da metrópole (e do país como um todo) é dar o passo seguinte ao da expansão universal das políticas públicas: melhorar a qualidade dos serviços ofertados, além de tornar a cidade mais compacta e criar subcentros de qualidade urbanística.
Pergunta: O livro mostra que as desigualdades diminuíram em São Paulo. Como foi esse processo?
Resposta: Nos últimos 20 anos, o período analisado, as desigualdades reduziram na cidade, mas se recompuseram. Elas foram organizadas em torno de outras dimensões, diferentes das de antes. A década de 90 foi muito negativa, em termos econômicos e sociais, mas a década de 2000, muito positiva. As políticas públicas, sobretudo nas periferias, foram se expandindo cada vez mais. Antes havia um problema de falta de políticas e agora há um problema de qualidade delas.

R.
 Uma primeira dimensão é essa questão do acesso aos serviços. As desigualdades de gênero tenderam a se reduzir, mas as desigualdades raciais permaneceram. Os padrões gerais de segregação socioespacial na metrópole permaneceram relativamente estáveis. Tem aí um padrão de evitação e de segregação muito forte. As elites estão mais segregadas. As elites brancas mais segregadas ainda. E os grupos de menor renda e médios estão mais misturados. P. Em quais dimensões essas desigualdades se recompuseram?
P. As periferias se tornaram mais heterogêneas. Isso significa que as classes mais altas estão expulsando os pobres para mais longe?
R. Não. O que a gente tem na maior parte das periferias é uma combinação de três processos que não temos como separar. Primeiro, o processo de mobilidade ascendente, de baixa envergadura: filhos de trabalhadores manuais desqualificados não foram transformados em profissionais de nível alto e, sim, numa certa classe média baixa. Segundo, o processo de transformação dos próprios espaços, principalmente pela ação do Estado provendo infraestrutura —é um processo que ainda não está completo porque falta muito investimento para que as periferias tenham um padrão comparável ao conjunto da cidade, mas elas vêm melhorando muito; e tem uma terceira dimensão associada com a produção imobiliária pelo setor privado: na última década, especialmente em periferias consolidadas, nos subcentros, aconteceu uma atividade imobiliária expressiva do setor privado, orientada para a classe média baixa. Há ainda um quarto elemento, que é a presença nesses lugares dos condomínios fechados, que também produzem uma heterogeneização da periferia.
P. Você se refere aos condomínios de regiões como Barueri, Alphaville...
A sociedade brasileira continua sendo fortemente hierárquica e alguns grupos tentam experimentar uma sensação de exclusividade, se afastando da cidade. Isso não é só no Brasil. O fenômeno do condomínio fechado é das Américas e do Sudoeste da Ásia. Na Europa se tem muito pouco.
R. Isso. E mesmo nessas regiões há uma heterogeneidade razoável. Tem condomínios padrão de classe AAA, de altíssimo padrão. Mas também loteamentos com um padrão de classe média.
P. Por que a elite procurou se fechar em condomínios?
R. Primeiro pelo medo da violência e pela sensação de risco, que são fenômenos distintos da violência em si. Segundo, pela busca de um padrão de exclusividade. A sociedade brasileira continua sendo fortemente hierárquica e alguns grupos tentam experimentar uma sensação de exclusividade, se afastando da cidade. Isso não é só no Brasil. O fenômeno do condomínio fechado é das Américas e do Sudoeste da Ásia. Na Europa se tem muito pouco. A expressão em inglês para isso é gatedcommunity [comunidade murada]. Mas no caso norte-americano se tem uma ideia de community [comunidade] mesmo, com atividades que são comuns entre os moradores. Existe lá um condomínio na Flórida, para aposentados, com uma marina, e as pessoas que gostam de velejar se aposentam e vão morar lá para praticar uma atividade em comum. No caso brasileiro, o grau de comunidade nesses lugares é muito próximo do zero. O espaço público e as áreas de uso comum não são utilizadas. Não há nem calçada para pedestres.
P. Porque isso acontece no Brasil?
R. Pelo medo da violência e pela busca de uma sensação de exclusividade.
P. Uma certa parte da população hoje protesta contra equipamentos que poderiam democratizar seus espaços, como o metrô de Higienópolis, a abertura da avenida Paulista aos domingos, as ciclovias...
R. Contra essa questão do Plano Diretor do uso misto (comercial e residencial num mesmo bairro)... As áreas habitadas pela elite, em geral, se tornaram ainda mais exclusivas, mais homogêneas. A proporção relativa de elites morando em área de elite aumentou nessas duas décadas.
P. E abrir a Paulista aos domingos e criar um espaço gratuito para que diversas classes possam conviver, por exemplo, pode ser uma forma de reverter essa tendência de exclusividade?
R. Abrir o espaço público e produzir mais vida nesse espaço público é uma dimensão positiva, certamente. É louvável e deve ter todo o apoio político possível. Mas eu não sei se isso é exatamente uma solução para esse problema. O combate à segregação passa por produzir políticas que tornem a cidade mais compacta, constituam subcentros de qualidade urbanística em outros lugares, melhore os transportes, especialmente o público. Para que a cidade melhore tem que combinar essas políticas, como as que a prefeitura vem fazendo com o Plano Diretor, com as políticas de transporte. A segregação produz um efeito de distanciamento muito grande dos grupos.
P. A segregação produz o preconceito entre as classes?
Se for um ajuste com uma intensidade e uma duração similar ao dos anos 90, pode se ter efeitos muito negativos. (...) O mercado de trabalho piora, as pessoas têm menos renda. Então, as soluções habitacionais se tornam mais precárias, a favelização aumenta, o encortiçamento aumenta...
R. Uma coisa é irmã da outra. A segregação produz o preconceito, mas também é produzida por ele. E tudo o que estamos falando agora são processos de transformação bastante lentos. Mexer na segregação e, especialmente, no preconceito, leva muito tempo. Não são transformações que acontecem da noite para o dia.
P. É possível projetar o que acontecerá daqui pra frente, com a crise econômica e os ajustes?
R. É muito arriscado fazer esse exercício, porque depende da duração e da intensidade dos ajustes. Se for um ajuste com uma intensidade e uma duração similar ao dos anos 90, pode se ter efeitos muito negativos. Mas isso depende muito do tamanho e da extensão da duração.
P. Esses efeitos negativos, em termos espaciais, se configurariam como?
R. Eles têm a ver, por um lado, com a redução de uma disponibilidade de recurso para políticas, um aumento da redução do ritmo de melhora da infraestrutura porque o Estado tem menos recurso para as políticas, nos três níveis de Governo. E, além disso, o mercado de trabalho piora, as pessoas têm menos renda. Então, as soluções habitacionais se tornam mais precárias, a favelização aumenta, o encortiçamento aumenta...

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