Uma pequena empresa de investimentos sediada numa caixa postal nas Ilhas Bermudas, com patrimônio de R$ 19, conseguiu a façanha de captar R$ 2,4 bilhões na Bolsa de Valores e de receber um aporte de R$ 700 milhões do BNDES num de seus negócios. Parecia um caso de sucesso. Só parecia. Por trás do dinheirão todo, está uma fraude sem precedentes. Ex-dona da butique Daslu e da marca Parmalat no Brasil, a Laep Investiments, fundada em 2006 pelo empresárioMarcus Elias, entra para a história por ter dado um golpe de R$ 5 bilhões entre 2008 e 2013 no governo e em cerca de 18 mil investidores. A conta inclui dinheiro roubado de pequenos acionistas e grandes investidores, além de tributos não pagos. Torna-se, assim, o maior prejuízo do mercado de capitais brasileiro, segundo uma denúncia do Ministério Público Federal (MPF) de São Paulo e documentos que embasaram a investigação, obtidos por ÉPOCA.
Há indícios de mais de dez crimes, como gestão fraudulenta,manipulação do mercado, uso indevido de informação privilegiada,lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, entre outros, segundo a procuradora da República Karen Louise Jeanette Kahn, responsável pelo caso.
Usando documentos fabricados, a Laep conseguiu burlar a legislação brasileira e colocar em prática uma estratégia insólita. Ao ter residência no exterior, mais especificamente numa caixa postal, a empresa se livrou da fiscalização dos órgãos reguladores brasileiros. Ela estava submetida às regras de Bermudas. Assim, após abrir o seu capital em 2007, passou a emitir as suas ações a rodo na Bolsa de Valores, sem nenhuma intervenção da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), xerife do nosso mercado de capitais. Quando colocava mais papéis em circulação no mercado, Marcus Elias podia vendê-los e assim embolsar mais dinheiro, enquanto a participação dos acionistas minoritários era diluída.
Essas operações eram precedidas por anúncios falsos ao mercado, sobre a necessidade de levantar mais dinheiro para continuar a investir em seus negócios. Um deles era a produtora de laticínios LBR, que recebeu aporte do BNDES e da companhia de participações GP Investments (investidora de companhias como o site de compras Submarino e a ferroviária ALL). A LBR entrou em recuperação judicial e se mostrou um fiasco. O discurso era uma cortina de fumaça para que o empresário Marcus Elias, apoiado por seus executivos Flávio Silva de Guimarães Souto, Rodrigo Ferraz Pimenta da Cunha e Othniel Rodrigues Lopes, conseguisse desviar recursos da Bolsapara o seu próprio bolso – e o de familiares.
Segundo documentos em posse do MPF, foi usada uma rede formada por mais de 100 empresas-fantasmas, que não possuíam nenhum empregado e eram sediadas no mesmo endereço da Laep. Essas companhias, tão verdadeiras quanto uma nota de R$ 3, eram beneficiadas com empréstimos, créditos ou transferência de bens subavaliados, feitos pela Laep para irmãos, pai, esposas e ex-esposas de Marcus Elias.
Uma das companhias-fantasmas é a Gabapem Serviços Participações, criada em janeiro de 2008. Entre seus sócios constam dois filhos de Elias. A companhia tem em seu capital social o mesmo imóvel declarado no capital da Central Veredas de Empreendimentos, que está ligada à Laep. Para o MPF, esse é apenas um exemplo de um esquema de desvio de bens em favor de pessoas relacionadas a Elias. Pelo cenário apontado até agora na investigação, o empresário e seus familiares se apropriaram de mais de R$ 150 milhões.
As irregularidades levaram a companhia à bancarrota. Desde quando abriu seu capital na Bovespa, em 2007, até hoje, as ações da empresa, que está em recuperação judicial, caíram 99,9% – ou seja, perda total. Diante de tamanho prejuízo, centenas de vítimas se uniram e formaram um grupo para denunciar as falcatruas da Laep para a CVM, Polícia Civil, Polícia Federal e Ministério Público. Em 2013, a CVM e o MPF iniciaram um ação civil pública contra a Laep. Na petição, os investigadores afirmaram: “Esse é, sem dúvida, o caso mais aviltante que já ocorreu na história do mercado de capitais brasileiro e quiçá mundial. Uma absoluta afronta e um total desrespeito não só com os investidores, mas com todos os poderes constituídos no país”.
Desde então, por meio de liminar, os bens de Marcus Elias e da Laep Investment estão bloqueados. Apesar disso, segundo a procuradora Karen, o empresário e os demais acusados continuaram tentando transferir bens e aplicar novos golpes. Em março do ano passado, Elias comprou uma empresa de gaveta chamada Moda Brasil, que adquiriu as ações da Daslu, cujos bens estavam bloqueados – e não poderia, portanto, transferir suas cotas. Procurado, o advogado Antônio Sérgio de Moraes Pitombo, que representa Marcus Elias e os demais executivos da Laep, não se pronunciou até a publicação desta reportagem.
O BNDES afirma que não teve acesso à denúncia do MPF. “A BNDES Par é sócia da LBR juntamente com (a empresa) Monticiano e outros investidores. A Monticiano, por sua vez, é controlada pelo GP Investments e tem como sócio a Laep. Não existe relação societária direta entre a BNDESPar e a Laep. Neste contexto, como parte das mais de 600 demandas de informação feitas ao longo de 2014 por órgãos de controle e outras entidades, nos foram solicitadas informações sobre a relação societária e detalhes da operação de investimento da BNDESPar na LBR, todas atendidas”, afirma a nota explicativa.
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