por Gabriel Valery, da RBA publicado 04/08/2016 09:47 REPRODUÇÃO
Medidas restritivas mencionadas por ministério interino ameaçam criação de 5.994 leitos, sendo 4.080 de UTI
São Paulo – Medidas que ampliam e aprimoram o Sistema Único de Saúde (SUS) podem estar em risco no governo interino de Michel Temer (PMDB). Isso porque o Conselho Nacional da Saúde (CNS) prevê dificuldades para executar o Plano Nacional da Saúde (PNS) 2016-2019, aprovado em julho. “Há a preocupação de o Ministério da Saúde, com a gestão interina, não levar em conta esta construção”, afirma o presidente do CNS, Ronald Ferreira dos Santos.
O ministro interino da Saúde, Ricardo Barros, engenheiro e deputado federal licenciado pelo Partido Progressista (PP), já sinalizou que não deve buscar aumento de subsídios para o setor, o que entra em conflito com as metas traçadas no plano nacional. Correm risco de serem deixadas de lado medidas como: ampliação das crianças vacinadas no país, de 76% para 85%; criação de 5.994 leitos, sendo 4.080 de terapia intensiva (UTI); implementação de brinquedotecas em todos os hospitais federais; 500 novos centros odontológicos; 732 novos laboratórios de próteses dentárias; 480 Centros de Atenção Psicossocial (Caps); entre outras.
“A questão central do plano é consolidar o direito do povo e a responsabilidade do Estado em relação à saúde. As metas passam por ampliação e qualificação do acesso à saúde, com equidade e humanização”, disse Santos à RBA.
“Colocamos à disposição da sociedade brasileira, das forças que defendem o SUS, um bom instrumento”, afirmou. Além do posicionamento do ministro interino, tramita no Legislativo o Projeto de Emenda à Constituição (PEC) 241/16, de autoria do Executivo, que tem como objetivo central fixar um teto de gastos para despesas primárias nos três poderes.
O projeto veda aumentos acima da inflação em áreas como saúde e educação. Sem aumento real, esses setores ficam engessados para ampliar seus serviços. Ainda com a ampliação natural da demanda, a PEC pode representar arrocho de direitos fundamentais, materializado no conflito com as metas de melhorias que constam do plano nacional.
No mesmo sentido de precarização do SUS, o ministro encaminhou estudos para a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), de acordo com o ministério, questionando a viabilidade de criar planos de saúde popular, de origem privada.
Defensores do SUS afirmam que a intenção do ministro interino é mercantilizar a saúde. “É possível que tentem levar em conta objetivos que não estão no PNS, mas não vamos aceitar que outros interesses, como eleitorais, eventuais compromissos de campanha, projetos individuais de lideranças políticas, prevaleçam”, afirmou o presidente do CNS.
O CNS possui prerrogativas legais para a execução do plano, o que dá força política ao órgão para tentar aplicar os avanços, mesmo com oposição do ministro interino. “O conselho é um colegiado formado por representantes da sociedade criado a partir do princípio presente na Constituição Federal de 1988 da participação popular. Depois, as leis 8080/90 e 8142/90, que regulamentam o SUS, deram ao CNS atribuições de definir estratégias e também de controle e fiscalização dos exercícios orçamentários e financeiros da saúde”, disse Santos, acrescentando que o material elaborado pelo colegiado deve, se respeitado o devido processo legal, ser levado em conta pelo ministério.
Levando em conta o posicionamento do ministro interino, Ricardo Barros, quais os receios quanto à execução do Plano Nacional de Saúde?
Há uma preocupação de o ministério, com a gestão do ministro interino, não levar em conta esta construção. De outros interesses, outros objetivos, não os que estão no Plano Nacional da Saúde, serem colocados como objeto da ação do Executivo. Vamos cobrar o que aprovamos. O que vamos fazer é nos referenciar na legalidade, na legitimidade, que são dois elementos que nos dão autoridade política para cobrar, já que seguimos rigorosamente os processos apontados pelos instrumentos legais.
Como foi elaborado o PNS para o próximo triênio?
A conferência do ano passado foi realizada em dezembro, e contou com a participação de diversos municípios brasileiros, mobilizando mais de 1,5 milhão de pessoas para apontar diretrizes sobre quais as ações e caminhos do SUS. Também, o texto já vinha sendo trabalhado nas reuniões ordinárias do conselho, realizadas mensalmente. Também tivemos a mais efetiva contribuição, com mais dados, da equipe técnica do Ministério da Saúde, que desenvolveu e monitorou o último PNS.
Quais são os pontos centrais?
Ele tem objetivos a serem alcançados, além de apontar indicadores para monitorar esses objetivos. A questão central é de consolidar o direito do povo brasileiro e a responsabilidade do Estado com o acesso à saúde. As metas passam por ampliar e qualificar o acesso à saúde com equidade, humanização e tendo como referência não as demandas do mercado, mas as necessidades da saúde, fortalecendo a questão da atenção básica, ambulatorial e hospitalar. Também aprimorar as redes de atenção à saúde com ênfase na articulação delas.
Ainda buscamos aprimorar a relação interfederativa, ou seja, há a necessidade de discutir como fica a responsabilidade entre estados, municípios e união, como ficam as ações de saúde, o financiamento e os processos de regionalização. Tivemos algumas iniciativas nos últimos tempos, tentando organizar as redes, as regiões e o contrato organizativo de ações públicas, mas é preciso aprimorar essas relações. Este ponto é fundamental, porque alguns colocam esse como se fosse o único problema do SUS. Nós, no PNS, colocamos que é um problema, mas não o único. Mas tem que estar lá: melhorar a gestão do gasto, dar um padrão mais sustentável ao SUS.
Quais instrumentos podem ser utilizados para garantir a implementação das metas?
Não vamos aceitar que outros objetivos, como eleitorais, eventuais compromissos de campanha, projetos individuais de lideranças políticas prevaleçam. Vamos utilizar todas as forças possíveis nesta direção. Seja o diálogo com o poder Judiciário, com o Legislativo, com a sociedade, no sentido de construir, para além da legalidade, um lastro político para que este plano deva se desenvolver no SUS nos próximos anos. Nosso papel é de um órgão colegiado do Estado brasileiro e que temos atribuições legais que nos foram delegadas. Uma vez nos dada tal autoridade, vamos cobrar que nossos apontamentos de como o caminho de consolidar o SUS para atender às necessidades do povo brasileiro sejam materializados.
O QUE O GOVERNO TEMER PÕE EM RISCO
O PNE 2016-2019 é dividido em 13 grandes objetivos, eixos estratégicos que contêm metas para a ampliação do serviço do SUS
1 - Ampliar e qualificar o acesso aos serviços de saúde, em tempo adequado, com ênfase na humanização, equidade e no atendimento das necessidades de saúde, aprimorando a política de atenção básica e especializada, ambulatorial e hospitalar
Metas:
2 - Aprimorar e implantar as Redes de Atenção à Saúde nas regiões de saúde, com ênfase na articulação da Rede de Urgência e Emergência, Rede Cegonha, Rede de Atenção Psicossocial, Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência, e da Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas
Metas:
3 - Promover o cuidado integral às pessoas nos ciclos de vida (criança, adolescente, jovem, adulto e idoso), considerando as questões de gênero, orientação sexual, raça/etnia, situações de vulnerabilidade, as especificidades e a diversidade na atenção básica, nas redes temáticas e nas redes de atenção à saúde
Metas:
4 - Reduzir e prevenir riscos e agravos à saúde da população, considerando os determinantes sociais, por meio das ações de vigilância, promoção e proteção, com foco na prevenção de doenças crônicas não transmissíveis, acidentes e violências, no controle das doenças transmissíveis e na promoção do envelhecimento saudável
Metas:
5 - Promover a atenção à saúde dos povos indígenas, aprimorando as ações de atenção básica e de saneamento básico nas aldeias, observando as práticas de saúde e os saberes tradicionais, e articulando com os demais gestores do SUS para prover ações complementares e especializadas, com controle social
Metas:
6 - Ampliar o acesso da população a medicamentos, promover o uso racional e qualificar a assistência farmacêutica no âmbito do SUS
Metas:
7 - Promover a produção e a disseminação do conhecimento científico e tecnológico, análises de situação de saúde, inovação em saúde e a expansão da produção nacional de tecnologias estratégicas para o SUS
Metas:
8 - Aprimorar o marco regulatório e as ações de vigilância sanitária, para assegurar a proteção à saúde e o desenvolvimento sustentável do setor
Metas:
9 - Aprimorar o marco regulatório da Saúde Suplementar, estimulando soluções inovadoras de fiscalização e gestão, voltadas para a eficiência, acesso e qualidade na atenção à saúde, considerando o desenvolvimento sustentável do setor
Metas:
10 - Promover, para as necessidades do SUS, a formação, a educação permanente, a qualificação, a valorização dos trabalhadores, a desprecarização e a democratização das relações de trabalho
Metas:
11 - Fortalecer as instâncias do controle social e os canais de interação com o usuário, com garantia de transparência e participação cidadã
Metas:
12 - Aprimorar a relação interfederativa e a atuação do Ministério da Saúde como gestor federal do SUS
Metas:
13 - Melhorar o padrão de gasto, qualificar o financiamento tripartite e os processos de transferência de recursos, na perspectiva do financiamento estável e sustentável do SUS
Metas:
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