Russomanno em campanha no bairro do Limão ZANONE FRAISSAT FOLHAPRESS
São Paulo
As câmeras seguiam Celso Russomanno na feira de Perus, na Zona Norte de São Paulo, e alguns tinham a impressão de que o registro do candidato à prefeitura de São Paulo era, na realidade, filmagem para seu show diário na TV Record. Uma senhora, pegando-o pelas mãos, disse que estava com muita saudade e que torcia para que ele voltasse logo para a tela – seu Patrulha do Consumidor, que é diário, foi interrompido pela campanha das eleições municipais. Alertada pela amiga ao lado que isso significaria a derrota de Russomanno nas urnas, perguntou se, como prefeito, não podia aparecer na TV. “Qual a graça das senhoras?”, ele perguntou, para depois explicar que provavelmente teria um programa semanal, se ganhar. O mais importante, frisou, é que, eleito, faria no gabinete o mesmo que faz na emissora: defender o consumidor.
A cena, em 19 de agosto, terceiro dia da campanha, resumia a simbiose entre candidato e estrela de TV que é a maior fortaleza do nome do PRB, partido ligado à Igreja Universal. Superadas as incertezas que rondavam sua candidatura – foi só na segunda semana de agosto que ele foi absolvido no Supremo Tribunal Federal (STF) da acusação anterior por peculato e pode se candidatar – Russomanno é hoje o líder das pesquisas de intenção de voto, tanto nas simulações de primeiro turno como de segundo turno.
A vantagem da largada não é pouca coisa em São Paulo, que terá um dos pleitos mais concorridos e curiosos dos últimos anos. Com menos tempo de disputa e com recursos mais escassos – já que as doações de pessoas jurídicas para campanhas estão proibidas – os candidatos terão que correr para conquistar eleitorado. Na mais recente pesquisa Datafolha Russomanno aparece na frente com 31% das intenções de voto, ele olha no retrovisor e vê ninguém menos do que Marta Suplicy (PMDB), com 16%, Luiza Erundina (PSOL), Fernando Haddad (PT) e João Doria Junior (PSDB). “Será uma luta intensa e, apesar de estar bem nas pesquisas, ele sai, de antemão, com menos poder de fogo por ter uma estrutura partidária menor”, comenta Marco Antonio Teixeira, professor do Departamento de Gestão Pública da FGV-SP. Um assessor de sua campanha discorda: menos recursos, significam mais chances de vitória para ele. “A coisa vai ser decidida aqui, na rua”, opina.
Último nas pesquisas, o tucano Doria, com 5% das intenções de voto, vem para o tudo ou nada, como deixou claro no debate da segunda-feira em que foi um dos mais agressivos. Assim como Russomanno, ele é um comunicador, conta com o apoio do governador Geraldo Alckmin, de quem é padrinho político, e tem prometido para interlocutores próximos ser uma espécie de Donald Trump brasileiro, batendo de forma virulenta em quem for preciso. Marta (16%), Erundina (10%) e Haddad (8%) representam o mesmo problema para o candidato do PRB: os três têm um capital concreto de realizações na cidade para mostrar. O petista ainda conta com o fato de ser o atual prefeito e Marta de estar no partido do presidente interino, Michel Temer. Além disso, os quatro juntos terão de disputar um eleitorado que, pelo menos geograficamente, lhes é comum: o das regiões periféricas da cidade.
"Será uma luta intensa e, apesar de estar bem nas pesquisas, ele sai, de antemão, com menos poder de fogo por ter uma estrutura partidária menor"
O conversador e a Universal
Simbólico disso é que na caminhada, naquela sexta em Perus, Russomanno seguia o mesmo roteiro dos dias anteriores: caminhada em uma feira livre na periferia. Na Zona Norte paulistana, ele ia cercado por assessores, candidatos a vereador, fotógrafos e um grupo de cerca de seis mulheres com pinta de modelo que distribuíam santinhos e faziam uma seleção de pessoas que queriam falar ou tirar selfies com ele. “Celso, a dona Nadir quer te conhecer”, disse uma das ajudantes do candidato. No tetê-à-tête, o homem de tez branca, quase pálida, não é nada espalhafatoso e o modo contundente com que interpela maus vendedores e prestadores de serviço na TV desaparece. Calmo, falando baixinho, bem de perto, Russomanno foi lá, cumprimentou a feirante olhando nos olhos, perguntou como ela estava, tirou foto e deu um autógrafo. Depois que ele seguiu caminho, Nadir, meio atrapalhada, comentou com uma colega que ao cumprimentá-lo sua mão grossa quase furou a “pele de papel” da mão dele. Mas isso pouco importava. Ela estava muito feliz. Acostumada a vê-lo no Patrulha, tinha o sonho de conhecê-lo pessoalmente.
Depois que ele seguiu caminho, Nadir, meio atrapalhada, comentou com uma colega que ao cumprimentá-lo sua mão grossa quase furou a “pele de papel” da mão dele.
A situação da saúde municipal foi um dos temas mais mencionados pelas pessoas que interpelaram Russomanno ao longo de sua caminhada. O assunto é caro para ele e, por isso, durante a conversa com seu eleitorado, mais de uma vez se referiu a um “episódio triste” de sua vida. A história é um divisor de águas na trajetória dele. Em 1992, o apresentador levou ao ar uma reportagem em que retratava a morte de sua ex-mulher. Segundo ele, ela havia sido vítima da falta de médicos no hospital particular em que estava e, por isso, não teria sobrevivido a uma infecção. As imagens da peça, feitas por ele próprio, foram filmadas nos corredores do hospital, enquanto o quadro clínico dela piorava. Parte da filmagem, que culmina com Russomanno repetindo “ela está morta, ela está morta”, pode ser vista no YouTube. A partir desse dia, ele conta, teria tomado como missão pessoal a defesa do consumidor.
Na televisão, Russomanno começou em 1986, mas foi no início dos anos 1990, quando integrou a equipe do programa popular Aqui Agora, do SBT, que virou um pequeno fenômeno de audiência. De microfone na mão, ele interpelava vendedores e prestadores de serviço acusados de lesar o consumidor. Ali, deu inicio a sua franquia pessoal que levaria para todos os canais e programas pelos quais passaria – e que usa até hoje no Patrulha. Na política, entrou a convite do ex-governador tucano Mario Covas e, de saída, foi o candidato a deputado federal mais votado do pleito, com 233.482 votos. Depois disso, engataria mandato atrás de mandato como deputado, sempre com votações expressivas.
"A trajetória dele é muito fincada na própria personalidade. Ele já foi de diferentes partidos, aliado do Covas, do Maluf e agora está no PRB. Não tem nenhuma figura de expressão na sociedade que lhe dê apoio ou sustentação"
O momento mais desafiador da carreira política ele viveria em 2012, quando disputou a prefeitura de São Paulo pela primeira vez, já utilizando a tática de colar a imagem de defensor do consumidor a de aspirante a prefeito. Naquele ano, esteve à frente das pesquisas eleitorais durante a maior parte do tempo. Contudo, um projeto que seguia uma lógica cartesiana do consumo, acabou sendo a fagulha que desidratou toda sua campanha, fazendo com que ele sequer avançasse para o segundo turno. A proposta previa que o usuário de ônibus que morasse mais afastado do centro da cidade seria mais onerado: quanto mais longe viajaria, mais a pessoa pagaria por passagem. Pode fazer sentido na lógica do mercado, mas não faz sentido na lógica de quem usa transporte público para trabalhar todo dia. A campanha de Haddad aproveitou a brecha, atacou e saiu vitoriosa.
A estratégia para para voltar fortalecido em 2016 começou a ser feita no momento da derrota de 2012. Voltou para a TV e acertou com o PRB, ligado à Record e a Igreja Universal, que concorreria como deputado federal para puxar votos e aumentar a bancada, essencial para conseguir mais tempo na TV no horário eleitoral gratuito. O plano saiu como esperado: Russomanno foi o mais bem votado deputado federal do país em 2014, com 1,5 milhão de votos (7,26%), ajudou a mais que dobrar a bancada do PRB – de 10 para 21. A boa performance dele em São Paulo agora e de Marcelo Crivella, também do PRB, no Rio de Janeiro, mostram a força do partido sob a influência dos evangélicos liderados por Edir Macedo. Se já são um caucus poderoso no Congresso, o desafio do grupo é emplacar candidatos em eleições majoritárias. A tarefa de sair do nicho evangélico é mais difícil para Crivella, bispo licenciado, do que para o católico Russomanno, próximo do popular padre Marcelo Rossi. O apresentador mostra força maior que sua média geral na cidade tanto entre os entre os evangélicos pentecostais (41%), quanto não pentecostais (40%).
Para Teixeira, da FGV, é difícil dizer se a posição de Russomanno se sustentará desta vez. “A trajetória dele é muito fincada na própria personalidade. Ele já foi de diferentes partidos, aliado do Covas, do Maluf e agora está no PRB. Não tem nenhuma figura de expressão na sociedade que lhe dê apoio ou sustentação e, por isso, confrontando pelos outros candidatos pode acabar não resistindo novamente”, comenta. O professor ainda lembra que a instabilidade jurídica do candidato faz com que ele fique mais fragilizado. O imbróglio com o TRF, que quase impossibilitou sua candidatura, não é o primeiro envolvimento do nome de Russomanno com escândalos. Talvez por isso mesmo, ele tenha adotado em seu primeiro debate um tom de cautela, além de ter pedido, mais de uma vez, para que a discussão não fugisse de São Paulo.
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