Em meio a um desfecho que seus líderes consideravam inimaginável, petistas contestam até a liderança de Lula
por José Casado
RIO - A primeira pergunta é invariável: “O que você acha que aconteceu?” A segunda também: “Como é que chegamos a isso?” Líderes do Partido dos Trabalhadores voltam a se encontrar no fim de semana, em São Paulo, para outra rodada de discussões em busca de respostas.
Há três décadas, saiu da primeira eleição com oito deputados federais. Cresceu na vertigem dos vinte anos seguintes em votações recordes.
Em 2002, elegeu 91 deputados, dez senadores, três governadores estaduais e um presidente da República. Lula venceu em 25 estados com 53 milhões de votos, 61,2% do eleitorado de 86 milhões.
Dois anos atrás, Dilma superou uma disputa presidencial acirrada, elegendo-se com uma diferença de 3,3%, ou seja, 3,5 milhões de votos num eleitorado de 105 milhões.
Voltará às urnas em dois meses. Desta vez, com pouco mais de 900 candidatos a prefeito.
É metade do número de candidaturas que registrou na última eleição municipal, em 2012.
É metade do número de candidaturas que registrou na última eleição municipal, em 2012.
Nesta terça-feira, em Brasília, o PT participa do epílogo de um enredo inimaginável para seus líderes, como tem repetido Lula: a destituição de Dilma Rousseff da Presidência da República.
Confirmadas as previsões sobre o julgamento político, Dilma será deposta e ficará inelegível até 2024. Lula, às vésperas de completar 70 anos, terá de se dedicar à luta pela sobrevivência em frentes diversas, imediatas e simultâneas.
Numa delas tentará evitar a cisão do PT, imerso na contestação à sua liderança deflagrada pelos grupos petistas que sonham mantê-lo distante da “refundação” do partido e da candidatura presidencial em 2018.
Noutra, vai batalhar para escapar do banco dos réus, onde estão fornecedores da Petrobras que confessaram lavar o dinheiro de corrupção em financiamentos eleitorais ao PT, PMDB, PP, PSDB e outras organizações partidárias.
Cismas proliferam. Na recente eleição para a presidência da Câmara, parte da bancada de deputados apoiou o deputado Rodrigo Maia, expoente de um partido (DEM) que Lula, na campanha para eleger Dilma, prometeu extirpar.
A própria Dilma sentiu na pele os efeitos da decomposição petista. Há duas semanas resolveu apresentar uma carta aberta aos senadores que decidem o seu futuro. E retomou a proposta de um plebiscito para convocação de eleições, coisa que não tem previsão na Constituição e já fora rejeitada pelo PT, com aval de Lula. Ela insistiu e foi à luta interna. Acabou derrotada por 87,5% do comando do próprio partido.
Prevalece, também, a preocupação com a própria sobrevivência na política. Já são perceptíveis no Congresso discretas negociações de parlamentares petistas com o governo Michel Temer. Em alguns casos, o tema é a preservação de aliados na burocracia federal, como ministérios e bancos públicos. Em outros, a agenda de conversas está centrada nos repasses de recursos federais, essenciais para muitos governadores e prefeitos, sobretudo os da regiões Norte e Nordeste.
Para líderes petistas, agora, é hora da busca por soluções às questões-chave sobre o que deu errado e como chegaram a esse ponto na ladeira da própria história.
Parte da resposta, certamente, está nas ambiguidades do ideário petista. Do liberalismo dos governos Lula, transitou para o intervencionismo de Dilma e derivou no atual estado da economia. Os brasileiros perderam 16% da renda média numa longa recessão que, entre outros efeitos, devastou o parque industrial e deixou 11,5 milhões de pessoas desempregadas — 3,5 milhões a mais do que o total contabilizado ano passado. Os mais afetados foram os jovens. Entre eles, o desemprego muito alto em 2015 (23%) subiu ainda mais neste ano (29,4%).
Na segunda-feira, no Senado, Dilma debitou os desequilíbrios internos “à crise internacional” e “à desvalorização” dos preços das matérias-primas exportáveis, como petróleo e minério de ferro. Adversários do PSDB retrucaram. Tasso Jereissati lembrou que, no ano eleitoral de 2014, o Brasil teve crescimento zero, enquanto a média mundial foi de 3,4%: “Não há qualquer relação entre a crise internacional e nossa tragédia econômica”.
À margem da retórica e das paixões partidárias, é certo que, na maior parte da era do PT no poder, o Brasil foi beneficiário de um ciclo mundial de valorização das matérias-primas, puxado pela China, combinado com a redução dos juros nos Estados Unidos.
Esse vento favorável percorreu todas as economias chamadas emergentes. Deram-se bem os governos que aproveitaram para ajustar suas contas. Outros ficaram expostos à fragilização política ao fim do ciclo de bonança das exportações de matérias-primas.
Há lições implícitas no caso brasileiro, acha Daniela Campello da Costa Ribeiro, professora da FGV-Rio, autora de estudos sobre oscilações do humor do eleitorado nos ciclos econômicos de países dependentes de matérias-primas.
— Se você perguntar para um analista de mercado, do tipo antipetista, ele vai responder dizendo que Lula foi um governante sortudo e Dilma uma presidente incompetente — comenta. — Mas se você perguntar para um petista, ele responderá que Lula deu sorte e Dilma deu azar. Nenhum dos dois tem razão. A verdade está no meio.
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