quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Rússia mente sobre morte de civis e alvos terroristas na Síria, diz a Amnistia

Uma rapariga corre pelas ruas destruidas em Idlib, onde a Amnistia diz que bombas russas mataram civis.KHALIL ASHAWI/REUTERS
O Kremlin usa provas forjadas para certificar que está a atacar alvos terroristas na Síria. Amnistia Internacional afirma que já morreram pelo menos 119 civis com bombas russas desde Setembro.
A Amnistia Internacional acusa os responsáveis militares russos de falsificarem provas e de mentirem quando dizem que a intervenção dos seus caças na Síria atingiu até agora apenas alvos militares de grupos terroristas e não civis, ou edifícios públicos, como alegam activistas no terreno. A organização humanitária investigou mais de dois meses de bombardeamentos e garante que, pelo menos nos cinco casos que analisou em detalhe, aeronaves que Moscovo enviou para apoiar o Presidente sírio mataram 119 civis e atingiram pelo menos uma escola e um hospital. No total, a Amnistia acredita que morreram mais de 200 civis e cerca de uma dúzia de combatentes armados por acção russa. 
A investigação fala para além disso do “possível uso ilegal de armas” na Síria. A organização documenta um uso cada vez mais frequente de bombas de dispersão (cluster bombs) desde que Moscovo começou a sua campanha aérea. São armas “inerentemente indiscriminadas”, nas palavras da Amnistia – fabricadas e usadas também pelos Estados Unidos, embora não na Síria – e diz ter encontrado vestígios deste tipo de bombas em locais alvejados por caças russos. A organização acusa Moscovo de estar a usar também bombas não-comandadas, o que, afirma, pode equivaler a “ataques indiscriminados” em zonas com alta densidade populacional.
O Kremlin desmentiu todas as acusações da Amnistia. O porta-voz do Ministério da Defesa russo afirma que o relatório da organização humanitária está cheio de "clichés" e "informações falsas". Antes anunciara que os seus caças tinham atingido 1093 "alvos terroristas" nos últimos seis dias. “É uma nova provocação de alguém que não gosta da maneira como lutamos contra o terrorismo na Síria”, disse Viktor Ozerov, deputado que chefia o Comité de Defesa na câmara alta do Parlamento. 
A Rússia é criticada desde o primeiro momento que começou a atingir alvos na Síria, a 30 de Setembro. Os seus caças começaram por alvejar não os grandes centros de poder do grupo Estado Islâmico, como anunciara o Kremlin, mas sim facções armadas que combatiam Bashar al-Assad em alguns dos pontos mais sensíveis para o Presidente sírio. As primeiras semanas de bombardeamentos russos aconteceram quase sempre no lado ocidental do país, onde os jihadistas do EI praticamente não têm posições. Países alinhados contra o Presidente sírio, sobretudo no Ocidente, protestaram.
A troca de acusações atenuou-se à medida que os dois antigos blocos começaram a chegar a alguns consensos sobre o futuro político da Síria. No primeiro momento, Moscovo contestou o Ocidente ao dizer que há muito que os rebeldes moderados já não tinham posições relevantes no terreno e que, por isso, não podiam ser bombardeados – algo difícil de disputar, visto que grande parte dos grupos apoiados pelo estrangeiro se radicalizaram ou aliaram-se a facções extremistas, como o Estado Islâmico ou o poderoso satélite de Al-Qaeda, a Frente al-Nusra. O Ministério da Defesa russo publicou então dezenas de vídeos em que dizia mostrar os alvos jihadistas atingidos. Qualquer acusação que pusesse em causa as suas operações militares na Síria passou a ser encarada como parte da “guerra de informação” com o Ocidente.    
Mas activistas e opositores de Assad faziam acusações mais graves. Logo nos dois primeiros dias de bombardeamentos, serviços de emergência que operam no território fora da mão de Assad e redes que monitorizam o conflito começaram a publicar vídeos que diziam terem sido gravados em locais sem presença do Estado Islâmico, como Homs e Idlib, em que mostravam civis mortos e casas destruídas por bombas russas. A linha oficial do Kremlin era diferente: “Os caças russos não usaram armas contra ou perto de edifícios civis”, disse o major general Igor Konashenkov no primeiro dia de ataques aéreos na Síria.
A Amnistia Internacional desmente-o. A organização investigou cinco casos à distância: consultou vídeos, 16 testemunhas, mais de uma dezena de activistas antigovernamentais sírios, médicos e especialistas em armamento. Como prova, diz ter o nome de 17 civis mortos na praça central de Talbiseh, por exemplo, perto de onde o Kremlin disse ter destruído 20 alvos do Estado Islâmico, no primeiro dia de bombardeamentos. Verificou também a identidade dos seis feridos e dois mortos no ataque russo à mesquita de al-Khattab, em Idlib. O Kremlin afirmou que se tratava de um centro de comando do Estado Islâmico e deu provas de que os activistas estavam a mentir, ao publicar uma imagem satélite da mesquita intacta. Mas errou no edifício, segundo escreve a Amnistia, que inclui uma fotografia dos danos à verdadeira mesquita no relatório publicado esta quarta-feira.
A organização vai de caso-em-caso até chegar à morte de 119 civis. Alguns dos valores citados pela Amnistia coincidem com os do Centro de Documentação das Violações na Síria, uma organização de activistas antigovernamentais. Já a Rede Síria para os Direitos Humanos acusa os russos de serem responsáveis pela morte de 570 civis na Síria. Na sua última estimativa, em Maio, a mesma organização avançava que a aliança internacional liderada pelos Estados Unidos matara 169 civis  Washington só reconhecem a morte acidental de dois civis em toda a campanha de mais de um ano. 

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