Está a ficar difícil para o humor brasileiro ter mais piada do que a realidade. Um teste? Tentem diferenciar o verdadeiro do inacreditável nos seguintes acontecimentos:
1. Ministra da Agricultura atira vinho à cara de senador depois de ter sido chamada de namoradeira.
2. Polícia descobre macumba em casa do ex-presidente Collor.
3. Eduardo Cunha tem Porsche em nome de Jesus.com.
4. Dilma quer armazenar vento.
5. “Aceito tudo, mas me tocar, não”, diz deputado durante briga parlamentar.
Resposta certa: é tudo verdade.
“O Brasil é absurdo desde o descobrimento, né?”, observa Leonardo Lanna, um dos quatro autores do Sensacionalista, siteque vive de inventar bobagens a partir do que é notícia. “A forma como contaram a história para a gente é absurda. Dizem que foi um erro de rota, que Cabral errou o caminho e veio parar aqui.”
Se o Brasil tem motivos para rir há 515 anos, o momento actual é especialmente absurdo. O político mais poderoso encontra-se sob investigação por suspeitas de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro, foi alvo de buscas policiais, mas permanece intocável num dos cargos mais consequentes para os destinos do país, ao ponto de ter accionado um processo de destituição (impeachment) contra a Presidente Dilma Rousseff. Há meses que o Brasil é refém das motivações pessoais e abuso de poder de Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, assistindo ao relato dos seus subterfúgios legislativos para ganhar aliados, para pressionar e punir adversários, para liquidar qualquer inquérito parlamentar sobre a sua conduta. Não há subtileza no calculismo sujo e brutal de Cunha, mas ainda assim ele assume com tranquilidade o protagonismo do noticiário – sorrindo, sorrindo sempre.
Só em Dezembro, o Brasil viu parlamentares dar cabeçadas em colegas, uma carta do vice-presidente Michel Temer para Dilma queixando-se de ser tratado como uma figura meramente decorativa dentro do governo, um gigantesco pato de borracha amarelo desfilar nas manifestações a favor do impeachment em São Paulo, a ministra da Agricultura atirar vinho à cara do senador e ex-candidato presidencial José Serra numa festa. “As situações são das mais absurdas que não dá para competir com essa realidade. É uma piada por dia. Uma piada pronta, já”, diz Leonardo Lanna, 36, no seu apartamento em Botafogo. É uma péssima altura para ser cidadão, mas a melhor altura para ser humorista.
Espécie de irmão brasileiro do Inimigo Público, o Sensacionalistadefine-se como “um jornal isento de verdade”. “Apesar de não sermos um jornal – somos um site de humor –, a gente funciona com a lógica de um jornal que é baseado em factos. A gente de manhã dá uma olhada no que está acontecendo, no que as pessoas estão falando, e produz piada em cima disso. A gente depende da notícia para gerar notícia. As pessoas cobram, né? Elas meio que esperam que o Sensacionalista se pronuncie sobre qualquer coisa que aconteça.”
Notícia de 25 de Dezembro: “Menino que pediu bicicleta e ganhou bola pede o impeachment do Papai Noel”.
“Acho que é uma característica brasileira, levar tudo na piada. Já de muitos anos”, diz Leonardo Lanna.
Uma estratégia de sobrevivência?
“Acho que sim. Rir para não chorar.”
Uma ópera bufa
Há duas semanas, um terço da primeira página do Estado de São Paulo era ocupado pela fotografia de meia centena de homens de punhos no ar e grito na boca, segurando a bandeira do Brasil, tirando selfies, num ambiente de pura vitória. Dir-se-ia a bancada de uma torcida futebolística, mas os celebrantes estão de fato e gravata; alguns seguram bonecos de cartão do ex-Presidente Lula da Silva, vestido de presidiário. São deputados da oposição mais belicosa ao Governo e ao Partido dos Trabalhadores (PT) e festejam uma derrota de Dilma na contagem decrescente para oimpeachment. Pouco importa que isso tenha custado uns quantos atropelos à democracia representativa, pouco importa que o resto do país estivesse a ver, entre o incrédulo e o nauseado, o seu parlamento virar um circo. Teve quebra de urnas e briga feia entre deputados, o áudio do canal de televisão que transmite os plenários em directo foi mandado cortar, a eleição da comissão especial de deputados que irá avaliar o impeachment de Dilma foi feita à revelia dos regulamentos. (O Supremo Tribunal Federal, última instância da razoabilidade constitucional, anulou, mais tarde, a eleição, que terá de ser repetida de acordo com as regras).
Há duas semanas, um terço da primeira página do Estado de São Paulo era ocupado pela fotografia de meia centena de homens de punhos no ar e grito na boca, segurando a bandeira do Brasil, tirando selfies, num ambiente de pura vitória. Dir-se-ia a bancada de uma torcida futebolística, mas os celebrantes estão de fato e gravata; alguns seguram bonecos de cartão do ex-Presidente Lula da Silva, vestido de presidiário. São deputados da oposição mais belicosa ao Governo e ao Partido dos Trabalhadores (PT) e festejam uma derrota de Dilma na contagem decrescente para oimpeachment. Pouco importa que isso tenha custado uns quantos atropelos à democracia representativa, pouco importa que o resto do país estivesse a ver, entre o incrédulo e o nauseado, o seu parlamento virar um circo. Teve quebra de urnas e briga feia entre deputados, o áudio do canal de televisão que transmite os plenários em directo foi mandado cortar, a eleição da comissão especial de deputados que irá avaliar o impeachment de Dilma foi feita à revelia dos regulamentos. (O Supremo Tribunal Federal, última instância da razoabilidade constitucional, anulou, mais tarde, a eleição, que terá de ser repetida de acordo com as regras).
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