domingo, 22 de novembro de 2015

Os jovens da classe média emergente que votam pela mudança Filhos de famílias que obtiveram progresso com os Kirchner escolhem Macri

Eleições na Argentina
Em uma das nove universidades públicas criadas pelo kirchnerismo, e frequentadas por muitos alunos que são a primeira geração de universitários de suas famílias, um professor propôs aos estudantes um exercício depois do primeiro turno eleitoral no qual o candidato da situação, Daniel Scioli, ultrapassou por pouco –com 37% a 34%– o opositor Mauricio Macri. O professor os convidou a repetir em segredo seu voto daquela eleição e foi surpreendido com Macri quase empatado com Scioli, e com sua candidata a governadora da província de Buenos Aires, María Eugenia Vidal, arrasando o kirchnerista Aníbal Fernández. Esses jovens fazem parte de uma classe média emergente em tempos do kirchnerismo que agora está exigindo mais, como aconteceu no Brasil. Aspiram a que se concretize a mudança no segundo turno deste domingo e dão como certo que as melhorias sociais dos últimos anos estão garantidas.
Alexandre Roig, sociólogo, pesquisador de carreira e professor de uma das universidades que mais cresceu em 12 anos de kirchnerismo, a de San Martín, opina que “grande parte do eleitorado com menos de 30 anos” não viveu a experiência neoliberal da Argentina de 1989 a 2001, com alto desemprego e crise, e isso permite sua “abertura para um governo de direita como o de Macri”, que não assume essa identificação e se qualifica como “desenvolvimentista”, nem conservador nem liberal.
Outro pesquisador de carreira, o antropólogo Hernán Palermo, que leciona na nova Universidad Arturo Jauretche, reconhece que “há uma faixa de estudantes de até 26 anos, filhos de comerciantes e ‘laburantes’ (trabalhadores), a quem o kirchnerismo mudou a vida, mas que acham naturais as políticas de Estado criadas pelos Kirchner e imaginam que não podem descer abaixo disso”. São jovens que só conheceram por livros o que foi o Governo de Carlos Menem (1989-1999) e que eram crianças na crise de 2001.
Os jovens não viveram o neoliberalismo dos anos 90 nem a crise de 2001; alguns querem mudar
“Também há problemas de falta de asfalto e de esgoto que impactam na hora de votar”, explica Palermo, um dos 6.000 cientistas argentinos que assinaram documentos de apoio a Scioli. “Macri fez bem em instalar a agenda da mudança, parece que melhorará o que temos, mas eu fico aterrorizado”, opina Palermo, que durante o kircherismo conseguiu se tornar pesquisador.
Nos corredores de outra das novas universidades, a de Avellaneda, jovens kirchneristas, que ali são maioria, distribuem propaganda a outros que votaram no primeiro turno na esquerda ou no progressismo. Tentam convencê-los. Mas não vão persuadir Susana, uma estudante de 26 anos que prefere não se identificar com seu nome e sobrenome reais porque é muito crítica em relação a sua universidade. Ela votou em Macri no primeiro turno e repetirá o voto no segundo. “Estudo aqui desde 2011 e estou cheia dessa lavagem cerebral. Há professores e funcionários escolhidos a dedo”, opina Susana. “Os kirchneristas querem instalar o medo de que a universidade vai fechar se Macri ganhar, mas ele não vai colocar as pessoas umas contra as outras, talvez mude um ou outro”, afirma ela, cuja mãe, docente, ficou desempregada na crise de 2011. Mas ela não tem nada a agradecer aos Kirchner: “Cristina é autoritária, soberba e só fala para seu pessoal. Em vez de dar ajuda social, deveria dar trabalho. O peronismo é olhar para trás. Macri, porém, tem uma visão mais moderna, que se vê no Metrobús e nas obras que faz. O fato de ter sido empresário lhe dá outra cabeça. Não entendo por que têm medo.”
Em uma aula da disciplina de jornalismo internacional da Universidad de Avellaneda, os alunos debatem sobre o fenômeno de seus conhecidos que votam em Macri. “Há jovens que não viveram os anos 90, mas seus pais sim, e no entanto todos votam pela mudança. Esquecem do que foi conquistado, e agora contam quantas vezes Cristina fala em rede nacional. Dizem que compraram um carro, mas não pensam em que contexto político isso se deu”, opina Luciano Vildozola. “Nos afastamos da sociedade. Antes as pessoas reclamavam do preço da carne e agora passamos a discutir política”, afirma Facundo Moro. “À minha volta muitos votaram em Macri por causa do comportamento de Cristina, porque é muito veemente. Eles acreditam que os eleitores kirchneristas só votam em função da ajuda social, mas estão tão enganados quanto os que acreditam que os de Macri são todos oligarcas”, analisa Marco Faccone. Nestas aulas, o partido PRO carece de um grupo que concorra às eleições ao centro acadêmico. Mas têm eleitores anônimos que fazem parte da mudança inesperada da sociedade argentina.

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