domingo, 22 de novembro de 2015

Calote do GDF faz com que pacientes temam pelo fim do programa de Home Care Secretaria de Saúde não paga pelo serviço de atendimento médico caseiro público há seis meses. Dívida com empresa responsável chega a R$ 6,2 milhões Paulo LannesPAULO LANNES 22/11 5:46 , ATUALIZADO EM 22/11 6:34

Michael Melo/Metrópoles
“Se eu tiver que voltar para o hospital, eu vou morrer”, afirma, em voz fraca, o aposentado Arlindo Carvalho (foto acima), de 54 anos. Em um quarto próximo à entrada da casa, ele vive um dia após o outro rodeado pelos aparatos médicos que fazem parte da sua vida desde 2010, ano em que a distrofia muscular tipo Becker atacou seus pulmões, impossibilitando a respiração sem ajuda de aparelhos.
Arlindo está em casa desde 2013 por conta do serviço de atendimento hospitalar continuado caseiro, programa oferecido pela Secretaria de Saúde do DF que leva o nome de Home Care. A iniciativa permite que pacientes com doenças de alta complexidade fiquem em ambiente familiar enquanto utilizam equipamentos médicos.
O que me mantém de pé é estar perto da minha família"
Arlindo Carvalho
Elaine, a esposa, sorri ao falar sobre a chance de passar mais tempo com o marido em casa. “Deixei de trabalhar para ficar ao lado dele 24 horas por dia. Cada hora juntos é um momento de alegria”, diz. Uma série de fotos e frases de amor coladas pelo quarto de Arlindo comprovam a cumplicidade dos dois, casados há quase 30 anos.
Receios
Porém, um fato vem tirando a calma não só do casal, como de todos os 39 pacientes que utilizam o Home Care. Diante da crise financeira que vem minando a saúde pública na capital, o GDF deixou de pagar a Viventi Home Care, empresa responsável pelo serviço, desde maio deste ano. De acordo com a entidade, as dívidas do governo chegam a R$ 6,2 milhões. “Estamos usando nossos próprios recursos para atender os pacientes, mas a situação já se tornou insustentável”, afirma Gino Viventi, diretor da companhia.
Os reflexos da falta de pagamento não só assustam os pacientes como também dificultam a vida dos especialistas contratados pela Viventi. “Há meses meu salário vem caindo na conta com muitos dias de atraso”, diz a otorrinolaringologista Cristina Cury. Ela diz que teme o fim do projeto mesmo diante dos elogios por parte dos pacientes. “Além de ficarem próximos dos familiares, correm menos riscos de serem contaminados por doenças infecciosas, muito comuns em hospitais”, explica.
A médica também afirma que o serviço é mais barato do que o atendimento dentro da Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) e que, diante da falta de leitos nos centros médicos da cidade, o Home Care é uma “bênção”.
Michael Melo/Metrópoles
Márcia Ferreira e seu filho Ítalo, de 14 anos: “Ele parou de ficar doente e hoje se mostra mais consciente do que está acontecendo ao redor”

A dona de casa Márcia Ferreira percebeu que havia algo errado no serviço há poucos dias. “Recebi equipamento médico para uma semana, enquanto normalmente entregavam o suficiente para 15 dias”, diz. Os materiais são usados para atender às necessidades de Ítalo, seu filho de 14 anos. Ele nasceu com a síndrome Werdnig-Hoffman, doença neuromuscular responsável por enfraquecer e atrofiar todo o corpo do jovem.
Entre muitas indas e vindas a hospitais públicos do DF, Ítalo ficou internado por nove anos no Hospital Regional de Taguatinga, período considerado o mais difícil para Márcia. “Eu me sentia dentro de uma prisão. Passava muitas horas naquele ambiente pesado e, quando voltava para casa, não tinha certeza se meu filho ainda estaria vivo no dia seguinte”, conta Márcia, com lágrimas nos olhos.
Há quase três anos em casa, a situação melhorou. “Ele parou de ficar doente e hoje se mostra mais consciente do que está acontecendo ao redor”, diz. Questionada sobre a possibilidade de retornar ao hospital, a mãe é categórica, e se desespera: “Voltar para aquela rotina seria como matar meu filho. Ele não vai aguentar”.
Problemas
Em documento, a Viventi explica que os materiais hospitalares utilizados no Home Care são alugados de outra companhia, chamada WMed. Como o GDF não fez nenhum repasse de recursos nos últimos seis meses e a Viventi não conta com mais dinheiro para pagar o aluguel, a parceria entre ambas terminou na sexta-feira (20/11). “A menos que a gente receba o dinheiro até a próxima segunda (23), não teremos outra opção senão interromper os serviços o quanto antes”, afirma o diretor da empresa, Gino Viventi.
A Secretaria de Saúde do DF confirma que há uma dívida relativa a 2015 com a Viventi. Porém, em nota, diz que o valor é de apenas R$ 3 milhões e que o débito se deu “pelo fato de a prestadora do serviço ter entregue uma certidão fora do prazo”. O órgão afirma também que fará o repasse na próxima semana, pois considera o Home Care “essencial, e dará toda a celeridade necessária ao processo”.

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