Na busca desesperada pela sobrevivência nas cidades brasileiras, os sírios que chegam ao Brasil podem ser alvos fáceis para redes de exploração de trabalho escravo. A advertência é do diretor-executivo da organização ActionAid Internacional, Adriano Campolina, nas Nações Unidas.
O brasileiro de 46 anos lidera a ONG com sede na África do Sul e está nesta semana em Nova York para acompanhar a Cúpula do Desenvolvimento Sustentável e a 70ª Assembleia Geral da ONU. Em entrevista à BBC Brasil, Campolina afirmou que ainda falta uma política mais estruturada de acolhimento a refugiados e imigrantes no Brasil.
"Um refugiado ou um imigrante é mais vulnerável à superexploração", afirma. "É preciso construir e reforçar uma política em relação aos refugiados e imigrantes que seja mais integrada e baseada em direitos humanos e num acolhimento solidário".
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Campolina acredita que o Brasil é um dos principais destinos para solicitação de refúgio de sírios por ser percebido como um "país de muitas oportunidades", além de não ter envolvimento em guerras ou conflitos armados étnico-religiosos.
Mas lembra que a mesma reação de pânico vista na Europa ante a massa de sírios que chegam diariamente também ocorreu no Brasil quando haitianos começaram a cruzar as fronteiras.
Confira os principais trechos da entrevista:
BBC Brasil - Como você avalia a reação de países europeus e das grandes economias em relação a esta que é considerada pela ONU a maior crise de refugiados desde a 2ª Guerra Mundial?
Adriano Campolina - Inicialmente foi um misto de reação brutal e pânico coletivo. Foi uma situação de falta de clareza estratégica do que fazer, demora na tomada de decisão e violência na forma como receber os refugiados. A Europa mostrou que não estava preparada, embora houvesse indicadores de que isso (a crise) poderia acontecer. Teve um jogo de empurra, um país empurrando para o outro.
Para uma Europa integrada através da União Europeia, demonstrou-se uma falta de integração entre políticas públicas dos países para poder receber e entender os direitos dos imigrantes. A forma como estão sendo tratados é brutal.
A Alemanha começou a mudar, mas (o cenário) está ainda muito incerto, é imprevisível. Não há como negar que é um volume de pessoas muito grande, mas acho que há uma incapacidade por parte dos Estados de receber os refugiados de maneira organizada e integrada. E, na realidade, não é a maioria dos refugiados que vai para a Europa.
Apenas 10% dos sírios estão indo para os países europeus, a grande maioria continua no Líbano e na Jordânia que concentram, no mínimo, quatro ou cinco vezes mais sírios. E isso é invisível para o mundo, são algumas ironias da geopolítica. Então, 10% vai para a Europa e não é um número tão grande assim, sendo que 90% dos refugiados estão sendo acolhidos por países não tão ricos e sem esse pânico.
BBC Brasil - Por que o Brasil está se tornando um destino importante para os sírios na América Latina?
Campolina - O Brasil é percebido pelo mundo inteiro como um país de muitas oportunidades. É visto como estável com um Estado democrático consolidado, não tem terremotos ou furacões e não está envolvido em guerras ou conflitos armados religiosos nem étnicos.
A convivência entre religiões é muito boa, embora haja um racismo endêmico e profundo na sociedade brasileira. Mas a percepção fora é de um país que oferece condições, oportunidades e estabilidade. Tudo o que um refugiado quer é estabilidade.
O Brasil é o que mais está recebendo sírios na América Latina. De 2011 e 2015, foi pouco mais de 2 mil. E ainda há uma comunidade considerável de origem sírio-libanesa e palestina. Em geral, os refugiados tendem a ir aonde existe alguma conexão com a comunidade. É natural que passemos a ver uma concentração de famílias em São Paulo ou em Foz do Iguaçu.
BBC Brasil - Qual é a realidade dos sírios no Brasil?
Campolina - Existe uma necessidade de compreender (a chegada dos imigrantes), recebê-los e tratá-los bem. Um refugiado ou um imigrante é mais vulnerável à superexploração, pois não sabe seus direitos, tem problemas de língua e pode sofrer preconceitos até raciais.
E, no desespero de busca pela sobrevivência, essas pessoas podem acabar entrando em redes que exploram. Há o risco de os sírios se tornarem uma mão de obra para trabalhos forçados.
Só ter CPF não leva ao acesso dos serviços públicos, precisa haver uma acolhida em situações de trauma, como uma criança síria que chega de uma família traumatizada. O desafio é incluir as políticas básicas fundamentais, como moradia - que é crucial -, emprego e inserção se a pessoa não fala a língua.
Na minha opinião, o desafio é como aprofundar a capacidade e a possibilidade de as pessoas que estão chegando terem acesso aos direitos coletivos no Brasil.
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BBC Brasil - O governo brasileiro anunciou, no início de setembro, a prorrogação da regra que facilita refúgio para sírios no Brasil. O que representa essa política?
Campolina - O governo adotou uma medida importante de facilitar o visto e prorrogar o prazo. É muito positivo, pois simplificará o processo de concessão. Ao mesmo tempo, a sociedade brasileira vai ter que ter uma conversa mais séria sobre qual é o papel do Brasil em relação aos refugiados.
Quando começaram a chegar imigrantes haitianos, houve também no Brasil uma reação de pânico e repulsa. Eles eram muito poucos para um país de mais de 200 milhões de pessoas e sétima maior economia do mundo.
É preciso haver um debate interno de como a sociedade brasileira reconstruirá a sua identidade entendendo que o Brasil tem um papel internacional a jogar, como potência emergente e responsabilidade internacional.
A medida do visto foi positiva, mas para além, a questão é como construir e reforçar uma política em relação aos refugiados e imigrantes que seja mais integrada baseada em direitos humanos e num acolhimento solidário. A prorrogação da regra é uma medida correta e sinaliza que o Brasil compreende que tem um papel internacional cada vez maior e, que esse papel, vem com responsabilidades.
BBC Brasil - O país está preparado para receber os refugiados sírios?
Campolina - O Estado e a sociedade brasileira estão começando a se preparar. Tampouco diria que estão completamente despreparados. Ainda falta uma política mais estruturada, mas já começou a dar passos certos.
O Brasil é um país que tem uma cultura acolhedora, mas existem grupos radicais quase fascistas que podem polarizar esse assunto. Está no rumo certo mas tem que andar mais rápido em termos de alocação de recursos e de prioridade política.
Deveríamos como país receber esses imigrantes de braços abertos e com todos os direitos que o Estado brasileiro provê. O país não enfrenta uma enxurrada (de pedidos de refúgio), é uma proporção pequena e fará bem ao Brasil do ponto de vista geopolítico, para um país que ambiciona um papel internacional cada vez maior.
Poder vem com responsabilidade. Se o Brasil quer um poder maior nas relações internacionais tem que ter mais responsabilidade em questões como a migração de refugiados. Se conseguir construir e reforçar uma capacidade de resposta que demonstre compromisso com direitos humanos e um compromisso moral, vai fortalecer a sua liderança.
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