Após receber eConjunto de poltronas compradas em uma loja de móveis e ter assinado o termo de recebimento em que informava que não havia defeitos, uma consumidora de Brasília notou que uma delas estava rasgada. A empresa chegou a dar a opção de consertar o produto, mas a cliente só aceitava uma nova poltrona. Inconformada, resolveu publicar sua queixa no Facebook e no Reclame Aqui, mas acabou, na avaliação da empresa, se excedendo no desabafo. Nas declarações publicadas nos sites, a consumidora xingou os atendentes e usou expressões de baixo calão para descrever o serviço e o estabelecimento. Diante das ofensas, o feitiço virou contra o feiticeiro e a loja resolveu entrar com um ação contra a cliente que acabou tendo que pagar 2.000 reais por danos morais.
Casos como esse, em que são os consumidores que acabam indenizando as companhias das quais se queixaram, tem se tornado cada vez mais comuns, segundo especialistas do setor. Fazer uma reclamação de um produto ou serviço é um direito constitucional, porém é preciso lembrar que a Internet não é uma terra sem lei, explica Christian Printes, advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). "Os atos que são praticados ali não são livres de consequências, há uma responsabilidade civil. Caso as companhias se sintam ofendidas, elas podem sim acionar a Justiça. Por isso, o cliente precisa tomar cuidado para não perder a cabeça ao desabafar na rede. A reclamação deve ser feita sim, mas de forma educada", afirma.
Em outro episódio em Brasília, a reclamação de um aluno sobre a qualidade de um curso de design gráfico resultou em uma indenização de 9.000 reais para a empresa. O consumidor, em um texto publicado no Reclame Aqui, chegou a chamar os funcionários do estabelecimento de ensino de "dobermann com pedigree de pit bull". A juíza do caso afirmou que a reclamação no site tinha excedido, "e muito, o limite do razoável".
O advogado ressalta que o consumidor deve ter consciência de que os problemas de relação de consumo não são apenas individuais e, por isso, também é essencial registrar suas reclamações em órgãos oficiais, como os Procons ou agências reguladoras. "Dessa forma se pode aplicar uma multa ou pedir recall caso seja necessário", diz.A atual preferência pela Internet na hora de reclamar tem uma explicação. Se antes um consumidor era refém do SAC (Serviço de Atendimento ao Consumidor) e podia passar horas no telefone tentando resolver um problema, agora os responsáveis pelos perfis das empresas nas redes sociais estão em prontidão para responder às queixas. As próprias companhias têm publicamente assumido que a resolução dos problemas nas plataformas digitais é mais rápida que nos demais meios. Por exemplo, o prazo para a solução de problemas pelas redes é de até 12 horas e via SAC é de até cinco dias, segundo o Idec. Para Printes, o tempo de resposta deveria ser único para todos os meios. "As empresas dão prioridade para esse canal de comunicação, porque a marca está sendo exposta de forma negativa. Não estão muito preocupados com o consumidor, e sim em resguardar a marca", afirma.
Linha tênue
No entanto, é preciso atenção na hora de identificar a linha tênue que separa uma queixa legítima de uma reclamação que pode ser interpretada como calúnia ou que ofenda a imagem de uma empresa. Afinal, o consumidor tem o direito, garantido pelo Constituição, de expressar publicamente sua frustração e essa manifestação não deve ser censurada.
"No ano passado, um hotel do Rio de Janeiro mandou uma carta para uma hóspede após ela ter postado um comentário negativo no site de viagens Trip Advisor. O autor da carta alegava que os comentários eram infundados e prejudicavam a imagem da empresa. A carta solicitava que os comentários fossem deletados ou o hotel entraria com processo contra ela. Neste caso, no entanto, não parecia haver abusos", afirma Marco Antonio Araújo Júnior, da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB-SP. O especialista acredita que essa pressão sobre os consumidores e ações contra empresas se tornarão mais recorrentes, pois as empresas estão mais atentas à imagem delas nas redes.
A cliente do hotel explicou, em entrevista ao site UOL, que ela esperava que com o post, o estabelecimento justificasse as falhas. No texto ela dizia, por exemplo, que os quartos eram limpos, mas que os funcionários eram mal-humorados. Também afirmava que a nutricionista era "bem ruim, pois simplesmente pergunta qual dieta você quer seguir e não avalia nada". "Queria que o hotel melhorasse para eu voltar depois. O que eles conseguiram com essa carta foi perder a cliente e vários outros potencias clientes também", afirmou. Ela também ressaltou que não retiraria o comentário, mesmo com a ameaça da ação na Justiça. O TripAdvisor também não deleta comentários postados pelos internautas - já que essa é a base do funcionamento do site - apenas se for comprovada fraude no conteúdo.
Fakes, concorrência desleal
O advogado e perito em informática José Antonio Milagre, da LegalTECH, lembra que além do aumento dos casos de abuso do direito de reclamar, as empresas estão percebendo um crescimento de perfis falsos que são criados para potencializar as reclamações e criar comentários mentirosos. "Muito desses perfis fakes são de concorrentes para prejudicar a imagem da empresa", explica.
Milagre cita o caso recente de um usuário fake com uma foto de cachorro que postou nas redes sociais uma denúncia contra um Pet Shop de São Paulo. Na mensagem, o usuário afirmava que seu animal de estimação foi entregue morto em um saco de lixo após passar dois dias hospedado no local, que oferecia um serviço de hotel para cães. A publicação ganhou tal proporção, que a empresa viu sua clientela desaparecer em pouco tempo. "Das quatro filiais, três fecharam e o faturamento caiu 75%". O dono do Pet Shop entrou na Justiça e após investigação, concluíram que o perfil falso pertencia a um concorrente. Tanto ele como os administradores de um grupo no Facebook que negou retirar a postagem estão sendo processados.
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