Miguel Jorge, ex-ministro do Governo Lula entre 2007 e 2010, entrou para o centro das atenções políticas brasileiras nesta terça, com o vazamento de e-mails trocados por ele com um funcionário da Odebrecht em 2009 sobre uma obra de interesse da empreiteira na Namíbia. Numa das mensagens, Jorge relatava que o ex-presidente “fez o lobby” pela construtora em fevereiro daquele ano, durante um encontro com o presidente namíbio, Hifikepunye Pohamba. A expressão ‘lobby’ ganha alta voltagem num momento em que aOperação Lava Jato tenta provar o papel da Odebrecht como agente do esquema de propinas em negócios do setor público. Lula é ainda alvo de investigação da Procuradoria do Distrito Federal por suposto tráfico de influência no exterior em prol da Odebrecht principalmente na África e na América Latina entre os anos 2011 e 2014.
O ex-ministro responde então: “Estive e o PR [diminutivo de Presidente da República, no caso, Lula] fez o lobby. Aliás, o PR da Namíbia é quem começou – disse que será licitação, mas torce muito para que os brasileiros ganhem, o que é meio caminho andado”. O ex-ministro participou do almoço em questão junto com outros ministros, e envio essa resposta a Wilson depois do evento.Segundo o jornal O Globo e O Estado de S. Paulo, e-mails vistos pela Polícia Federal nos computadores apreendidos em escritórios da Odebrecht pela força tarefa da Lava Jato, revelam a troca de mensagens suspeitas do executivo da empreiteira Marcos Wilson com Jorge, então ministro do Desenvolvimento, que cuida das exportações do país. Wilson tinha interesse num almoço entre Lula e Pohamba, em Brasília, em fevereiro daquele ano, pois a Odebrecht estaria tentando participar das obras de uma hidrelétrica binacional, que atenderia a Namíbia e Angola, e escreve a Jorge: “Se você estiver com o presidente Lula e o da Namíbia, é importante que esteja informado sobre esta negociação [da hidrelétrica], e se houver oportunidade, manifestar sua confiança [de Lula] nesta multinacional brasileira chamada Odebrecht”.
Jornalista de formação, que passou para diversas empresas como executivo antes de virar ministro, Jorge avalia que a dimensão dada aos e-mails é um exagero, pelo simples fato de o Brasil conviver mal com a ideia do lobby. Algo que o mundo inteiro reconhece como legítimo, segundo ele. “Em 1993, o Itamar [Franco, que governou o Brasil entre 1993 e 1994, depois da queda de Fernando Collor] me contou que o Bill Clinton ligou três para ele insistindo que o Brasil deveria contratar a empresa americana Raytheon para o projeto Sivam, que estava sendo licitado”, lembra Jorge, citando o projeto de monitoramento da Amazônia, que na época representava um investimento de cerca de 1,4 bilhão de dólares. Clinton era então presidente dos EUA, e sua pressão parece ter surtido efeito.
De fato, o Brasil contratou a Raytheon. Clinton, lembra Jorge, chegou a dizer a Itamar que ele estaria preservando 30.000 empregos de americanos se a Raytheon fosse escolhida. “Defender as empresas locais é uma prerrogativa de chefes de Estado. É uma questão de interesse nacional”, completa Jorge que diferencia o teor do seu email do foco de investigação da Polícia Federal. “A Lava Jato foi corrupção explícita, não foi por problema de lobby, que é algo correto no mundo inteiro”, afirma.
Outro caso que ele traz na memória é o do ex-presidente da França, Nicolas Sarkozy, que defendia em seus encontros com representantes do Governo de Lula os caças Rafale da francesa Dassault como alternativa para o Brasil na concorrência aberta pelas Forças Armadas para renovar a sua frota. Estavam na disputa, além da Dassault, a Boeing dos Estados Unidos, e a Gripen, da Suécia. O ex-primeiro ministro François Fillon também fez esse lobby durante o Governo Dilma, em 2011. O exemplo, neste caso, ilustra que nem sempre o lobby é eficiente. O Brasil acabou se decidindo pelos caças suecos, conforme anunciado em dezembro de 2013.
A reportagem de O Globo destaca ainda que o então diretor da empreiteira, Alexandrino Alencar [que foi preso na operação Lava Jato] era a ponte com o Planalto para fazer chegar os recados de Marcelo Odebrecht, presidente do grupo, também preso em Curitiba há três meses.
Em nota divulgada pelo Instituto Lula, a assessoria do ex-presidente afirma que há uma “repetitiva, sistemática e reprovável tentativa de alguns órgãos de imprensa e grupos políticos de tentar criminalizar a atuação lícita, ética e patriótica” de Lula na defesa dos interesses nacionais, “atuação que resultou em um governo de grandes avanços sociais e econômicos, com índices recorde de aprovação”.
A Odebrecht também divulgou nota afirmando que os trechos de mensagens que foram divulgadas na imprensa apenas registram a atuação institucional e legítima da empresa e “sua participação nos debates de projetos estratégicos para o país - nos quais atua, em especial como investidora". A empresa disse que as mensagens não teriam "qualquer relação com o processo em curso.”
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