Jorge Miranda já o disse ao Expresso. Tiago Duarte também. Marcelo Rebelo de Sousa disse-o na TVI. Jorge Reis Novais e Paulo Mota Pinto dizem-no agora na VISÃO: em caso de empate técnico entre a coligação e o PS, ganha quem conseguir reunir mais mandatos. A solução "é encontrada tendo em conta os resultados eleitorais e depois de ouvidos os partidos representados na Assembleia da República (AR)", defende o constitucionalista Paulo Mota Pinto.
Reparou no pormenor: Ouvidos "os partidos".
De acordo com o artigo 22.º da Lei Eleitoral para a AR, a coligação dissolve-se a seguir às eleições: "As coligações deixam de existir logo que for tornado público o resultado definitivo das eleições." Quem será, então, o "partido" vais votado? Ou com mais eleitos? O diabo está mesmo nos detalhes. Mas vamos por partes.
Neste contexto, para haver um "partido" vencedor, o apuramento de resultados teria de dar mais votos/mandatos ao PS ou ao PSD (os únicos com condições de serem os mais votados). A interpretação acaba por ser prejudicial para o PSD, já que, para cantar vitória, o partido teria de competir com o PS sem os votos/mandatos do CDS. "Isso complica tudo", assume Mota Pinto. Na prática, sem maioria absoluta do PSD/CDS, seria uma perda de tempo o Presidente da República (PR) chamar a coligação, defende Reis Novais.
Para este constitucionalista, a decisão depende exclusivamente da análise do PR e o único critério que conta é a sua interpretação. "O critério do Presidente devia ser o de convidar quem lhe dá mais garantias de formar um Governo que passe na AR. O que conta não são os votos, são os mandatos associados a determinado projeto."
O que quer Cavaco
O que o PR quer sabe-se desde o episódio "irrevogável", em que Portas ameaçou deitar abaixo o Executivo, em 2013: entendimentos alargados, e estabilidade. "É da maior importância que Portugal disponha de condições de estabilidade política e de governabilidade na próxima legislatura", disse Cavaco Silva em julho, quando marcou as eleições para 4 de outubro. "É extremamente desejável que o próximo Governo disponha de apoio maioritário e consistente na AR. Trata-se, aliás, de uma realidade comum e natural nas democracias europeias."
E acrescentou: "Das eleições para a AR dependerá também a formação do novo Governo, não sendo admissíveis soluções governativas construídas à margem do Parlamento, dos resultados eleitorais e dos partidos políticos." Faltou ao PR dizer que Portugal não pode ser uma Bélgica, que em 2010 esteve 541 dias sem governo.
Complicações à parte, o que deve interessar ao PR, diz Reis Novais, é encontrar o partido "que lhe apresente uma solução de Governo". Não interessa se é o Livre/Tempo de Avançar ou o PDR, de Marinho e Pinto, a desempatar. Em teoria, se a esquerda se comprometesse a apoiar o PS, o próximo Governo seria liderado por António Costa. "É preciso garantir que uma moção de censura não o vai deitar abaixo ou que o Orçamento passa", completa Mota Pinto, recordando que o programa de Governo, esse, já não é sujeito a votação desde 1982.
Ainda assim, acrescenta o ex-deputado do PSD, "seria inédito termos um primeiro-ministro que não fosse oriundo do partido mais votado". Em votos.
Voz aos especialistas- Jorge Reis Novais, Professor de Direito Constitucional, Ciência Política e Direitos Fundamentais - Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
"A decisão depende exclusivamente da análise do Presidente da República e o único critério que conta é a sua interpretação. O critério do Presidente devia ser o de convidar quem lhe dá mais garantias de formar um Governo que passe na Assembleia da República. O que conta não são os votos, são os mandatos associados a determinado projeto"
- Paulo Mota Pinto, Ex-deputado do PSD e juiz-conselheiro do Tribunal Constitucional. Assistente na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
"A Constituição diz apenas que a solução é encontrada tendo em conta os resultados eleitorais e depois de ouvidos os partidos representados na Assembleia da República. Há votos que não se traduzem em deputados eleitos, portanto, o que faz sentido é ter em conta os mandatos"
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