Ainda assim, "refrescante" e "intimista". É com estas palavras, e sem qualquer prévia conjuntiva, que Rui Henriques Coimbra, correspondente em Los Angeles, classifica esta fornada de filmes que estarão na 87.ª corrida aos Oscars, já no próximo dia 22, numa cerimónia com apresentação do ator Neil Patrick Harris.
Hollywood bem que tentou os espectadores com "histórias gigantes", como o último da "maratona Hobbit", de Peter Jackson ou o épico Interstellar sobre o qual caíram constelações de bons augúrios e expectativas, além de galáxias de admiradores.
"Christopher Nolan quase se achava com direito ao título de vencedor do ano", diz Henriques Coimbra. "O seu Interstellar [com cinco nomeações, apenas nas categorias técnicas], com tanta ambição kubrickiana, apresentou-se ao longo do 2014 como a obra mas vasta, ambiciosa, complicada e visionária do ano". ?E afinal, nada disso. O espaço escolhido pelos membros da Academia não foi o sideral, mas o mais doméstico e pessoal: "Em 2014, o espectador encontrou nos ecrãs muito mais do que som e fúria".  Desta vez, confirma Rui Henriques Coimbra, os votantes da Academia preferiam espairecer em terra familiar, dominada por "narrativas pessoalíssimas": "O cosmos e a metafísica terão de ficar para outra altura". No lugar das galáxias, tivemos Boyhood. Em vez de viagens no tempo, apareceu um hotel arruinado e perdido na antiga Europa Central (O Grande Hotel Budapeste).
A atenção ficou dominada pela angústia íntima solitária: de Stephen Hawking (A Teoria de Tudo) a Alan Turing (O Jogo da Imitação), passando pelo franco atirador de Clint Eastwood (Sniper Americano) ou por uma marcha no sul racista (Selma). Em suma: "O indivíduo passou a ser a história mais importante, mesmo quando os efeitos especiais e um mundo convulsivo se aprontavam a roubar-lhe a relevância". E conclui: "De repente, Hollywood parece ter-se dado conta de que a parte mais fascinante da personagem não é a sua motivação ou energia mas a consciência que se descortina na vontade pessoal". E assim, tanto temos, lembra o crítico, Reese Witherspoon (nomeada  na categoria de melhor atriz por Wild) percorrendo o país com uma mochila às costas, ou Miles Teller, sentado diante de uma bateria estática (em Whiplash - Nos Limites).
Como 'um móvel da IKEA'
O realizador e um dos promotores dos prémio Sophia Vicente Alves do Ó, fala em "colheita equilibrada". "Este ano temos de tudo, desde o filme patriótico ao disparate delirante.
A escolha é vasta e possibilita que muitos públicos fiquem a torcer pelos seus favoritos". Para ele, sempre lhe provocou estranheza separar o melhor filme do melhor realizador: "É uma espécie de divisão para promoção. Os grandes favoritos desapareceram porque os grandes investimentos não se fazem nos 'velhos' filmes de prestígio, mas nos filmes de verão para um público mais adolescente". Este ano, acrescenta, temos "algumas surpresas, algumas polémicas e alguns esquecidos. Tudo como convém.
Os Oscars gostam de ser falados, bem ou mal". Mas salienta: "Este ano é muito particular no que toca ao formalismo apresentado nos principais filmes (Boyhood, ?O Grande Hotel Budapeste e Birdman). Todos eles têm uma marca muito distintiva na forma como foram pensados e executados e isso sai um pouco do cânone dito mainstream". Já Miguel Somsen  considera esta colheita "fraca", mas não lhe questiona o "equilíbrio": "Mais equilibrado não é possível. Só faltava mesmo o 'filme-cupão de comédia ligeira trabalhista gay retro made in Britain', Pride, que facilmente aqui podia estar. No entanto, como o tema gay está subentendido em O Jogo da Imitação, Pride pôde ser dispensado. De resto, é uma escolha conformista e aborrecida: o filme de guerra (Sniper Americano), o indie hipster (O Grande Hotel Budapeste), o cinema de autor (Birdman), o hipster de autor (Boyhood), o filme de raça (Selma) e o filme com deficiência (A Teoria de Tudo). Dois temas que faltam: o musical, presente em Into The Woods, Caminhos da Floresta. E o holocausto. Mas o tema judeu está presente em Ida, o filme polaco que facilmente levará o Oscar de melhor filme estrangeiro". Miguel não estranha nada a ausência de Interstellar, de Nolan: "Um delírio incompreensível cujo maior defeito é a necessidade obsessiva de o realizador explicar a sua narrativa durante o filme. Parece um móvel da IKEA: vem com manual de instruções mas não se percebe nada".
Demorou algum tempo a perceber o que o irritava nesta selecção: "A infantilidade". "Boyhood é um filme infantil, na medida em que não nos desafia, agride ou eleva. Poderia ser mais simpático e referir apenas 'ingenuidade' ou 'inocência'. Mas esses adjetivos, servindo como uma luva a Boyhood, acabam por ser depreciativos quando se fala de filmes 'científicos' como O Jogo da Imitação e ?A Teoria de Tudo. Estes deveriam provocar, fascinar, desconstruir, mas optam muito conscientemente por não o fazer, por receio óbvio de perderem espectadores ou créditos. ?A infantilidade e o vazio destes dois filmes, emocionantes e relativamente bem representados, é surpreendente e quase insultuosa. O Jogo da Imitação não chega a ser sequer cinema e A Teoria de Tudo é Oscar oferecido a Redmayne e Felicity Jones, mas pouco mais."
Boas piadas, más fatiotas
Para Pedro Borges, produtor e dono do reaberto Cinema Ideal, o assunto Oscars não lhe interessa ("Não tenho opiniões nem originais nem interessantes"). A não ser no que toca às consequências para o negócio em que trabalha. "Que bem dele precisa".  Este ano, está ligado, como exibidor, a três filmes nomeados. O polaco Ida, o mauritano Timbuktu (na categoria de melhor filme estrangeiro) e o documentário O Sal da Terra, de Wim Wenders e Juliano Ribero Salgado.
"Gostava que ganhassem os três, porque um Oscar significa sempre mais atenção e/ou curiosidade. À parte disso, é uma cerimónia que as pessoas só veem por causa das piadas - que são boas - e das fatiotas - que são más. O cinema conta pouco". O certo é que repôs Ida no seu cinema: "Hoje em dia, mais do que há 10 ou 20 anos, quando chegam os Oscars os filmes estão todos estreados e vistos. Mas em certos casos (o Boyhood, por exemplo) admito que muito mais gente o esteja agora a ver do que em outubro passado: conta neste momento com quarenta e tal mil espectadores,  e nos primeiros dois meses nem aos trinta mil chegou...". De resto, não entende a histeria que assola a nossa comunicação social sobre estes prémios "corporativos", de profissionais de cinema, "na sua maioria reformados, pensionistas e idosos", sem grande capacidade de premiar senão o que é conforme às regras e à academia no sentido literal da expressão: "Ao contrário dos outros prémios, nomeadamente nos festivais de cinema, onde em geral se tenta premiar o que é novo e ousado". E se fizesse uma lista dos melhores do ano, "não sei se algum dos mais 'nomeados' entraria no meu top 20 ou 30".
'Hollywood é uma festa'
"Podem andar a metralhar jornalistas e cartoonistas, queimar vivos aviadores, esquecer o ébola, a Grécia milenar apavorar, que a cerimónia anual das estatuetas empinadas volta a encher um pouco, embora cada vez menos, as salas vazias dos cinemas. Eu ainda fico entusiasmado, vejo de enfiada filmes meio-tolos. E gosto! É uma festa, Hollywood é uma festa e eu gosto de festas, mesmo as meio-tolas", comenta o escritor João Eduardo Ferreira. No entanto a fornada deste ano desiludiu-o. Parecem, diz, "restos para o jantar e o refogado é de pacote".
"As principais categorias rivalizam no tédio estético, no cansaço dos temas moralmente americanos, nas respeitosas representações dramáticas sem músculo nem garra, na perfeição serôdia da fotografia, do guarda-roupa impecável, da iluminação sem mácula, da irritante banda sonora tão pouco original que nem nos lembramos de reouvir. Tudo parece digital e sem riscos ou pintas ou saltos, pronto a ser sacado da internet na noite seguinte, para gáudio da sonolência de uma pizza quatro estações. Exibe-se uma certa estratégia concertada de nada ofender, de nada excitar! E na arte, a uniformidade é muito suspeita". Ressalva, talvez, Boyhood, "essa cumplicidade familiar, com 165 minutos de beleza banal, interior, a aguardar uma tragédia que afinal não ocorre; uma ideia aparentemente irrealizável, um melodrama universal, sem heróis nem desfechos radiantes".
Em suma: "Como a vida!". De uma coisa está certo: "Na noite de 22 de fevereiro, um galardão dourado (gosto muito destas palavras!) será atribuído a Julianne Moore. De novo a atração pela neuropatologia. Uma representação genial num ano em que já levávamos no cabaz a inesquecível actuação no filme de David Cronenberg Mapas Para as Estrelas. Se a maravilhosa Julianne Moore não for premiada eu processo a Academia e vou contratar o Bradley Cooper".
O filme bibelô
Vítor Moura, que comentou a cerimónia dos Oscars na TVI, ao longo de 14 anos, destaca o facto de neste ano se dar um maior reconhecimento à produção independente, produzida à margem dos grandes estúdios de Hollywood (Birdman e O Grande Hotel Budapeste são os mais nomeados, ambos a nove estatuetas).
"É um sinal de que o cinema pode viver, e muito bem, sem a indústria e ao mesmo tempo um alerta para essa mesma indústria: grandes produções com elencos de luxo não são uma aposta com retorno garantido, tanto nas bilheteiras como no jogo da notoriedade determinado pelos prémios do ano e, em especial, pelos Oscars". Por outro lado, refere uma extrema ligação à realidade e a histórias verídicas (A Teoria de Tudo, O Jogo da Imitação, Sniper Americano e Selma). Mas também há a irónica "experiência pessoal vertida para o cinema que vemos em Birdman: Michael Keaton na pele de um antigo super herói lembra o ator enquanto Batman, no final dos anos 80; em Boyhood, o argumento é inspirado na infância do próprio Richard Linklater; e também em Whiplash se trata de outra história baseada na vivência do realizador, neste caso, com a música". Na senda dos prémios que antecederam os Oscars (os Bafta da Academia Britânica, os Globos de Ouro e o prémio do Sindicato dos Atores) "é altamente provável que Eddie Redmayne  ganhe o Oscar de melhor ator, com A Teoria de Tudo e Julianne Moore o Oscar de melhor atriz, com O Meu Nome é Alice". O mesmo para Patricia Arquette (melhor atriz secundária) com Boyhood e J.K.Simmons (melhor ator secundário) com Whiplash. "Para qualquer dos favoritos nas categorias da interpretação, o Oscar terá um valor especial porque será o primeiro das respetivas carreiras", continua Vítor Moura.
O crítico de cinema José Vieira Mendes destaca como grande surpresa do ano a inclusão de Sniper Americano, de Clint Eastwood, na lista dos oito nomeados: "É contra tudo e contra todos (excepto o público que tem enchido salas!). Primeiro porque este thriller de guerra até entrou tarde na corrida aos prémios do ano (teve zero nomeações para os Globos de Ouro, e Clint Eastwood conseguiu convencer a distribuidora a estreá-lo na última semana de 2014) e depois porque a crítica não o tem favorecido, há quem o chame 'reacionário', 'pró-americano primário' e goze com a cena do 'bébé de borracha'". Vítor Moura lembra que essa polémica tem, ironicamente, ajudado bastante no box office: "Este é, de longe, o candidato a melhor filme mais visto nas salas norte-americanas". Rui Henriques Coimbra  lembra que a academia, aprecia, de vez em quando, tirar alguns coelhos da cartola: "Será que os votantes conservadores vão conseguir, dado o recente empolamento político marcado por imagens de massacre em Paris e o piloto queimado vivo numa gaiola pública, mudar o sentido da corrida e fechar a noite dos Oscars dando uma vitória à obra mais recente do mestre Clint Eastwood,  a que já chamaram um caso de 'patriotismo psicopático'?" Aos filmes sobre génios cerebrais (A Teoria de Tudo e O Jogo da Imitação), continua o correspondente, falta-lhes, estranhamente, "o dom da excepcionalidade".  E, por outro lado, O Grande Hotel Budapeste, "magnífico mas talvez demasiado miniaturizado para o instinto de uma indústria focada em grandes horizontes e sensibilidade épica, terá de se ficar com o prémio de bibelô precioso com lugar cativo em qualquer cinemateca de trazer por casa".
Desejos e prognósticos
VICENTE ALVES DO Ó - Realizador, escritor, argumentista, fundador dos prémios Sophia
Qual o filme que sairá ?vencedor?
Boyhood. Parece-me consensual que irá levar o Oscar de melhor filme. Birdman poderá ser contemplado. Julianne Moore está brilhante em ?O Meu Nome É Alice.
Qual o filme que gostava ?que vencesse?
A Teoria de Tudo. Gosto muito deste filme por variadíssimas razões que nada têm que ver com o formalismo ou a reinvenção da linguagem. Aliás, o formalismo tem, nos últimos tempos, tomado a dianteira na apreciação dos filmes e isso parece-me uma machadada inequívoca no futuro do cinema. Seja para os dois lados - tanto no caso duma narrativa ausente e críptica, seja no outro caso de modelos narrativos gastos e abusados. O grande valor deste filme, ou de um filme, é aquilo que está no seu interior e a história de Stephen Hawking é extraordinária - duma humanidade profunda e universal, duma capacidade superlativa de nos convencer de que a maior teoria, que nos explica melhor e ao universo, continua a ser este milagre da vida e do amor. Por isso tudo, que é muito para um filme só, votaria neste filme.
PEDRO BORGES - Produtor (Midas), distribuidor (Cinema Ideal)
Qual o filme que sairá ?vencedor?
Espero que não seja O Grande Hotel Budapeste, que me aborreceu de morte.
Qual o filme que gostava ?que vencesse?
Cavalo Dinheiro, do Pedro ?Costa. Troco um minuto ?do Cavalo Dinheiro pelos ?nomeados todos juntos.
JOSÉ VIEIRA MENDES - Jornalista e crítico de cinema 
Qual o filme que sairá vencedor?
Boyhood. Levará para casa a estatueta de melhor filme e sem surpresas: é a experiência cinematográfica mais incrível dos últimos anos na história do cinema.
Qual o filme que gostava que vencesse?
Birdman. Como filme mais nomeado (nove nomeações) é o meu favorito, por ser não apenas a história de um ator em crise, como também um grande ensaio sobre o paradigma atual e futuro da indústria do entretenimento e dos media.
RUI HENRIQUES COIMBRA - Membro da Hollywood Foreign Press, correspondente ?em Los Angeles desde 1990
Qual o filme que sairá vencedor?
Boyhood. Filme favorito, de Londres à Casa Branca. Tem a vitória ao alcance do nariz. É o ano ideal ?para dar o prémio a um filme ?mais simples mas nem por isso menos poético e introspetivo. ?As pessoas estão um bocado cansadas de temas enormes. ?Há uma necessidade de regressar a casa - um pouco como quando o Driving Miss Daisy saiu vencedor. ?O Boyhood é, também, um filme para todas as audiências.?Isso é uma vantagem. ?A história não incomoda.
Qual o filme que gostava ?que vencesse?
Birdman. Tecnicamente é muito audacioso. O diálogo é uma avalanche, como eu gosto. Faz lembrar os ambientes de bastidores do All About Eve, aqui acrescentados com os exercícios visuais de um realizador mexicano eternamente jovem. É sobre teatro e cinema, presença ou apenas mito, sobre o que é importante, sobre a reinvenção e a necessidade de voltar a um lugar substancial, genuíno. É sobre família, arte, risco. É o maior fogo de artifício do ano. Um filme de atores, sobre quem sabe na pele que as aparências iludem.
VÍTOR MOURA - Editor e apresentador do Cinebox ?(TVI24), comentador ?da cerimónia dos Oscars ?na TVI entre 2000 e 2014
Qual o filme que sairá ?vencedor?
É uma incógnita.
Qual o filme que gostava ?que vencesse?
Gostei especialmente de A Teoria de Tudo, não só pelo exemplo de força e superação que sobressai da história (ainda para mais, sendo verídica) mas também pela sensibilidade com que foi filmada e sobretudo representada pelos protagonistas. Na pele de Stephen Hawking, Eddie Redmayne tem um papel física e emocionalmente dificílimo mas consegue agarrá-lo com uma dedicação e uma subtileza desarmantes. E também com muita humildade, como testemunhei na entrevista que lhe fiz no lançamento do filme em Londres. O Oscar para melhor ator seria de inteira justiça. 
MIGUEL SOMSEN - Criativo TVI. Jornalista Freelance. ?Luxwoman e Vogue
Qual o filme que sairá vencedor?
Boyhood. Filme, realizador e qualquer coisa para Patricia Arquette. Filmado no ciclo ?de 12 anos da vida de um rapaz, é o 12 Anos Escravo deste ano: o maior desempenho no filme é o do tempo. Podemos dar Oscars imateriais?
Qual o filme que gostava ?que vencesse?
O Filme LEGO. 
JOÃO EDUARDO FERREIRA - Escritor e cinéfilo
Qual o filme que sairá vencedor?
Birdman ou Michael Keaton, melhor filme e ator principal. Mas as fábulas de Alejandro Iñarritu têm vindo a perder gás, substância...Têm vindo a descer, degrau a degrau, até à desgraça fatal.
Qual o filme que gostava ?que vencesse?
O Grande Hotel Budapeste: o excesso de cor-de-rosa, de cenários de papelão, guarda-roupa e cabeleireiro; overdose de esgares expressionistas nos melhores atores; o fundamento pouco fundamentalista da intriga e da ação. Luminoso, fantasioso, talvez guloso. E a banda sonora, sempre das melhores, com um Alexandre Desplat a inspirar até ao derradeiro minuto do genérico.