precioso de empresários e analistas que depositam no presidente interino — e em sua equipe — esperança para dar guinada na economia brasileira. Mas após recuo em várias decisões e sucessivas concessões a parlamentares e sindicalistas, a relação começa a dar os primeiros sinais de desgaste.
Confirmado o afastamento definitivo de Dilma Rousseff, o governo terá de ser bastante ágil na aplicação do ajuste fiscal prometido. Caso contrário, a acalentada lua de mel com a iniciativa privada pode estar com os dias contados.
Até o momento, o bom humor do mercado com a gestão Temer está mais ancorado na impopularidade de Dilma — que retornará caso o impeachment venha a ser barrado — do que em resultados propriamente ditos. Apesar da fama de negociador habilidoso, calcada em décadas de articulação política nos bastidores, o interino tem enfrentado resistência na base aliada e colecionado derrotas parciais no Congresso.
Foi obrigado a sancionar aumento de 41,4% a servidores do Judiciário em troca de apoio, e precisou fazer concessões importantes para aprovar projeto de renegociação da dívida dos Estados: retirou do texto trecho que restringia reajustes ao funcionalismo estadual por dois anos. Uma semana antes, havia suprimido o parágrafo que obrigava os Estados a reduzirem gastos com pessoal para se enquadrarem na Lei de Responsabilidade Fiscal.
A condescendência do Planalto representou a primeira grande derrota de Henrique Meirelles.
Espécie de fiador do governo interino para o mercado, o ministro da Fazenda afirmou em diversas entrevistas que considerava "essencial" a limitação de gastos públicos nos Estados para realização do ajuste fiscal prometido.
— O episódio demonstrou que o ministro não tinha toda a força imaginada ou que, pelo menos, todo o simbolismo que tem no mercado não se reflete na Câmara. Mesmo assim, é um caso diferente do que aconteceu com Joaquim Levy, que era frequentemente desautorizado pela própria Dilma. Meirelles tem apoio do presidente. Apesar de concordar sobre o que precisa ser feito, Temer cedeu para conseguir aprovar o texto-base. Entregou os anéis para ficar com os dedos — avalia José Luís da Costa Oreiro, professor de economia da UFRJ.
Condição de temporário estica paciência de investidores
Com receio de perda de apoio do setor produtivo na fase final do impeachment, Temer iniciou ofensiva na tentativa de garantir legitimidade. Promoveu, além de audiência com grandes empresários, evento público com representantes da construção civil. E já prepara agenda de encontros com executivos de outros setores, como do agronegócio e da indústria.
Por ora, a leitura é de que a tolerância com o Planalto deve durar mais algum tempo.
O entendimento é de que a interinidade e a herança deixada pelo PT limitam os movimentos do governo, mas que o caminho apontado como norte — o ajuste fiscal — está correto. O relógio deve começar a contar de fato a partir do eventual momento em que Dilma for oficialmente afastada do cargo. A expectativa é de que, uma vez efetivado com a faixa presidencial, Temer adote postura mais contundente.
— Todo mundo sabe que reformas na Previdência e na legislação trabalhista não sairão da noite para o dia, ainda mais tendo eleições logo adiante. Mas é esperado que até o final do ano o governo mostre capacidade de fazer mudanças. Bom termômetro será a votação do teto dos gastos federais, em novembro — diz Bruno Piagentini, analista da corretora CoinValores.
Perfil parlamentar alimenta desconfiança
No meio acadêmico, o prestígio do interino também não é unânime. Após falhar na implantação de medidas de ajuste, já passa a ter o governo considerado "frágil" por economistas como Monica de Bolle, do Peterson Institute for International Economics, nos EUA. Ela avalia que o reequilíbrio das contas públicas só ocorre com reformas dependentes de pulso firme que Temer não tem nem terá.
E que apesar da área técnica forte, o lado político é tão complicado quanto o do governo Dilma.
— O teto de gastos sozinho não significa nada, porque para você fazer realmente teto que tenha efeito no crescimento das despesas precisa fazer junto as outras reformas, como a da Previdência, que, por enquanto, ainda estão longe de sair do papel — avalia Monica, ressaltando que é ilusório acreditar que Temer agirá de forma completamente diferente caso saia vitorioso ao fim do processo de impeachment.
O interino, que inicialmente fez questão de ressaltar o contraponto à intransigência da antecessora, começa a ser encarado por alguns analistas como pessoa que foge do confronto, com estilo demasiadamente parlamentar para quem ocupa cargo no Executivo.
— Os anos no Congresso moldaram o jeito dele (Temer) de agir. Avança dois passos para recuar um. Acontece que no Planalto é diferente. Ninguém governa se quiser agradar a todo mundo.
O risco que se corre é ficar dois anos paralisado pela falta de disposição de comprar brigas — afirma o analista da Pezco Mycroanalysis, João Ricardo Costa Filho.
Os testes mais importantes ainda estão por vir. A emenda constitucional que impõe aos gastos federais o teto da inflação e o debate das mudanças no regime de Previdência só devem avançar no Congresso após a sentença a Dilma. Caso Temer se mantenha no Planalto, as duas questões, consideradas prioridades pela equipe econômica, têm potencial explosivo, capaz de azedar qualquer clima de lua de mel.
Melhora tímida por acerto na escolha da equipe e uma pitada de sorte
Embalada pelo aumento na produção industrial e pelo avanço nos índices de confiança empresarial, a economia começa a dar sinais embrionários de reação com Michel Temer no Planalto.
Diferentemente da bolsa e do dólar, que refletem a animação de investidores com as mudanças de comando em Brasília, o avanço em outros indicadores tem menos relação com o trabalho do governo interino. Já apareciam, mesmo que de maneira discreta, antes de Dilma Rousseff ser afastada em razão do processo de impeachment. Mas três meses depois, o maior desafio segue em aberto: reduzir o rombo bilionário nas contas públicas.
E o entrave enfrentado pela gestão Temer tem sido o mesmo que afligia a equipe econômica anterior: convencer o Congresso a aprovar projetos que causam enorme desgaste com o eleitorado.
No últimos meses, a economia tem mostrado sinais irregulares de melhora. Após registrar crescimento marginal em abril, o nível de atividade voltou ao terreno negativo em maio conforme o IBCBr, indicador criado pelo Banco Central para monitorar a atividade econômica no país. Em junho, o índice retomou alta, com 0,23%, mas, na comparação entre o segundo trimestre e o primeiro, a queda foi de 0,53%.
A inflação voltou a ganhar força em julho em relação a junho, mas continua a recuar no acumulado em 12 meses.
— Avaliando os indicadores de forma mais ampla, é possível dizer que paramos de piorar. O próprio discurso dos empresários, que sentem o ritmo da economia no dia a dia, mudou, está mais otimista. Isso é mérito do presidente interino, que soube escolher nomes de credibilidade na Fazenda e no Tesouro — avalia Sérgio Goldman, da gestora de patrimônio Maximizar.
Recuperação do cenário internacional ajudou
Temer também contou com um pouco de sorte. Depois de um início de ano desastroso nas bolsas de valores ao redor do mundo, o segundo trimestre foi marcado por recuperação nos mercados internacionais, impulsionados pela elevação nos preços de matérias-primas como petróleo e aço. Somado ao otimismo gerado pelo afastamento de Dilma do poder, o Ibovespa, principal índice da bolsa brasileira, prosseguiu escalada durante a semana, alcançando o maior patamar do ano na quinta-feira, com 58.299 mil pontos.
O dólar segue caminho contrário e não para de cair — atingiu na quarta-feira o valor mais baixo (R$ 3,13) desde julho de 2015. Depois, entre quinta e sexta-feira, registrou elevação, fechando a semana a R$ 3,18. A maior confiança estrangeira com o governo conta a favor do real, e o cenário externo também ajuda. Bancos centrais adotaram medidas para prevenir efeitos negativos da saída do Reino Unido da União Europeia, deixando mais recursos disponíveis.
— O apetite pelo Brasil tem aumentado, já que tem muita liquidez no mundo e os juros aqui são altos, o que é atrativo. A sinalização do governo de que haverá privatizações deverá trazer mais capital estrangeiro — projeta Pedro Raffy Vartanian, professor de economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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