Saiu no Estadão (link no final do artigo). E com uma visão positiva. Faculdade de Medicina da Unicamp, uma das melhores do país, teve 88,2% dos aprovados provenientes de escola pública.
Sabendo que, nos áureos tempos do vestibular, a seleção para a Medicina Unicamp era até mais rígida do que a da Medicina da USP, só essa manchete já teria que causar estranheza em pessoas que estejam preocupadas com a verdade e não com o mundo idealizado das fanfics de esquerda.
Todos nós sabemos que a qualidade do ensino público não melhorou nas últimas décadas. Muito pelo contrário. Então, como explicar que um dos processos seletivos mais difíceis do Brasil ter tido quase a totalidade das vagas para alunos provenientes da escola pública? Das duas uma: ou os alunos de escolas privadas perderam o interesse em cursar Medicina, o que não seria de se espantar após toda a campanha de demonização dos médicos feita pelo Governo Dilma; ou alguma “engenharia” foi utilizada para obter esse resultado.
Mas basta ler o corpo do artigo e já constatamos que esse resultado nunca deveria ter sido divulgado como algo bom, mas sim como algo extremamente preocupante.
“O curso mais concorrido da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) foi o que teve a maior proporção de alunos aprovados que fizeram todo o ensino médio em escola pública. O resultado foi divulgado nesta sexta-feira, 12, e indicou que, dos 110 selecionados na primeira chamada para Medicina, 97 – ou 88,2% – são oriundos da escola pública. A Unicamp não adota cotas, mas um sistema de bonificação e, pela primeira vez, os aprovados que estudaram em escola pública superaram os de escolas particulares.”
Notem que o jornalista afirma que a Unicamp não adota cotas, como que para dar a entender que não existe privilégios, mas isso está errado. Se é dado um bônus para o aluno proveniente da escola pública, o que o beneficia em comparação ao aluno de escola privada, isso é até pior do que as cotas. Pelo menos as cotas são fixas. Se você estabelece uma cota de 20%, os outros 80% das vagas são garantidos para os alunos que obtiverem melhores notas. Ao se dar uma bonificação, seja lá qual for, você corre sérios riscos de impedir que todos os alunos da rede privada tenham acesso ao curso, o que quase aconteceu esse ano.
Mas a coisa ainda fica pior. Uma leitura adicional mostra como alguns administradores públicos estão impondo suas ideologias e potencialmente destruindo as poucas instituições que ainda fazem um bom trabalho no país, como a Unicamp. Descobrimos que a Unicamp não só bonifica os estudantes provenientes de escola pública, mas também aqueles que se autodeclaram (esse termo que já deixa brecha para a fraude) pretos, pardos e indígenas (PPI). Ou seja, você é branco e teve condições de estudar na escola privada? A Unicamp não te quer lá…
“De acordo com a Unicamp, 51,9% dos estudantes aprovados para as 3.320 vagas disponíveis em 70 cursos de graduação vieram da escola pública. E, desses, 43% são autodeclarados pretos, pardos ou indígenas (PPI). Com esses números, a Unicamp antecipou em um ano o alcance da meta que havia estipulado em 2003, de ter metade dos aprovados vindos de escola pública e 35% de PPIs.”
O que mais surpreende é descobrir que uma Universidade estabeleceu uma meta que é independente de suas ações. Quem tem que estabelecer uma meta para alunos de escolas públicas conseguirem entrar na universidade são os órgãos responsáveis pelo ensino fundamental e médio! Já estabelecer uma meta para PPI constitui puro racismo, tipo “não sabemos quem quer estudar aqui, mas X% terão que ser negros, pardos ou indígenas”.
Como nada é suficientemente ruim, que não possa piorar, ainda nos deparamos com essa informação:
O reitor da Universidade, José Tadeu Jorge, afirmou que “O dia de hoje é uma data histórica, um marco para a Unicamp, um marco para as ações de inclusão das universidades públicas’. Ele ainda classificou o resultado como um sucesso do Programa de Ações Afirmativas e Inclusão Social (PAAIS), que funciona com um sistema de bonificação para esses dois grupos.”
Sucesso de um programa de ação afirmativa, senhor reitor, seria se a Unicamp tivesse um curso preparatório, gratuito para essas populações citadas, que capacitasse os alunos a entrarem na Universidade sem nenhum privilégio. Aliás, descobrimos que nem mesmo dando um pequeno bônus isso adiantou.
“As metas foram alcançadas após mudanças promovidas em 2015 pela universidade. Na disputa do ano passado, os resultados de inclusão foram os piores em cinco anos, com a proporção de oriundos de escolas públicas de apenas 30,2% e 15,7%, de PPIs. Em 2014, a taxa havia sido de 36,9% e 18%, respectivamente.”
Sim!! É isso que você leu. O sistema de bônus foi instituído em 2003 e, em 2015, mesmo assim, os alunos que se beneficiavam desse bônus NÃO CONSEGUIAM SER APROVADOS nos cursos!! Qual a solução? A mesma utilizada para reduzir a taxa de microcefalia no Brasil: mudar os índices.
“À época, a avaliação interna da Unicamp foi a de que seriam necessárias políticas mais agressivas para atingir o objetivo de inclusão. Até 2015, os candidatos tinham direito ao bônus somente na segunda fase do vestibular. Para este ano, os pontos extras passaram a ser acrescidos às notas tanto da primeira como da segunda etapa.”
A esse ponto do texto, a gente já fica se perguntando por que o jornalista nem sequer questionou a correção dessas “políticas mais agressivas”. Aliás, esse termo é bem acertado. É uma política extremamente agressivas com os alunos brancos e provenientes de escolas privadas…
Mas pelo menos deram voz a um crítico (leve) do sistema. Renato Pedrosa, do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp e ex-coordenador do vestibular da universidade na época da criação do sistema de bonificação, afirmou: “Mas é preciso analisar que alunos bem qualificados de escolas particulares podem ter sido prejudicados. A política de bonificação busca equalizar oportunidades, mas não pode causar um desequilíbrio e excluir um grupo bem preparado”.
Mas como funciona esse sistema de bonificação? É uma simples ajuda ou pode realmente desequilibrar a disputa? Vejam as regras do PAAIS:
“Após a 1ª fase do vestibular, serão adicionados 60 pontos à Nota Final da 1ª fase (NF1) e para os convocados para a 2ª fase, serão adicionados 90 pontos à Nota da Redação (NR) e 90 pontos às notas das demais provas da 2ª fase (NF2). Aos participantes do PAAIS que se autodeclararem pretos, pardos ou indígenas (segundo a classificação utilizada pelo IBGE), serão adicionados outros 20 pontos à NF1, e para os convocados para a 2ª fase, serão adicionados mais 30 pontos às NR e mais 30 às NF2.”
Não deixa de ser estranho que as mesmas pessoas que ficam indignadas com os “privilégios” de um filho de classe média, somente porque ele não precisou trabalhar ou estudou em boas escolas, sendo que nada disso é garantia de se aprender e entrar na faculdade, como fica comprovado pelos casos de filhinhos de papai que não entram em boas faculdades, não ficam igualmente indignadas com uma vantagem dada de forma automática para um aluno baseado em raça ou ter estudado em escola pública seja beneficiado. Isso, para eles, não é um privilégio.
Até o momento, estamos comentando sobre as regras utilizadas de forma geral, para qualquer curso superior. Agora vamos falar um pouco especificamente do curso de Medicina. Toda seleção para bons cursos de Medicina é rigorosa e concorrida. Faculdades de Medicina “fáceis” de entrar, geralmente, formam maus profissionais. E por que isso ocorre?
Durante a atividade profissional, o médico precisa ter certas habilidades que não foram avaliadas nas provas de vestibular ou mesmo durante o curso médico. Sangue frio, raciocínio rápido, atuar sobre pressão, tudo isso é qualidade indispensável para um bom médico. Eu tive uma colega de colegial (sim, eu sou do tempo que o ensino médio se chamava colegial) que tirava ótimas notas nos simulados da FUVEST, mas travava durante a prova oficial. Isso ocorreu por dois anos. Um pouco de terapia a ajudou a definir que só queria fazer Medicina porque todos os amigos fariam. Ao definir isso, prestou a FUVEST para Direito e entrou…
Vários colegas meus eram instrumentistas (um deles chegou a ganhar a Medalha Governador do Estado pela sua habilidade no piano) e já estavam aprendendo sua segunda ou terceira língua estrangeira. Um deles era uma cabeça tão privilegiada que, dois anos após sua formatura, decepcionou-se com a vida médica e decidiu fazer Direito na USP ENQUANTO trabalhava como médico e hoje é Juiz do Trabalho. Era esse tipo de pessoa que a FUVEST, com suas provas dificílimas, selecionava para ser médico e atender a população. E a Unicamp não ficava atrás nesse rigor.
Tive colegas que, mesmo sem existir cota ou bônus, estudaram em escolas públicas. Notava-se claramente nesses alunos um esforço e dedicação muito grandes, mas nenhum vitimismo.
Por mais que uma pessoa ache que esse sistema de cota ou bônus seja correto, ou justo, ou necessário, uma coisa essa pessoa não pode negar: a qualidade do ensino público é absurdamente pior que o ensino privado. Como essa mesma pessoa pode acreditar que seis anos de curso de Medicina serão capazes de transformar esse aluno mal formado num médico de qualidade?? Dentro de uma década, esses médicos da Unicamp, que só foram aprovados graças ao bônus, estarão atendendo a população e a boa fama dessa Universidade começará a cair. Podem aguardar!
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