Proximidade das Olimpíadas e acordo com G-20 fez projeto ter tramitação rápida para ONGs, proposta criminaliza os movimentos sociais.
Policial durante treinamento de combate ao terrorismo. Pedro Moraes/ GOVBA
A Câmara dos Deputados cedeu à pressão de organismos internacionais e aprovou nesta quarta-feira o projeto de lei que tipifica o crime de terrorismo no Brasil. A proposição tinha o apoio oficial do G20 (o grupo das 20 maiores economias do mundo), e, extraoficialmente, do Comitê Olímpico Internacional, que queria a ampliação de uma segurança legal para eventuais delitos ocorridos durante a realização dos Jogos Olímpicos neste ano no Rio de Janeiro.
O projeto aprovado agora segue para a sanção da presidenta Dilma Rousseff(PT), que pode vetar alguns dos artigos ou sancioná-lo na íntegra. Pela proposta, o terrorismo é tipificado como a prática, por um ou mais indivíduos, de atos por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia ou religião, com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública. As punições para ações desta natureza variam de 12 a 30 anos de prisão em regime fechado.
Devido ao interesse internacional, a proposta teve uma tramitação célere no Congresso, algo incomum no Legislativo brasileiro. Enviado pelos ministérios da Justiça e da Fazenda em junho do ano passado o projeto foi aprovado na sua primeira votação em agosto na Câmara e em novembro, no Senado. Pouco mais de oito meses após sua elaboração, foi aprovado na votação definitiva nesta quarta-feira. Em uma rápida busca nas propostas legislativas em tramitação, encontra-se outros 16 projetos que tratam de terrorismo e que jamais entraram em discussão nos plenários da Câmara ou do Senado. O mais antigo deles é de 2002. A reclamação dos movimentos sociais é que se não havia consenso em projetos tão antigos, por qual razão houve uma aprovação tão rápida pelos legisladores?
Uma das respostas pode ser encontrada na justificativa apresentadas pelo Governo Dilma Rousseff (PT) quando enviou a proposta para a Câmara. Em um dos tópicos de sua argumentação, os ministros José Eduardo Cardozo (Justiça) e Joaquim Levy (que era da Fazenda na época) dizem que o país precisava cumprir um acordo internacional firmado com o Grupo de Ação Financeira (GAFI). Esse organismo é vinculado ao G20 e foi criado em 1989 com objetivo de definir padrões e implementar medidas legais para combater a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo, entre outras práticas delituosas.
“Importamos o terrorismo para o Brasil. Estamos tratando de um crime que não temos”, reclamou o deputado Ivan Valente, o líder do PSOL na Câmara. Na visão dele e de outros estudiosos do assunto, todos os delitos previstos no projeto aprovado já estavam caracterizados no Código Penal brasileiro, como lesões corporais, danos a patrimônios ou tentativas de homicídio. “Se já temos na atual legislação, não há necessidade de criar uma nova lei”, reclamou o diretor-executivo do Instituto Pro Bono, Marcos Fuchs.
Criminalização dos movimentos
Por votação simbólica, os deputados derrubaram as modificações feita pelos senadores na proposta inicial e mantiveram um ponto que tenta garantir que as manifestações políticas ou sociais não serão punidas pela nova legislação. Ainda assim, parte de organizações não governamentais que atuam na área de direitos humanos reclamou da aprovação do projeto e disse que ele criminaliza os movimentos sociais. “Se um manifestante for detido em um protesto e indiciado por ato de terrorismo ele terá de provar que é inocente durante o processo. Essa salvaguarda prevista no projeto, na prática, não resultará em nada. Até o fim da ação ele será visto como um terrorista, não como um ativista social, por exemplo”, analisou o coordenador do programa de Justiça da ONG Conectas Direitos Humanos, Rafael Custódio.
Na visão de um grupo de 42 ONGs que acompanharam as discussões iniciais do projeto de lei, a proposta é inconstitucional porque fere a liberdade de manifestação, expressão e associação e vai contra o princípio da legalidade estrita, que diz que todas as leis penais devem ser de fácil compreensão do cidadão. “É um texto subjetivo que deixa em aberta várias questões. Além de que houve um açodamento em seu debate. Muda-se uma série de crimes e nada é discutido com a sociedade”, reclamou Custódio.
Esse coletivo de organizações deverá se reunir nos próximos dias para discutir se recorrem a outros organismos jurídicos, como o Supremo Tribunal Federal (STF) ou a Corte Interamericana de Direitos Humanos, para tentar suspender seus efeitos. Outra possibilidade é tentar pressionar a presidenta Rousseff para que ela vete ao menos três artigos polêmicos: o que classifica o ataque a prédios públicos e particulares como ação terrorista; o que penaliza os atos preparatórios para uma atividade terrorista e; o que trata da apologia ao terrorismo.
Conforme a proposta, o crime de terrorismo será investigado pela Polícia Federal, que teria cooperações internacionais com outras polícias, e julgado pela Justiça Federal.
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