sábado, 27 de fevereiro de 2016

Policial que espancou iraniano atirou em duas adolescentes em 2013 Mãe de jovem ferida disse que José Camilo atirou na perna da filha e amiga. Boletim diz que carro onde estavam jovens disparou; Corregedoria investiga. Cíntia Acayaba e Isabela Leite Do G1 São Paulo

Agressão de policial a comerciante iraniano (Foto: Reprodução/TV Globo)Agressão de policial a comerciante iraniano (Foto: Reprodução/TV Globo)
O policial civil José Camilo Leonel, que agrediu um comerciante iraniano dono de uma loja de tapetes nos Jardins, em São Paulo, é investigado pela Corregedoria da Polícia Civil também por sua atuação em uma ocorrência em julho de 2013, na qual duas adolescentes de 13 e 14 anos foram baleadas.
Segundo boletim de ocorrência registrado na época, houve troca de tiros entre o carro em que estavam as adolescentes e a viatura de José Camilo Leonel. No entanto, a mãe de uma das adolescentes disse ao G1 que as meninas foram baleadas na perna, mesmo sem estarem armadas, e depois de terem descido do carro e informado que não sabiam o que estava ocorrendo. Outros dois suspeitos estariam no carro com as meninas, mas eles não aparecem no boletim de ocorrência.
Para a mãe da adolescente, o policial quis “passar um corretivo” nas jovens. “Elas estavam na hora e no lugar errado”, disse. “Minha filha só pegou carona com esse cara que tinha roubado o carro”. Segundo a mãe, elas já estavam fora do carro e negavam participação quando o policial atirou na perna de cada uma delas.
Os policiais o abordaram, deram ordem de parada com sinais sonoros e luminosos, mas os suspeitos não obedeceram e começou uma perseguição policial. Os policiais afirmam que viram disparos saírem do carro e que, por isso, José Camilo Leonel revidou à “injusta agressão”, disparando cerca de quatro tiros contra o carro, que seguiu até parar em uma vala na Rua Serra Vermelha.Pelo boletim, José Camilo e seu parceiro faziam patrulhamento na Rua Travessa Somos Todos Iguais, Jardim da Conquista, na Zona Leste, e se depararam com um carro modelo Agile que transitava na via em atitude suspeita.
Leonel continuou a perseguir o veículo a pé, enquanto seu parceiro permaneceu no carro da polícia. Quatro pessoas saíram do veículo em atitude suspeita, mas pela escuridão, o policial não soube identificar se eram homens ou mulheres, mas que dispararam contra ele e, por isso, teve que revidar com mais quatro tiros. Os suspeitos fugiram por dois lados. Logo à frente, Leonel localizou as duas adolescentes feridas e solicitou socorro médico para ambas.
O policial relata ainda que depois constatou que o carro era roubado e que havia um revólver no assoalho do banco do passageiro. O parceiro disse no boletim de ocorrência que não presenciou a segunda troca de tiros entre José Camilo Leonel e os ocupantes do carro e que ao descer da viatura viu que as adolescentes estavam baleadas.
Levadas ao hospital
O Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu) foi acionado, mas por causa da demora, os policiais optaram por levá-las ao hospital São Mateus, onde foram atendidas. As meninas foram ouvidas no hospital, mas não foi “possível a colheita formal de suas declarações”, consta no boletim.
“Em breves palavras, as adolescentes relataram que nesta noite estavam em um baile funk no bairro Jardim Conquista e que resolveram ir embora com um conhecido que estava no carro, e que estavam ainda acompanhadas por outra amiga adolescente.”
Após entrar no carro, ainda segundo o boletim, o motorista disse às adolescentes que tinha roubado o carro, mas que não haveria perigo porque tinha trocado a placa. A polícia os abordou, mas o motorista não parou. Elas disseram que tentaram sair correndo depois que o carro parou, mas que ocorreram muitos disparos e tentaram fugir, não sabendo dizer se o motorista do carro atirou, mas que elas não reagiram".
Foi solicitada perícia no local do suposto tiroteio e nas armas. O boletim não informa o que ocorreu com os demais ocupantes do carro. O delegado concluiu que os policiais civis, “em especial o policial José Camilo, agiram no estrito cumprimento do dever legal e em legítima defesa” e que há indícios que as duas participaram do crime e que assim que tivessem alta deveriam ser apresentadas à Vara da Infância e Juventude.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública informou que o 49º Distrito Policial concluiu e relatou o inquérito policial sobre o caso à Justiça em abril de 2014. A apuração do caso também está em andamento na Corregedoria da Polícia Civil.
O G1 procurou a advogada Elaine Rasia, que representa o policial civil na investigação pela Corregedoria sobre a agressão ao comerciante em janeiro deste ano, mas ela informou que não tinha conhecimento sobre essa ocorrência e que, por isso, não iria comentar o caso.
Encontro em restaurante e agressão
José Camilo Leonel foi visto em um restaurante com a estudante universitária Iolanda Delce dos Santos, antes de ela o acionar no dia 21 de janeiro para ir à loja do comerciante iraniano. Imagens registradas pelas câmeras do estabelecimento mostram os dois se encontrando (veja no vídeo abaixo).
No vídeo, a mulher está à espera em uma mesa. O policial civil chega e cumprimenta a mulher com um beijo. Eles conversam por mais de 30 minutos. O G1 apurou que o policial e a mulher foram vistos juntos na calçada, em frente ao restaurante, que fica a 250 metros da loja, e que o vídeo está com a polícia.
Depois do encontro, a mulher foi à loja para pedir o dinheiro de volta da compra de um tapete, chamou a polícia e, em seguida, o policial civil chegou e agrediu o comerciante. Em depoimentos à polícia, tanto o policial quanto a jovem negaram que se conheciam antes do ocorrido.
O Secretário da Segurança Pública de São Paulo, Alexandre de Moraes, disse nesta quinta-feira (25) que o policial e a mulher combinaram toda a cena ocorrida na loja do comerciante.
"Nós já temos provas robustas que os dois não só se conheciam como se encontraram minutos antes do ocorrido. Temos provas de que combinaram o ocorrido". Moraes disse que Iolanda "vai responder por participação em todos os crimes praticados pelo investigador".
Iolanda foi depor na sede da Corregedoria da Polícia Civil na tarde de quinta-feira (25). Ela confirmou que se encontrou com o policial antes de ir à loja para ser orientada sobre os problemas que estava tendo na compra do tapete. Ela negou, no entanto, ter amizade com José Camilo Leonel.
"Isso vai sem nenhuma dúvida tipificar, no mínimo, além de abuso de autoridade, além das agressões, vai tipificar advocacia administrativa por parte do investigador", disse o secretário.
Câmera de segurança do restaurante mostra o policial civil dando um beijo na mulher no encontro antes de ela ir à loja do comerciante (Foto: Reprodução/TV Globo)Câmera de segurança do restaurante mostra o policial civil dando um beijo na mulher no encontro antes de ela ir à loja do comerciante (Foto: Reprodução/TV Globo)
Corregedoria tem o vídeo
A Corregedoria da Polícia Civil teve acesso às imagens do restaurante dias depois do caso ter sido divulgado pelo Fantástico, na edição do dia 14 de fevereiro. A reportagem mostrou imagens de câmeras de segurança da loja do comerciante sendo agredido pelo policial.
O investigador também ameaçou o iraniano e um funcionário com uma arma. Leonel trabalhava na Corregedoria da Polícia Civil e pode responder por abuso de autoridade. Após a divulgação das imagens, o policial foi afastado.
O investigador José Camilo Leonel trabalha na Corregedoria e pode responder por abuso de autoridade. Ele ainda não prestou depoimento para o procedimento administrativo, que apura, além das agressões e do abuso de autoridade, a utilização de viatura, mesmo com o investigador estando em férias.
O policial foi afastado preventivamente por 180 dias e teve de entregar distintivo e arma até o final da apuração dos fatos. O afastamento não foi publicado no Diário Oficial e ele segue recebendo seu salário. A advogada de defesa dele, Eliana Rasia, disse ao G1 que não vai comentar a investigação.
VEJA A CRONOLOGIA DO CASO:
21 de janeiro: A universitária Iolanda Delce dos Santos foi à loja do iraniano Navid Saysan tentar recuperar o dinheiro da compra de um tapete. Ela pagou R$ 5 mil pelo produto e queria o dinheiro de volta. Ela saiu da loja dizendo que iria chamar a polícia. O policial civil José Camilo Leonel chegou em seguida e agrediu o comerciante. Ele chamou o reforço do GOE. O iraniano deixou o local algemado.
14 de fevereiro: Reportagem do Fantástico mostra imagens das câmeras de segurança da loja de tapetes que mostram a agressão do policial civil ao comerciante. Após a confusão, os envolvidos foram pra delegacia do consumidor e para a corregedoria, onde foi feito um boletim de ocorrência.
15 de fevereiro: A Secretaria de Segurança Pública diz que o policial civil será afastado até o final da apuração dos fatos e que iria abrir inquérito contra a mulher.
16 de fevereiro: O policial civil é afastado por 180 dias.
18 de fevereiro: O iraniano Navid Saysan presta depoimento na Corregedoria da Polícia Civil e sai sem falar com a imprensa.
19 de fevereiro: Em entrevista ao G1, a advogada do comerciante diz que Iolanda foi vista em viatura da Polícia Civil antes de o policial agredir o iraniano.
22 de fevereiro: Reportagem do G1 revela que o policial civil José Camilo Leonel é sócio de uma empresa de segurança. Ele é um dos donos da Pentalpha Consultoria Técnica de Segurança e Investigação em Fraudes Contra Seguros Ltda., que tem como sócia administradora uma parente do policial, Zenaide Leonel dos Santos. Segundo a SSP, os policiais civis podem ser cotistas ou acionistas de empresas, de acordo com a Lei Orgânica da Polícia do Estado de São Paulo, mas não podem ser sócios administrativos ou gerentes. No mesmo dia, a secretaria recolhe o distintivo e a arma do policial.
25 de fevereiro: G1 e a TV Globo divulgam vídeo em que a estudante é vista com o policial antes da agressão na loja de tapetes. Durante a tarde, Iolanda Delce dos Santos presta depoimento na Corregedoria e muda a versão sobre seu relacionamento com Leonel. Ela afirma que foi apresentada ao investigador pelo advogado, mas nega ter amizade com Leonel. No dia 25, o G1 também divulga que o José Camilo Leonel também é investigado pela Corregedoria da Polícia Civil por uma agressão em um posto de combustíveis, em 2015.
Estudante universitária conversa com policial civil em frente a loja de tapetes nos Jardins, em São Paulo (Foto: Reprodução TV Globo)Estudante universitária conversa com policial civil em frente a loja de tapetes (Foto: Reprodução TV Globo)
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