Molenbeek, o bairro de Bruxelas com muitos imigrantes do Norte de África de onde são originários vários jihadistas europeusYOUSSEF BOUDLAL/REUTERS
Há muito que as prisões europeias são terreno fértil para radicais islamistas, mas criminalidade e extremismo estão agora mais interligados. Os pequenos crimes de recrutas prosseguem mesmo depois de verem “a luz” do Islão radical.
Os ataques terroristas em Paris iluminaram os contornos do crescimento de uma nova estirpe de jihadistas, que esbate as fronteiras entre o crime organizado e o extremismo islâmico, que usa ferramentas afinadas a violar a lei ao serviço do radicalismo violento.
O Estado Islâmico está a construir um exército de fiéis a partir da Europa que inclui um número cada vez maior de rufias e antigos presidiários, enquanto a natureza da radicalização se modifica na era do seu autoproclamado califado. Em vez de deixarem para trás as suas vidas de crime, alguns dos adeptos servem-se dos seus talentos ilícitos para financiar círculos de recrutamento e custos de viagem para combatentes estrangeiros, mesmo que o seu passado lhes possa dar acesso mais fácil a dinheiro e armas – o que representa um novo desafio para as autoridades europeias.
Antes de se transformar no célebre orquestrador dos ataques terroristas de Novembro em Paris, Abdelhamid Abaaoud, 28 anos, esteve ligado a uma quadrilha de ladrões radicalizados liderados por um homem alcunhado Pai Natal. O gangue – que incluia homens que acabaram por ir lutar na Síria e no Iraque – assaltava turistas e lojas, e construíu assim uma organização de pequeno crime ao serviço do Estado Islâmico, dizem as autoridades.
A imagem que emerge agora das maquinações do Estado Islâmico (EI) na Europa é diferente da evolução da Al-Qaeda, que nos seus primeiros anos dependia em larga medida de recrutas ostensivamente pios e patrocinadores estrangeiros ricos.
Criminoso reincidente
Abaaoud, filho de imigrantes marroquinos na Bélgica, era um criminoso reincidente que foi posto fora de casa com 16 anos. Radicalizou-se e partiu para combater na Síria em 2013. Mas continuava a cometer roubos, mesmo no seu breve regresso à Bélgica, nesse mesmo ano. Usou os ganhos para financiar uma nova viagem para a Síria, em Janeiro de 2014, desta vez com o seu irmão de 13 anos, Younes, segundo afirma um agente de topo nos serviços de informação que interrogou um familiar de Abaaoud. Como outros responsáveis entrevistados, prestou declarações sob anonimato, por estar a discutir uma investigação em curso.
A rede terrorista de Abaaoud em Paris, dizem os investigadores, era diferente do círculo de pequenos crimes de Bruxelas, que não executou ataques em solo europeu, mas em vez disso recrutava combatentes e financiava o seu trânsito para o Médio Oriente. Mas a maioria dos atacantes de Paris tinha também um passado criminoso. Dois deles – Brahim Abdeslam, que se fez explodir a 13 de Novembro, e o seu irmão, Salah Abdeslam, ainda em fuga – geriam um café em Bruxelas, encerrado em Agosto, dada a sua actividade relacionada com o tráfico de drogas.
Um responsável francês ligado à investigação de Paris disse também que as análises forenses detectaram vestígios de Captagon – uma droga muito traficada no Mèdio Oriente, apesar da proibição de produtos intoxicantes no Islão, que normalmente é uma mistura de anfetaminas e teofilina – em restos mortais de vários dos atacantes.
“Esta ligação ao mundo do crime não se veria com [Osama] bin Laden”, diz Mohammad-Mahmoud Ould Mohamedou, vice-director do Centro para as Políticas de Segurança de Genebra. “Havia um certo fundamentalismo dentro do terror.”
Terreno fértil
Há anos que as prisões europeias são terrenos férteis para radicais islamistas, particularmente em França e na Bélgica. Mas, recentemente, extremismo e criminalidade começaram a estar ainda mais interligados, e o comportamento ilegal dos recrutas prossegue mesmo depois de lhes ter sido mostrada “a luz” do Islão radical.
“Muitos viviam vidas de delinquentes, tiveram uma epifania e tornaram-se religiosos, mas as ligações à criminalidade não desaparecem”, diz Peter Neumann, especialista em radicalização no King’s College de Londres. “Vejo isto como um aspecto operacional do EI.”
Num exemplo da nova tendência, um tribunal em Colónia, Alemanha, está a julgar o caso de oito homens suspeitos de fazer assaltos a igrejas, escolas e empresas, entre Agosto de 2011 e Novembro de 2014, como forma de apoiar combatentes islamistas na Síria. Numa só igreja, roubaram alegadamente objectos religiosos no valor de dez mil euros. Não é ainda evidente qual o grupo que apoiavam, mas “todas as provas apontam para o Estado Islâmico”, diz o porta-voz do tribunal, Achim Hengstenberg.
Nenhum comentário:
Postar um comentário