Na mira de raivosos políticos acossados pela operação Lava Jato, o Ministério Público Federal inicia nesta semana o processo de escolha de seu chefe para o biênio 2015-201. Entre os prováveis candidatos está o atual nome do cargo — e considerado favorito para permanecer nele —, Rodrigo Janot, à frente da investigação contra dezenas de políticos implicados no chamado Caso Petrobras, um dos maiores escândalos de corrupção da história.
Como a escolha do procurador-geral é uma decisão do chefe do Executivo, Rousseff poderá acatar ou não o nome daquele que for o mais votado pela Associação Nacional dos Procuradores da República. Depois, o escolhido passará pela análise do Senado, que terá de aprová-lo com o aval de ao menos 41 dos 81 parlamentares. Nos últimos dez anos, o mais votado pelos procuradores foi o escolhido pelo presidente e aceito pelos senadores.Ao todo, cinco procuradores devem ser os candidatos à função. Os concorrentes começarão a se inscrever a partir da próxima sexta-feira e terão até o dia 15 para fazê-lo. A eleição, interna e informal, ocorrerá no dia 5 de agosto. Os três que tiverem mais votos entre todos os membros do MPF terão seus nomes levados para a presidenta Dilma Rousseff (PT), que possivelmente escolherá um deles para ocupar o cargo.
Todos os holofotes levam a Rodrigo Janot. É nele que estão centradas as críticas à atuação dos procuradores que investigam 49 políticos brasileiros suspeitos de participarem do esquema de corrupção que desviou ao menos 6 bilhões de reais da Petrobras. Os outros potenciais candidatos são os subprocuradores-gerais Mário Bonsaglia, Carlos Frederico Santos, Raquel Dodge e Nicolao Dino (leia mais sobre eles abaixo).
Janot ainda não confirmou se disputará a recondução. Porém, sua ausência seria vista como uma derrota diante das pressões que sofre nos últimos dias por causa da Lava Jato. "É mais do que esperado que ele se candidate", diz um procurador ligado a ele. Uma de suas dificuldades seria a avaliação do Senado. Dos 49 investigados, 12 são senadores da atual legislatura, de cinco partidos diferentes, inclusive do oposicionista PSDB. Na lista também estão os presidentes da Câmara e do Senado, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Renan Calheiros (PMDB-AL).
Cerco
O cerco ao procurador-geral se intensificou no mês passado. Solicitações para depor na CPI da Petrobras, pedidos de investigação de sua gestão e até mudança na legislação são algumas das medidas usadas pelos congressistas investigados para pressionar o principal responsável por conduzir as apurações contra os políticos no caso de desvio de recursos da petroleira estatal.
A temperatura subiu quando o senador Fernando Collor de Mello(PTB-AL) chamou o procurador de chantagista, porque pediu, e obteve, a quebra de sigilo fiscal e bancário dele por suspeita de envolvimento com a quadrilha que agia na Petrobras. Nos dias 11 e 12 do mês passado, o parlamentar apresentou quatro requerimentos de investigação contra o chefe do Ministério Público Federal. O senador diz que Janot usa seu cargo para se autopromover, desperdiça dinheiro público e faz encontros secretos para definir quem deve ou não ser investigado.
Em um discurso no plenário do Senado, Collor disse que Janot age com o “nítido intuito de intimidação” ao pedir a quebra de seus sigilos. “O nome dessa conduta é chantagem. Só que o senhor Janot, o chantagista, comigo não se cria. Ele estiola [enfraquece]”, afirmou o senador, o auto intitulado “caçador de marajás” que presidiu o país entre 1990 e 1992, quando sofreu um impeachment. “Até quando suportaremos esse populismo judicial de Janot, um especialista em escolher alvos e em chantagear?”. Conforme um dos delatores do esquema, o doleiro Alberto Youssef, Collor recebeu 3 milhões de reais em propinas pagas pela BR Distribuidora, uma empresa vinculada à Petrobras. O senador nega.
Os requerimentos apresentados por Collor, na visão de especialistas, não são irregulares. “A ação do senador não é questionável do ponto de vista legal. Pelo contrário, o Senado está fazendo seu papel de investigar o Ministério Público, o que raramente ocorre. Ninguém está acima da lei”, diz Marcelo Figueiredo, advogado e professor de direito público da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Figueiredo, contudo, pondera que nem sempre as ações dos senadores são de interesse público. “Nesse caso parece algo individual, secundário”.
Já o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcante, diz que a ação de Collor é infundada. “Ele está usando a sua prerrogativa de senador, mas o conteúdo dos documentos apresentados por ele não comprovam nenhuma irregularidade. Essa não é uma forma inteligente de enfrentar o Ministério Público”.
Segunda frente
A outra linha de ataque a Janot está na Câmara dos Deputados. Lá, o seu principal articulador é o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que já disse que o procurador tem uma querela pessoal contra ele. Cunha, suspeito de pressionar empresas ligadas à Petrobras por meio de requerimentos parlamentares, sugeriu a aliados que elaborem um projeto de emenda constitucional que impeça a recondução de um procurador-geral ao cargo.
O ato [mudança na lei] pode ser visto como retaliação a um trabalho sério que vem sendo feito
Procurador José Robalinho
Atualmente, conforme previsto na legislação, é possível haver a recondução para a função. O mandato é de dois anos e o de Janot começou em setembro de 2013. “Falta pouco mais de três meses para a escolha do novo procurador ou para a recondução do atual. Uma medida como essa, que altera a Constituição, não passa de uma hora para a outra no Congresso. O ato pode ser visto como retaliação a um trabalho sério que vem sendo feito, mas não acredito que dê tempo de entrar em vigor”, analisou o procurador Robalinho, da ANPR.
Na Câmara, até membros de partidos de oposição ao Governo Dilma Rousseff acabam levantando dúvidas sobre o trabalho do procurador-geral. O deputado federal Paulo Pereira da Silva (SD), por exemplo, apresentou dois pedidos de convocação de Janot para depor na CPI da Petrobras. É incomum procuradores-gerais responderem a questionamentos de deputados nessas situações. Um deputado do partido de Pereira também é investigado pela Lava Jato.
Os mais cotados para concorrer ao cargo de procurador-geral
Até o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), pouco se ouvia falar o nome do procurador-geral da República. Foi na gestão dele, que o cargo começou a ganhar destaque. Na ocasião, a fama foi negativa, quando Geraldo Brindeiro ganhou o apelido de "engavetador-geral da República". A razão era que poucos processos de investigação contra grandes figuras políticas tinham sequência.
O nome de Brindeiro foi rejeitado pela sua própria classe, que encaminhou uma lista tríplice para FHC em 2001. Porém, o presidente ignorou os anseios da classe. De 2003 para cá, as listas tríplices informais elaboradas pela Associação Nacional de Procuradores da República passaram a ser levadas em conta. Sempre o primeiro colocado acabou sendo escolhido.
Depois dos anos Brindeiro, o cargo de procurador-geral ganhou destaques positivos. Os mais recentes foram a investigação do mensalão petista (iniciado com o Antonio Fernando de Souza e concluído com Roberto Gurgel) e atualmente com a operação Lava Jato.
Antes de ser conduzido ao cargo de procurador-geral em 2013, Janot foi derrotado no pleito da ANPR de 2011, quando ficou em segundo lugar. Para este ano, quando deve tentar sua recondução, seus principais concorrentes serão os seguintes subprocuradores-gerais da República:
Carlos Frederico Santos. Atuou nas procuradorias do Amazonas e de Roraima. Presidiu a ANPR e se destacou como o primeiro procurador a denunciar o genocídio de povos indígenas. Também se notabilizou por tentar impedir obras de uma hidrelétrica na reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.
Mário Bonsaglia. Doutor em direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP), atuou na procuradoria de São Paulo e já emitiu pareceres na operação Lava Jato. É bastante ativo nas redes sociais e já "comprou briga" com a Polícia Federal sobre o direito do Ministério Público poder investigar.
Nicolao Dino. Professor da Universidade de Brasília, é um dos principais aliados de Rodrigo Janot, o que pode dificultar sua candidatura. Atualmente ocupa o cargo de "articulador político" da Procuradoria-Geral. Tem forte atuação na área criminal e é irmão do atual governador do Maranhão, o ex-juiz Flavio Dino. Sua ligação familiar fez com que ele fosse rejeitado pelos senadores para um cargo de conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público.
Raquel Dodge. Era tida como uma das favoritas na eleição de 2013. Mas não compôs a listra tríplice da ANPR. Nos últimos anos, foi a responsável para operação Caixa de Pandora, que denunciou 38 pessoas por corrupção e resultou no afastamento do então governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, em 2010.
Janot, por sua vez, prefere o silêncio. Ele não atendeu ao pedido de entrevista feito pelo EL PAÍS e desde novembro do ano passado não atende à imprensa individualmente, segundo sua assessoria. A amigos, diz que está tranquilo quanto à investigação da Lava Jato porque ela seria impessoal e cercada de provas robustas. Sobre as pressões que sofre, diz que são algo normal em sua profissão.
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