quinta-feira, 18 de agosto de 2016

UTIgates: escândalo sobre propina abala cúpula da Câmara Legislativa

 Promotores investigam denúncia de que integrantes da Mesa Diretora da Câmara Legislativa teriam recebido dinheiro para facilitar o recebimento de dívidas de hospitais. A apuração foi aberta depois que Liliane Roriz entregou áudios comprometedores

Helena Mader , Isa Stacciarini   postado em 18/08/2016 06:10 / atualizado em 18/08/2016 09:00
Helio Montferre/Esp. CB/D.A Press


O Ministério Público do Distrito Federal abriu investigação para apurar o envolvimento da cúpula da Câmara Legislativa em um suposto esquema de cobrança de propina. O escândalo surgiu a partir da divulgação de áudios gravados pela deputada Liliane Roriz (PTB) e entregues ao MP. Entre as gravações, está uma conversa da parlamentar com a presidente da Câmara, Celina Leão (PPS), em que as duas falam sobre “um projeto” relacionado à destinação de emendas. A suspeita é de que as duas deputadas discutiam a liberação de recursos para o pagamento de dívidas de UTIs mediante a cobrança de propina de empresários do setor.

As gravações de Liliane Roriz foram divulgadas ontem pelo jornal O Globo. Depois da publicação do caso, o MP informou que instaurou procedimento investigativo criminal para analisar o conteúdo dos áudios entregues pela parlamentar. O pedido de apuração é assinado pela vice-procuradora-geral de Justiça, Selma Sauerbronn. As denúncias também são investigadas nas promotorias de Justiça, já que pode haver ações de improbidade na área cível contra os acusados.

No ano passado, a Câmara Legislativa economizou cerca de R$ 30 milhões em relação ao orçamento inicialmente previsto para a manutenção da Casa. Em dezembro, os parlamentares começaram a discutir o remanejamento desses recursos. De acordo com a denúncia de Liliane, esse montante seria destinado à reforma de escolas públicas. A Mesa Diretora, porém, teria decidido mudar o repasse de última hora, remanejando a bolada para pagar clínicas e hospitais que ofereceram serviços de UTI ao GDF em 2014, mas não haviam recebido o valor devido.

“Colocaram as emendas e queriam que eu e você assinássemos. Se vai ajudar, tem que ajudar todo mundo”, afirmou Celina Leão no diálogo gravado pela parlamentar do PTB. “Você não tá fora do projeto, não. Você tá no projeto. Mandei o Valério já falar com você.” Nesse trecho, a presidente da Câmara faz referência ao ex-secretário-geral da Câmara Legislativa Valério Neves. Ele foi preso na Operação Lava-Jato, acusado de ser operador do ex-senador Gim Argello. Ainda de acordo com a reportagem, ela teria afirmado que os deputados Bispo Renato Andrade (PR) e Júlio César (PRB) tentaram um “negócio” com um empresário local para liberar recursos para a educação, mas sem sucesso.

Em outra conversa, de Liliane com Valério, o então secretário-geral diz que o distrital Cristiano Araújo (PSD) conseguiu o “negócio” das UTIs. Segundo Valério, a atuação de Cristiano poderia render “no mínimo 5% e no máximo 10, em torno de 7%”. “Quem sabe disso são só os cinco membros da Mesa e o Cristiano”, acrescenta Valério. Fazem parte da Mesa Diretora Bispo Renato Andrade (PR), Júlio César (PRB), Raimundo Ribeiro (PPS) e Celina Leão. Liliane renunciou à vice-presidência da Casa ontem (leia reportagem na página 18).

Além das conversas relativas à suposta cobrança de propina, Liliane Roriz gravou um diálogo com Celina Leão em que a presidente da Câmara admite abertamente contratar funcionários fantasmas e negociar indicações de empregados com empresas vencedoras de licitações na Casa. “No meu gabinete tá cheio de analfabeto, que não sabe fazer nada, mas são as pessoas que me ajudaram. Tem hora que falta gente para escrever um ofício”, revelou Celina, entre gargalhadas. A chefe do Legislativo também criticou o governador Rodrigo Rollemberg e declarou que ele “fuma maconha demais”.

Defesa
Em nota, a Mesa Diretora da Câmara Legislativa disse que os áudios divulgados estão “evidentemente editados e as conversas, fora de contexto”. Esclareceu que aprovou o projeto de emenda aditiva, proposta pela própria Liliane Roriz, destinando recursos para a saúde. “Os deputados cumpriram com seu dever de legislar, rejeitam qualquer acusação de prática de ato ilícito, e confiam nas investigações para a apuração da verdade”, informou a nota. “Ademais, a deputada Liliane Roriz está sendo investigada pela Mesa Diretora, podendo sofrer a perda do mandato em três processos pela prática de atos ilícitos e quebra de decoro parlamentar.”

Também por meio de nota, o deputado Bispo Renato Andrade (PR) alegou não ter conhecimento do teor da investigação do MP e disse que vai se inteirar das informações para tomar providências. Ele disse ter sido citado indevidamente por terceiros e garantiu não ter praticado nenhum ato ilícito. Ainda reforçou desconhecer qualquer acusação de ilicitudes e garantiu que vai tomar medidas judiciais cabíveis no momento certo.

Já o deputado Júlio César (PRB) informou, via assessoria de imprensa, que providenciará as medidas necessárias para que os fatos sejam investigados. Explicou ter sido citado de forma indevida e garantiu não ter participado de nenhuma irregularidade. A assessoria de imprensa do deputado Cristiano Araújo (PSD) informou que o parlamentar não vai se pronunciar sobre investigações que estão sob sigilo. No entanto, refutou qualquer tentativa de envolvê-lo em práticas ilícitas e informou que se pronunciará no momento oportuno.

A deputada Celina Leão atacou Liliane Roriz e atribuiu as denúncias ao andamento de um pedido de cassação contra a parlamentar do PTB. “Ela foi alvo de três processos por quebra de decoro. Recentemente, mandamos para a Procuradoria da Casa, que pediu informações ao Tribunal de Justiça sobre o andamento dos processos contra ela. Acho que isso irritou a deputada”, afirma Celina. “Todos os áudios foram editados de maneira grotesca. Isso representa uma tentativa criminosa de sair dessa situação em que ela se encontrava”, acrescentou. A presidente da Câmara disse que vai colocar seus sigilos bancário e telefônico à disposição dos investigadores. Celina afirma ainda que o ofício original pedindo o remanejamento de recursos para o pagamento de UTIs é assinado por Liliane.

Na noite de ontem, o governador Rodrigo Rollemberg comentou o caso. “As revelações demonstram que essa CPI não tem a menor credibilidade de investigar a saúde. Queremos a investigação e entendemos que só uma instituição isenta, como o MP, tem condições de fazê-la”, comentou o chefe do Executivo.

Foro privilegiado
Os deputados distritais têm foro privilegiado e, por isso, as ações penais contra os parlamentares são julgadas pelo Conselho Especial do Tribunal de Justiça. As investigações e proposituras de ações criminais contra integrantes da Câmara Legislativa devem ser conduzidas pela Procuradoria-Geral de Justiça do MPDFT.

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