sábado, 13 de agosto de 2016

AMÉRICA LATINA Esquerda tem desafios para enfrentar ressurgimento da direita no continente

Em debate promovido pela Contag, professor Salvador Schavelzon diz que progressistas precisam fazer autocrítica sobre por que perderam bandeiras para a direita, como no caso da corrupção

por Redação RBA publicado 12/08/2016 19:28, última modificação 12/08/2016 19:34
Manifestação - Frente Brasil Popular
Para professor, "o que tem que ser reconstruído no atual contexto é a capacidade de reação nas ruas”
São Paulo – São enormes os desafios da esquerda da América Latina, e particularmente no Brasil, no contexto de retomada do poder por forças conservadoras no continente. Os desafios são grandes porque enfrentam o ressurgimento da proposta de se construir, a partir de interesses norte-americanos, um modelo como o da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), que volta à pauta latino-americana. No Brasil, esse projeto está contido na “Ponte para o Futuro”, que o governo interino de Michel Temer tenta implementar no país.
“Quando voltam os projetos do tipo Alca, é preciso uma reação multinível da esquerda. É preciso pensar, por exemplo, como o movimento sindical pode conseguir dialogar com movimentos como os protestos de junho de 2013 com sua ambiguidade difícil de entender”, disse o professor Salvador Schavelzon, pesquisador na Universidade Federal de São Paulo, no seminário “Internacional Movimentos Sociais e Educação Popular na América Latina: perspectivas e desafios da atualidade”, realizado hoje (12), em Brasília, promovido pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e a Escola Nacional de Formação (Enfoc).
No momento em que há uma crise do ciclo em que governos progressistas da América Latina trabalharam por reformas sociais de Estado, “não há um caminho claro (para a esquerda). É preciso tentar resistir o máximo possível ao que vem; como resistir e qual sociedade se quer construir, é parte do debate”, afirmou.
Schavelzon lembrou que, além do Brasil, a reversão política no continente se mostra clara na Argentina, com o “governo de direita” de Mauricio Macri. Na Bolívia e no Equador, ainda permanecem os governo progressistas, mas o presidente Evo Morales perdeu referendo e não poderá concorrer a novo mandato e, entre os equatorianos, há incertezas sobre o futuro de Rafael Correa.
Na Venezuela, a crise política cresce. O presidente da Contag, Alberto Broch, afirmou ser preciso refletir sobre “o que aconteceu na Argentina, o que está acontecendo no Brasil e o que vai acontecer na Venezuela”.
Para Schavelzon, a esquerda precisa fazer uma autocritica sobre o porquê de ter perdido bandeiras para a direita, principalmente no caso da corrupção. “Precisamos mostrar como a corrupção e o narcotráfico se vinculam aos cortes de direitos sociais como saúde e educação. Nossa resposta não pode ser apenas ataque à mídia golpista”, disse. “Na Venezuela, crescem as manifestações por bandeiras que deveriam ser da esquerda. O que tem que ser reconstruído é a capacidade de reação nas ruas.”
De acordo com ele, é preciso “construir alternativas que passem pela ideia” de que a política não pode ser feita apenas por “especialistas da política, parlamentares e funcionário públicos”. Os exemplos, disse, estão no cotidiano. “A questão do machismo, por exemplo, não vai ser resolvida de cima para baixo por especialistas. A ideia de autonomia tem de estar aliada à ideia de como se pode construir um contrapoder.”
Os desafios da esquerda, segundo Schavelzon, enfrentam ainda o debate sobre como as organizações clássicas, a exemplo dos sindicatos de trabalhadores, podem se relacionar com uma nova forma de organização “não clássica”.
Nesse contexto, o professor entende que a esquerda precisa compreender como se posicionar numa realidade em que há uma transformação das relações entre classes sociais. “As classes sociais têm mudado. Muitos trabalhadores não têm emprego. Os povos indígenas nem entram na produção. A produção industrial tem cada vez menos peso na economia. Hoje, a classe não é mais o que se entendia na teoria clássica.”
A tese tem sido evocada pelo economista Marcio Pochmann. “O problema é que estamos com dificuldade de mobilizar os trabalhadores e as grandes massas. Temos feito mobilizações com presença preponderante da classe média”, disse à RBA em junho.

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