postado em 11/08/2015 06:00 / atualizado em 11/08/2015 00:52
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e cardeal arcebispo de Brasília, dom Sergio da Rocha considera missão da Igreja participar da política. Mas a atuação segue os propósitos católicos, baseados na ética e no bem comum, diferentemente dos interesses partidários e corporativos que ditam governos e campanhas eleitorais. Atento observador da sociedade, o arcebispo afirma que, em tempos de crise, a Igreja tem de exercer o papel do profeta: questionar, transformar, sem receio de desagradar ao senso comum. Esse posicionamento explica a decepção com a atabalhoada reforma política conduzida no Congresso — “a gente esperava muito mais” — e a ressalva ao pacto pela governabilidade — “Um pacto não vai deixar de lado, por exemplo, a luta contra a corrupção”. A postura cristã também fundamenta a posição da CNBB contra a redução da maioridade penal, apesar da imensa vontade popular. Paulista da cidade de Dobrada, dom Sérgio diz “ter cabeça de cidade, mas coração rural”. Aos 55 anos, está encantado com a receptividade do brasiliense, em particular nas regiões mais simples. Mas chama a atenção para os problemas sociais. Cita em particular o drama dos imigrantes, que vêm de regiões conflituosas da Ásia e da África e vivem em condições precárias nas cidades do DF.
A CNBB se posicionou firmemente em favor da reforma política. Houve avanço?
A gente esperava muito mais. O assunto merecia ser muito mais discutido pela sociedade civil organizada. É claro que se trata de um tema complexo, permite diferentes posturas, mas não quer dizer que não era importante. Ou que a Igreja não tinha nada a ver com isso. É claro que a Igreja tem a ver com isso! Ninguém é cristão apenas dentro da Igreja, só dentro do templo. Nós somos cristãos fora dele, no dia a dia. A Igreja não pode ficar só na sacristia. Tem de sair, ir ao encontro das pessoas. Precisa ter a palavra dela. Não sei se o projeto da reforma política ainda consegue avançar, mas pelo nível da tramitação, é difícil esperar muito mais. E não é porque um assunto está há muito tempo no Congresso que ele deve ser resolvido logo. Por mais urgente que seja, se não há uma participação maior da sociedade, fica difícil ter esperança de que um projeto vai realmente atender à necessidade da população. É preciso escutar mais para tomar decisões sábias.
A corrupção é outro grave problema?
A corrupção também poderia ser superada com a ajuda de uma reforma política. Poder-se-ia ao menos prever melhor medidas que ao menos ajudariam a superar o problema da corrupção, que é uma praga. O próprio papa Francisco diz que a corrupção é uma praga que clama aos céus. É algo que destrói a vida das pessoas. O processo ainda não está concluído no Congresso; portanto, ainda não se pode perder a esperança.
O que fazer para melhorar?
Esse campo é muito delicado, qualquer coisa que se afirme é motivo de controvérsia. Por isso, a CNBB não dogmatizou a questão. Alguns entenderam de uma forma que não era adequada. A igreja não se manifestou ameaçando ninguém. Na verdade, era uma ocasião para refletir, para se informar mais, para participar mais da vida política. Política no Brasil está muito restrita a partidos. Não se pode ficar refém de partidos. O povo, as comunidades têm de participar. No caso da Igreja, é claro que não temos postura político-partidária. Insistimos na importância da participação. Por exemplo, a questão do financiamento de campanha: esse é ponto que precisa ser mais bem considerado. Converse com as pessoas — não precisa ser um especialista — e diga que uma determinada empresa ofereceu milhões para um determinado candidato. Nunca ouvi ninguém dizer que acreditava que isso era por patriotismo.
O poder econômico interfere?
Não estou dizendo que está tudo errado. Estou dizendo que, no mínimo, é de se questionar as intenções. Com tantas necessidades no país, com tantas obras assistenciais precisando de dinheiro, como é que alguém vai entender que uma empresa oferece tanto? A gente tem visto que, no fundo, essa questão tem, sim, relação com a corrupção.
A empresa deve doar?
A CNBB foi uma das mais de cem entidades que participaram dessa coalizão em favor da reforma política. Ali a postura é contrária ao financiamento por parte de empresas. Se não se criar uma nova forma de fazer política no Brasil, é muito complicado a gente continuar com esse esquema baseado em interesse mais particular, de grupos, de bancada. Precisamos criar mecanismos legais para que a política, os políticos, as autoridades coloquem o bem comum acima de tudo. Muitas vezes vemos brigas tremendas, mas nem sempre esses conflitos são por causa do bem do povo. São por interesses de grupos. Seria bom que brigassem por interesse público.
O movimento do Ministério Público e da Polícia Federal, com a Operação Lava-Jato, é uma tentativa de mudança para que a corrupção não continue sendo uma praga?
Creio que essas entidades têm dado um contribuição muito importante. Permitem uma nova maneira de pensar política, de fazer política, de resgatar a ética. Esperamos que possa surgir um novo modo de fazer política desse processo doloroso que estamos vivendo. O povo já não aguenta mais tanta corrupção.
As mídias sociais ajudam na politização da população?
Elas têm um alcance imenso, mas há uma ambiguidade presente. Insistimos para que essa crise política e econômica não descambe em uma crise institucional, pondo em risco a ordem democrática. É importante, em momentos de crise, que haja diálogo, respeito entre as instituições. E o que acontece nas redes sociais? Delas sai de tudo. As redes sociais não são território imune, sob o ponto de vista moral. Ao contrário, ali também podem se expressar posturas, atitudes, propostas que não são convenientes.
Alguns grupos falam em um grande pacto para manter a governabilidade. A CNBB está pronta a integrar algum desses grupos?
Depende do que se entende por pacto, que é uma palavra de múltiplos significados. Hoje nós estamos em um momento de polarização política muito forte e com uma diversidade muito grande de partidos. Temos contato com diversas autoridades, inclusive a presidente da República. Tivemos esse momento inicial de diálogo e continuamos dispostos a dialogar para buscar o melhor ao nosso povo. Mas creio que qualquer pacto jamais vai sacrificar a verdade ou a justiça. Ao contrário, um pacto não vai deixar de lado, por exemplo, a luta contra a corrupção. O que significa, então, esse pacto? É colocar o bem do povo acima de qualquer interesse particular, partidário etc. Preocupa muito esse jeito corporativista de fazer política.
Está cada vez mais arraigado?
Sim, e com isso fica muito difícil superar aquilo que está na raiz da corrupção, que é esse tomá lá dá cá. A coisa pública fica em um segundo plano, e os interesses partidários, pessoais ou de grupos prevalecem. Sempre haverá a necessidade de vigilância, com a Justiça Eleitoral e a Polícia Federal, por exemplo. Mas eu diria que o primeiro juiz deveria ser o eleitor. Se o povo tivesse um pouco mais de discernimento na época da eleição, daria menos trabalho para a Justiça Eleitoral. Se o primeiro tribunal fosse a consciência do eleitor, restaria menos trabalho para os tribunais que cuidam de tudo isso. É lógico que nunca haverá eleitores perfeitos, com discernimento pleno. Mas nada exclui de ter uma reflexão mais séria.
A Igreja pode ajudar nisso. Na verdade, sempre ajudou.
A Igreja ajuda, e alguns até acham que a CNBB ajuda demais, que ela interfere além da conta. A CNBB não tem postura político-partidária. Se um ponto ou outro de seu ensinamento e de suas práticas coincidir com a de algum partido, não é por opção nossa. A CNBB, desde os seus inícios, foi objeto de questionamento, de discordância. Em outros períodos da nossa história, a CNBB também era questionada, e sempre será. Mas, se ela for questionada por fidelidade a Cristo, a valores éticos, é até melhor.
Essa postura mais crítica, de maior conscientização, será uma característica de seu mandato?
Acredito que estamos dando continuidade ao que já se fazia anteriormente. O que acontece é que o momento que temos vivido tem levado a CNBB a pronunciamentos. O que estamos fazendo agora é ter presente essa missão da Igreja nas atuais circunstâncias, de crise. Crise exige mais profetismo. Só que é preciso cuidado: se pegarmos a palavra crise nas suas origens, ela tem o sentido de purificar para surgir algo novo. Nós estamos esperando que desse processo todo, que é doloroso, possa surgir um novo jeito de fazer política, um novo jeito de servir o povo.
A sociedade assiste a dois movimentos muito fortes. Ao mesmo tempo em que o STF legitima a união homossexual, existem setores que defendem de forma veemente a família tradicional. Qual é a posição da CNBB e da Arquidiocese nesse debate?
A posição da Igreja tem sido muito clara porque até o momento não houve alteração doutrinária. A mudança não tem sido doutrinal, tem sido pastoral. Quando se fala de matrimônio, tem-se presente o homem e a mulher que se unem dentro das condições da Igreja. O que tem-se discutido é a questão de direitos civis. A Igreja tem insistido que não se pode equiparar o conceito de matrimônio como base da família e que dá base para o sacramento. A Igreja é contra qualquer forma de discriminação injusta, mas é preciso que se reafirme o valor do matrimônio fundamentando a vida familiar.
Essa visão da Igreja, a seu ver, é um avanço?
Há grupos que aceitam e até vão além, mas há grupos, dentro da Igreja inclusive, que têm dificuldade com essa postura defendida pelo papa.
Daí a necessidade de se fazer uma coisa mais lenta?
Olha, a Igreja tem uma tradição milenar. Nas diferentes épocas, mas a Igreja às vezes enfatiza um aspecto. O que existe são mudanças pastorais. É claro que é preciso uma fundamentação teológica. Sem um alicerce, uma casa não fica em pé. Para ter novas posturas, é preciso trabalhar e aprofundar os fundamentos, que são bíblicos, teológicos, filosóficos, antropológicos. Por quê? Por trás dessa e de outras discussões, existem diferentes concepções de pessoa humana. O critério pastoral da Igreja não é agradar ao mercado. Isso é perigoso. Para agradar ao mercado, nós nos transformaríamos em uma religião de mercado. Seríamos uma empresa que oferece um produto que o mercado quer. Se amanhã os “consumidores de religião” quiserem algo diferente, nós não podemos simplesmente ir a reboque do mercado. Lógico que a Igreja tem de considerar as situações concretas, as aspirações, os problemas, as mudanças efetivas na sociedade e na cultura. Mas a Igreja não pode mudar simplesmente porque há um gosto para lá ou para cá, senão nós entraríamos no âmbito da moda.
Isso explicaria, então, a CNBB se posicionar contra a redução da maioridade penal, diferentemente da maioria da população brasileira?
Sim. Se nosso critério fosse seguir aquilo que a maioria pensa, então é claro que não teríamos posturas proféticas. O profetismo é sempre uma palavra que questiona. A palavra profética é questionadora, é transformadora. Quando você quer agradar pura e simplesmente, você diz: “Bom, já que todo mundo está assim, vamos por aí”. Sobre a maioridade penal, lamentavelmente têm faltado dados mais efetivos a respeito da realidade. Têm havido discussões acaloradas no Congresso, mas faltam dados. E aí entra um fator que pesa. Há, de fato, situações, crimes, que comovem as pessoas. Então a tendência de muita gente é responder emocionalmente. Nós somos solidários com quem sofre, com as vítimas da violência. Sabemos que há famílias que vivem dramas terríveis, sejam praticados por maior ou menor. Nós nos compadecemos, não quer dizer que não temos coração. Acontece que se deixar levar pela comoção diante de certos fatos não é suficiente para mudar a legislação brasileira.
Há uma falsa impressão de que encarcerar jovens vai resolver o problema da criminalidade.
A nota da CNBB usa a palavra “equívoco”, de forma respeitosa, porque pode haver no meio da discussão gente muito bem-intencionada. Não estamos dizendo que as pessoas que defendem a redução são maldosas. Mas temos insistido que se coloquem em prática as medidas socioeducativas já previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente. O ECA não tem sido devidamente aplicado. As autoridades têm o seu papel nisso. É preciso políticas públicas para a criança e o adolescente. Nós precisamos investir em escola, pelo amor de Deus! Na mesma nota da CNBB, nós da Igreja nos dispusemos, como comunidade, a ser um espaço para ações socioeducativas, esportivas, culturais. A juventude precisa disso. Acho muito triste se responsabilizar. É como se o problema da criminalidade e da violência tivesse a ver com os menores: uma vez reduzindo a maioridade, o problema estaria resolvido. É aí que está o equívoco. E ainda tem o nosso sistema carcerário. Ele está em situação tal que não dá para dizer que vai educar e formar um adolescente.
Houve muitas críticas à nota e até a utilização indevida por parte de parlamentares. No momento em que a democratização da informação possibilita o surgimento de críticas mais pesadas, a Igreja tem trabalhado de uma forma diferente para fazer esses comunicados?
Procuramos comunicar nossa postura, respeitando a pluralidade que possa existir. No caso da maioridade penal, a Igreja reflete seriamente, a partir de valores éticos, a dignidade do adolescente, o valor da criança. As pessoas podem dizer: “Ah, mas ele é menor infrator, ele está em conflito com a lei”. Sim, mas não perde a dignidade. Aí está o problema. Muitos entendem que dignidade depende de condições. Então um morador de rua não tem dignidade nenhuma? Não tem direito nenhum, pode fazer dele o que quiser? No caso do adolescente infrator, vá ouvir a mãe dele. De um modo geral, eles são vítimas de violência da sociedade.
Durante muito tempo a Igreja se afastou, mas agora há uma reaproximação com os fiéis. Qual é a importância desse reencontro no DF?
A vida em comunidade tem crescido cada vez mais. Isso é muito importante não só para a sociedade, mas também para a igreja. Aquele estilo tradicional de grande paróquia, centralizada na matriz, não costuma dar resultado pastoral, não favorece a vida comunitária. Na medida em que nós vamos valorizando comunidades — com capela ou sem capela —, nós estamos tendo um fenômeno no DF que faz recordar os inícios do Cristianismo. Durante 300 anos, a Igreja existiu nas casas. Nós não tínhamos templos. Tínhamos a igreja acontecendo em residências, sobretudo naquele período em que era proibido se manifestar publicamente. Hoje, também pela nova maneira de se organizar a cidade — existem condomínios que não permitem a construção de igreja —, precisamos cultivar ainda mais a igreja como comunidade pequena. É preciso oferecer a experiência de Deus por meio da oração, mas é também preciso um espaço de vida fraterna. As pessoas vivem muito sofridas. Às vezes nas suas casas, nas suas famílias, não têm essa experiência.
O senhor tem encontrado muitas famílias fragmentadas?
Temos encontrado, e a Igreja está muito preocupada. Tanto que teremos em outubro, em Roma, o Sínodo sobre a Família. Devo ser um dos quatro bispos que representarão o Brasil. Passaremos um período longo com o Papa e outros bispos do mundo. Estamos preocupados porque vemos isso na prática. Encontramos famílias muito fragilizadas, não só nos laços internos. As pessoas são muito sofridas também em consequência de problemas sociais — tem muita violência, o que leva as pessoas a um estilo de vida muito triste.
Há problemas no lar também?
O problema da família fragilizada tem a ver com o dia a dia dos membros. As pessoas não se encontram mais. É lamentável. Antes, ao menos havia uma refeição dominical... Então a família vai enfraquecendo e as pessoas perdem uma referência fundamental. A igreja fica preocupada, mas não queremos ficar apenas no sentimento. Estamos buscando entender melhor a situação do matrimônio da família e, a partir daí, oferecer a nossa contribuição. Um dos aspectos importantes é a Igreja se apresentar como família. E não como uma instituição burocrática.
O papa Francisco é muito aberto em relação à família, não?
Na verdade, o Papa e a Igreja em seus documentos têm reafirmado a importância da família. Respeita-se essa pluralidade de situações na sociedade, mas não se perdeu e não se quer perder de modo algum o referencial bíblico. A primeira fonte para o trabalho pastoral e para a reflexão teológica é a fonte bíblica. Embora haja muita mudança cultural, a família não deixa de ter o seu papel. O papa quer é que a Igreja esteja atenta a essas diversas situações.
Como as pessoas em segunda união?
Exatamente. A Igreja está procurando servir cada vez melhor essas pessoas, de forma que elas se sintam amadas por Deus e acolhidas pela igreja. Porém, a igreja não deixa de propor o valor da fidelidade conjugal, da perenidade do matrimônio. Para aqueles que não têm conseguido alcançar esses valores ou a vivência desses valores, o papa tem insistido na misericórdia — tanto que ele instituiu o ano da misericórdia — na atenção e na acolhida a essas pessoas. A Igreja procura oferecer acolhimento, mas sem deixar de ser fiel aos valores que recebemos da Sagrada Escritura e da tradição da Igreja Católica.
Essa mesma compreensão se estende aos homossexuais?
A questão da homossexualidade precisa ser considerada como tal. Não é de agora que a Igreja começou a tratar desse assunto ou a ter uma postura pastoral de atenção maior, de acolhida, de misericórdia. Em 1986, um documento muito interessante e pouco conhecido foi publicado pela Congregação pela Doutrina da Fé, então presidida pelo cardeal Ratzinger, depois papa Bento. O título era O cuidado pastoral das pessoas homossexuais. Já se procurava dar mais atenção, compreender, acolher essas pessoas de tal modo que elas também se sentissem amadas por Deus e pela Igreja. Hoje o papa Francisco, naturalmente, tem enfatizado a misericórdia nos vários relacionamentos humanos.
Por que?
É importante considerar que uma pessoa tem o seu valor, sua dignidade inerente à natureza dela. A Igreja defende que a dignidade de uma pessoa é incondicional. Não pode depender de condições sociais, por exemplo, ou de sexualidade. Por isso uma pessoa homossexual, enquanto ser humano, deve ser respeitada, valorizada, acolhida. Agora é claro que a Igreja sempre propôs para as pessoas das mais diferentes condições, inclusive homossexuais, o Evangelho, a palavra de Deus, uma vida moralmente reta, a ética nos relacionamentos humanos, a ética na sexualidade. Não quer dizer que pelo fato de a Igreja ou do papa atual estar compreendendo cada vez melhor essas pessoas que a Igreja vá dizer “cada um faz o que quer, vive como quer”.
Enxerga uma política diferente aqui no governo do DF?
Uma política diferente, em primeiro lugar, precisa se pautar pela honestidade. Sobretudo no uso dos recursos públicos. Segundo, tem de se considerar a justiça social, até que ponto as medidas tomadas efetivamente ajudam os mais pobres. Isso exige políticas públicas concretas, não apenas desejo. E o terceiro ponto: o diálogo com a sociedade precisa acontecer. Eu me alegro aqui no DF porque o governador tem mostrado abertura para o diálogo e para parcerias. Como a Igreja tem uma atuação ampla no campo social, no serviço da caridade, nós esperamos que esse novo jeito de fazer política implique o uso de recursos públicos que priorize essas áreas.
O senhor destaca alguma parceria?
Um dos pontos fortes é o serviço prestado à população de rua. É um projeto que já vem vindo, mas que recebeu um novo apoio. A Igreja, por meio da Casa Santo André, no Gama, tem atuado bastante nesse campo. Mas nós temos creches, escolas, asilos... a Igreja tem um número imenso de obras sociais que necessitam também do apoio público. Necessitam de parcerias, não de privilégios.
A situação dos imigrantes o preocupa?
Esse é outro ponto que gostaria de destacar. É preciso dar muito mais atenção a esse fenômeno, que está crescendo no DF. São pessoas que vêm de regiões pobres, sofridas ou em conflito — Ásia, África, Oriente Médio. Estamos recebendo um número muito grande de imigrantes, e eles se concentram em algumas áreas, uma delas é Samambaia. A Comissão de Justiça e Paz da arquidiocese tem acompanhado muito de perto essa realidade, e estamos procurando oferecer a nossa ajuda. Aí está um campo inteiramente novo, e desejamos mais parcerias. É claro que é um problema em nível nacional. Mas em nível local, independentemente disso, essas pessoas estão aí. Chegam de uma forma que às vezes não é muito clara e vivem de uma forma muito limitada, com direitos muito restritos. Muitas vêm de situações de conflito político religioso ou de guerras, então é difícil para elas encontrar ajuda até nas suas representações diplomáticas. Quem é que cuida dessa gente? Elas ficam como se fossem pessoas que não olham por elas.
Brasília é uma cidade diversa e plural?
Sem dúvida. Nós estamos em uma época em que, no mundo — veja a Europa, parte dos Estados Unidos —, um dos grandes desafios é a convivência pacífica entre pessoas de origens e culturas diversas. Eu acho tão bonito! Quando encontramos isso na nossa cidade, precisamos valorizar. Mas não vejo essa característica de Brasília ressaltada fora daqui. Você sai de Brasília e não é muito comum as pessoas falarem desse aspecto. É como se aqui não tivesse coisa boa. Se uma capital federal tem essa virtude, temos de valorizar. Então eu me sinto já brasiliense nesse sentido.
O senhor gosta de fazer caminhada, sair pela cidade?
Eu insisto no seguinte — e isso não é apenas postura pessoal. É postura pastoral. Não se conhece a realidade do povo, da Igreja, das famílias ficando dentro da casa paroquial ou dentro do carro. Há uma diferença imensa. Percorrer a rua, entrar nas casas, conversar com as pessoas, ouvi-las, é muito diferente. Eu valorizo estatísticas, mas números não substituem pessoas. Mesmo com pesquisas para conhecer a realidade, você só a conhece caminhando no meio das pessoas, estando com elas. E isso seria muito bom, por exemplo, da parte dos políticos ou de quem exerce o poder público. Geralmente, essa proximidade do povo se dá em época de eleição. Como é que alguém vai defender interesses efetivos da população se não estiver próximo?
Depois da eleição, todos somem.
É uma pena. Na Igreja, o papa Francisco tem estimulado os bispos, os padres, a terem a atitude de estar com o povo. Amar uma pessoa de longe pode ter algum valor. Mas é pouco.
O que o encanta em Brasília?
Essa mistura de gente de toda parte do país. A convivência respeitosa que, de modo geral, podemos observar. Tem gente do Brasil inteiro, tem gente de fora do Brasil, e a convivência é muito boa. É uma das virtudes de Brasília. Quando vou para fora e se fala de Brasília, o pessoal sempre pensa em problemas, em mazelas, em coisas políticas. Mas há uma coisa em Brasília muito bonita: aqui parece uma grande família. Veja, por exemplo, Ceilândia. É claro que há bastante gente do Nordeste, mas vem gente de toda parte. Cada grupinho que você encontra, você pergunta, cada um é de um lugar.
Qual é sua avaliação após quatro anos à frente da arquidiocese?
Destaco dois aspectos. O primeiro é esse, da presença da igreja na sociedade. O que nós fizemos até agora vale, traz esperança, mas ainda temos muito pela frente. O segundo aspecto é o de missão. A igreja missionária não fica fechada sobre si. Olha para além dos muros. Olha para os mais feridos, os mais sofridos. E, por último, há alguns campos que ainda não conseguimos trabalhar direito, e que estamos insistindo. Por exemplo: o campo das artes, da cultura, do esporte. A evangelização de quem está no mundo artístico e esportivo é necessária pelo seguinte: quem está ali precisa de Deus. Se é gente, precisa de Deus.
Alguma atividade a mais?
Temos tido aqui na arquidiocese as conversas de Justiça e Paz. Elas acontecem aqui no auditório da Cúria, que tem o nome do nosso caríssimo cardeal Dom Falcão. Elas acontecem na primeira segunda-feira do mês. Por que isso é muito bom? Primeiro porque nós não precisamos apenas de diálogo, precisamos instituir mecanismos de diálogo. E não é um diálogo igrejeiro. Pelo contrário, tem sido sempre situação social, política, cultural. Na última vez foi sobre tolerância. O governador já esteve nessas conversas, ministros já vieram, assim como secretários de estado, especialistas e estudiosos. É um espaço modesto porque não atinge todo mundo, mas é fermento na massa, uma luzinha para iluminar o caminho. E temos também as pastorais sociais, que têm se fortalecido. Temos a Pastoral do Menor (nem todo mundo aceita o nome, mas tem sido esse), a Pastoral Carcerária, da Saúde, da Criança. Tem crescido essa presença da Igreja na sociedade, mas ainda estamos muito longe do ideal.
O trabalho pastoral é a sua marca mais importante?
Creio que sim, com simplicidade, com modéstia. O trabalho pastoral é um dos valores que a Arquidiocese de Brasília está cultivando nos últimos anos. Eu cheguei com uma experiência de contato mais direto com o povo no Nordeste. Durante seis anos, fui bispo auxiliar de Fortaleza. Vocês podem imaginar o que é viver no Ceará, conhecer o povo do interior e da capital. Depois fui arcebispo de Teresina por cinco anos. Foram onze anos em que, graças a Deus, aprendi muito com a Igreja no Nordeste e com o povo nordestino. Esse aproximar-se, esse acolher de maneira mais efetiva — ainda não aprendi totalmente, estou aprendendo ainda — a generosidade, a simplicidade, são coisas que aprendi muito lá.
Isso determinou o trabalho pastoral no DF?
Sim. Desde a minha chegada, comecei organizar essas visitas paroquiais. Elas têm um sentido grande para o bispo conhecer a paróquia e o povo. Eu insisti muito que o bispo não fosse sozinho. Que fosse acompanhado pelos padres da região ali visitada, e pelos leigos, leigas. Na Paróquia Santo Antônio, em Ceilândia, mais de 600 pessoas estão colaborando, de porta em porta. Hoje (sexta-feira) eu visitei creches, visitei hospital. Fiquei admirado com a acolhida das pessoas.
Por que?
Eu me surpreendi porque não esperava que houvesse abertura para esse tipo de atividade pastoral numa cidade tão grande. Claro que o estilo de vida é urbano de modo geral, e na grande cidade, esse tipo de proximidade pode não ser favorecido. Brasília se caracteriza por essa convivência de gente de todo lado.
Como é o estilo pessoal de dom Sergio?
Sempre procurei ser muito simples, e acho que isso é em razão das minhas origens. Tenho cabeça de cidade, mas coração rural. A vida no interior era muito simples, de quem dava mais valor ao estar junto, ao conviver, ao caminhar junto, ao trabalhar junto do que a ter muitos bens de consumo. Hoje o padrão de vida está pesando. Os bens de consumo pesam mais do que qualquer ouro valor. Uma pessoa acha que para ser feliz precisa comprar muitas coisas, e ela nunca é feliz assim. Nunca vai saciar essa sede.
O senhor imagina algum dia um papa brasileiro?
Nós primeiramente tivemos a surpresa feliz de um papa latino-americano. Vejo sim, com esperança, que outros possam sair da América Latina. Necessariamente do Brasil, não sei. Mas creio que ficou mais claro que é possível sim que um papa tenha sua origem na América Latina e que dê uma contribuição imensa para a Igreja.
E sobre a vocação de jovens?
As vocações estão surgindo mais da comunidade, não tanto das famílias. Às vezes a família do menino nem atua muito da paróquia, mas ele, por alguma razão, participa. E ninguém entra mais novinho. O seminário daqui só aceita para o ensino superior, nos cursos de filosofia e de teologia. E exige-se que todos participem da paróquia. Mas em Brasília há um fenômeno. Estou construindo um novo seminário, o chamado propedêutico, porque não cabe mais tanta gente interessada. Sabem quantos meninos querem entrar por ano no seminário? Cerca de cem! Desse total, estamos recebendo por ano de 20 a 25 novos seminaristas em Brasília. Nós somos rigorosos na seleção e no acompanhamento — para o bem deles. Isso é sinal de que a Igreja em Brasília é viva.
Eu já me sinto um brasiliense
"Quando eu saio de Brasília, sinto falta. Quando a gente está fora de uma cidade e sente que precisa voltar para estar em casa, é porque já é de casa. De origem, sou caipira do interior de São Paulo, mas trago no coração muito o Nordeste. E aqui eu me sinto em casa também porque sempre me encontro no meio de muitos nordestinos. Uma das coisas que inicialmente as pessoas podem estranhar, sobretudo no Plano Piloto, mas depois veem que é um dos grandes valores de Brasília, é a área espaçosa, o verde. Você vai a uma cidade grande, como outras capitais, fica sufocado entre os prédios. Não se pode perder isso, de preservar esse valor de Brasília. Mas eu já sinto falta é do povo mesmo. É muito bom estar nas nossas comunidades. E gosto também de estar nas comunidades do Plano Piloto, viu? Aqui tem muita vida, ao contrário do que alguns imaginam. Vida de igreja! Nos blocos, nos prédios...além das paróquias e das capelas, há comunidades pequenas nos blocos e nas quadras. Gente que se reúne para rezar, para ler a Bíblia, para comemorar aniversário. E, finalmente, sinto muita falta da Catedral. Acho que Brasília poderia ser cada vez mais representada pela Catedral, porque são mãos, são braços que se elevam para o infinito, para Deus, conforme o próprio Niemeyer dizia. O Distrito Federal seria marcado pela abertura ao infinito, a Deus, Àquele que dá sentido maior para a nossa vida. São as mãos em oração. Por um lado, não está representado lá diretamente, mas essas mãos também acolhem, são estendidas. A Catedral expressa melhor essas mãos erguidas, as mãos para Deus. Mas eu diria que dá para você entender também essas mãos como acolhida.
A CNBB se posicionou firmemente em favor da reforma política. Houve avanço?
A gente esperava muito mais. O assunto merecia ser muito mais discutido pela sociedade civil organizada. É claro que se trata de um tema complexo, permite diferentes posturas, mas não quer dizer que não era importante. Ou que a Igreja não tinha nada a ver com isso. É claro que a Igreja tem a ver com isso! Ninguém é cristão apenas dentro da Igreja, só dentro do templo. Nós somos cristãos fora dele, no dia a dia. A Igreja não pode ficar só na sacristia. Tem de sair, ir ao encontro das pessoas. Precisa ter a palavra dela. Não sei se o projeto da reforma política ainda consegue avançar, mas pelo nível da tramitação, é difícil esperar muito mais. E não é porque um assunto está há muito tempo no Congresso que ele deve ser resolvido logo. Por mais urgente que seja, se não há uma participação maior da sociedade, fica difícil ter esperança de que um projeto vai realmente atender à necessidade da população. É preciso escutar mais para tomar decisões sábias.
A corrupção é outro grave problema?
A corrupção também poderia ser superada com a ajuda de uma reforma política. Poder-se-ia ao menos prever melhor medidas que ao menos ajudariam a superar o problema da corrupção, que é uma praga. O próprio papa Francisco diz que a corrupção é uma praga que clama aos céus. É algo que destrói a vida das pessoas. O processo ainda não está concluído no Congresso; portanto, ainda não se pode perder a esperança.
O que fazer para melhorar?
Esse campo é muito delicado, qualquer coisa que se afirme é motivo de controvérsia. Por isso, a CNBB não dogmatizou a questão. Alguns entenderam de uma forma que não era adequada. A igreja não se manifestou ameaçando ninguém. Na verdade, era uma ocasião para refletir, para se informar mais, para participar mais da vida política. Política no Brasil está muito restrita a partidos. Não se pode ficar refém de partidos. O povo, as comunidades têm de participar. No caso da Igreja, é claro que não temos postura político-partidária. Insistimos na importância da participação. Por exemplo, a questão do financiamento de campanha: esse é ponto que precisa ser mais bem considerado. Converse com as pessoas — não precisa ser um especialista — e diga que uma determinada empresa ofereceu milhões para um determinado candidato. Nunca ouvi ninguém dizer que acreditava que isso era por patriotismo.
O poder econômico interfere?
Não estou dizendo que está tudo errado. Estou dizendo que, no mínimo, é de se questionar as intenções. Com tantas necessidades no país, com tantas obras assistenciais precisando de dinheiro, como é que alguém vai entender que uma empresa oferece tanto? A gente tem visto que, no fundo, essa questão tem, sim, relação com a corrupção.
A empresa deve doar?
A CNBB foi uma das mais de cem entidades que participaram dessa coalizão em favor da reforma política. Ali a postura é contrária ao financiamento por parte de empresas. Se não se criar uma nova forma de fazer política no Brasil, é muito complicado a gente continuar com esse esquema baseado em interesse mais particular, de grupos, de bancada. Precisamos criar mecanismos legais para que a política, os políticos, as autoridades coloquem o bem comum acima de tudo. Muitas vezes vemos brigas tremendas, mas nem sempre esses conflitos são por causa do bem do povo. São por interesses de grupos. Seria bom que brigassem por interesse público.
O movimento do Ministério Público e da Polícia Federal, com a Operação Lava-Jato, é uma tentativa de mudança para que a corrupção não continue sendo uma praga?
Creio que essas entidades têm dado um contribuição muito importante. Permitem uma nova maneira de pensar política, de fazer política, de resgatar a ética. Esperamos que possa surgir um novo modo de fazer política desse processo doloroso que estamos vivendo. O povo já não aguenta mais tanta corrupção.
As mídias sociais ajudam na politização da população?
Elas têm um alcance imenso, mas há uma ambiguidade presente. Insistimos para que essa crise política e econômica não descambe em uma crise institucional, pondo em risco a ordem democrática. É importante, em momentos de crise, que haja diálogo, respeito entre as instituições. E o que acontece nas redes sociais? Delas sai de tudo. As redes sociais não são território imune, sob o ponto de vista moral. Ao contrário, ali também podem se expressar posturas, atitudes, propostas que não são convenientes.
Alguns grupos falam em um grande pacto para manter a governabilidade. A CNBB está pronta a integrar algum desses grupos?
Depende do que se entende por pacto, que é uma palavra de múltiplos significados. Hoje nós estamos em um momento de polarização política muito forte e com uma diversidade muito grande de partidos. Temos contato com diversas autoridades, inclusive a presidente da República. Tivemos esse momento inicial de diálogo e continuamos dispostos a dialogar para buscar o melhor ao nosso povo. Mas creio que qualquer pacto jamais vai sacrificar a verdade ou a justiça. Ao contrário, um pacto não vai deixar de lado, por exemplo, a luta contra a corrupção. O que significa, então, esse pacto? É colocar o bem do povo acima de qualquer interesse particular, partidário etc. Preocupa muito esse jeito corporativista de fazer política.
Está cada vez mais arraigado?
Sim, e com isso fica muito difícil superar aquilo que está na raiz da corrupção, que é esse tomá lá dá cá. A coisa pública fica em um segundo plano, e os interesses partidários, pessoais ou de grupos prevalecem. Sempre haverá a necessidade de vigilância, com a Justiça Eleitoral e a Polícia Federal, por exemplo. Mas eu diria que o primeiro juiz deveria ser o eleitor. Se o povo tivesse um pouco mais de discernimento na época da eleição, daria menos trabalho para a Justiça Eleitoral. Se o primeiro tribunal fosse a consciência do eleitor, restaria menos trabalho para os tribunais que cuidam de tudo isso. É lógico que nunca haverá eleitores perfeitos, com discernimento pleno. Mas nada exclui de ter uma reflexão mais séria.
A Igreja pode ajudar nisso. Na verdade, sempre ajudou.
A Igreja ajuda, e alguns até acham que a CNBB ajuda demais, que ela interfere além da conta. A CNBB não tem postura político-partidária. Se um ponto ou outro de seu ensinamento e de suas práticas coincidir com a de algum partido, não é por opção nossa. A CNBB, desde os seus inícios, foi objeto de questionamento, de discordância. Em outros períodos da nossa história, a CNBB também era questionada, e sempre será. Mas, se ela for questionada por fidelidade a Cristo, a valores éticos, é até melhor.
Essa postura mais crítica, de maior conscientização, será uma característica de seu mandato?
Acredito que estamos dando continuidade ao que já se fazia anteriormente. O que acontece é que o momento que temos vivido tem levado a CNBB a pronunciamentos. O que estamos fazendo agora é ter presente essa missão da Igreja nas atuais circunstâncias, de crise. Crise exige mais profetismo. Só que é preciso cuidado: se pegarmos a palavra crise nas suas origens, ela tem o sentido de purificar para surgir algo novo. Nós estamos esperando que desse processo todo, que é doloroso, possa surgir um novo jeito de fazer política, um novo jeito de servir o povo.
A sociedade assiste a dois movimentos muito fortes. Ao mesmo tempo em que o STF legitima a união homossexual, existem setores que defendem de forma veemente a família tradicional. Qual é a posição da CNBB e da Arquidiocese nesse debate?
A posição da Igreja tem sido muito clara porque até o momento não houve alteração doutrinária. A mudança não tem sido doutrinal, tem sido pastoral. Quando se fala de matrimônio, tem-se presente o homem e a mulher que se unem dentro das condições da Igreja. O que tem-se discutido é a questão de direitos civis. A Igreja tem insistido que não se pode equiparar o conceito de matrimônio como base da família e que dá base para o sacramento. A Igreja é contra qualquer forma de discriminação injusta, mas é preciso que se reafirme o valor do matrimônio fundamentando a vida familiar.
Essa visão da Igreja, a seu ver, é um avanço?
Há grupos que aceitam e até vão além, mas há grupos, dentro da Igreja inclusive, que têm dificuldade com essa postura defendida pelo papa.
Daí a necessidade de se fazer uma coisa mais lenta?
Olha, a Igreja tem uma tradição milenar. Nas diferentes épocas, mas a Igreja às vezes enfatiza um aspecto. O que existe são mudanças pastorais. É claro que é preciso uma fundamentação teológica. Sem um alicerce, uma casa não fica em pé. Para ter novas posturas, é preciso trabalhar e aprofundar os fundamentos, que são bíblicos, teológicos, filosóficos, antropológicos. Por quê? Por trás dessa e de outras discussões, existem diferentes concepções de pessoa humana. O critério pastoral da Igreja não é agradar ao mercado. Isso é perigoso. Para agradar ao mercado, nós nos transformaríamos em uma religião de mercado. Seríamos uma empresa que oferece um produto que o mercado quer. Se amanhã os “consumidores de religião” quiserem algo diferente, nós não podemos simplesmente ir a reboque do mercado. Lógico que a Igreja tem de considerar as situações concretas, as aspirações, os problemas, as mudanças efetivas na sociedade e na cultura. Mas a Igreja não pode mudar simplesmente porque há um gosto para lá ou para cá, senão nós entraríamos no âmbito da moda.
Isso explicaria, então, a CNBB se posicionar contra a redução da maioridade penal, diferentemente da maioria da população brasileira?
Sim. Se nosso critério fosse seguir aquilo que a maioria pensa, então é claro que não teríamos posturas proféticas. O profetismo é sempre uma palavra que questiona. A palavra profética é questionadora, é transformadora. Quando você quer agradar pura e simplesmente, você diz: “Bom, já que todo mundo está assim, vamos por aí”. Sobre a maioridade penal, lamentavelmente têm faltado dados mais efetivos a respeito da realidade. Têm havido discussões acaloradas no Congresso, mas faltam dados. E aí entra um fator que pesa. Há, de fato, situações, crimes, que comovem as pessoas. Então a tendência de muita gente é responder emocionalmente. Nós somos solidários com quem sofre, com as vítimas da violência. Sabemos que há famílias que vivem dramas terríveis, sejam praticados por maior ou menor. Nós nos compadecemos, não quer dizer que não temos coração. Acontece que se deixar levar pela comoção diante de certos fatos não é suficiente para mudar a legislação brasileira.
Há uma falsa impressão de que encarcerar jovens vai resolver o problema da criminalidade.
A nota da CNBB usa a palavra “equívoco”, de forma respeitosa, porque pode haver no meio da discussão gente muito bem-intencionada. Não estamos dizendo que as pessoas que defendem a redução são maldosas. Mas temos insistido que se coloquem em prática as medidas socioeducativas já previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente. O ECA não tem sido devidamente aplicado. As autoridades têm o seu papel nisso. É preciso políticas públicas para a criança e o adolescente. Nós precisamos investir em escola, pelo amor de Deus! Na mesma nota da CNBB, nós da Igreja nos dispusemos, como comunidade, a ser um espaço para ações socioeducativas, esportivas, culturais. A juventude precisa disso. Acho muito triste se responsabilizar. É como se o problema da criminalidade e da violência tivesse a ver com os menores: uma vez reduzindo a maioridade, o problema estaria resolvido. É aí que está o equívoco. E ainda tem o nosso sistema carcerário. Ele está em situação tal que não dá para dizer que vai educar e formar um adolescente.
Houve muitas críticas à nota e até a utilização indevida por parte de parlamentares. No momento em que a democratização da informação possibilita o surgimento de críticas mais pesadas, a Igreja tem trabalhado de uma forma diferente para fazer esses comunicados?
Procuramos comunicar nossa postura, respeitando a pluralidade que possa existir. No caso da maioridade penal, a Igreja reflete seriamente, a partir de valores éticos, a dignidade do adolescente, o valor da criança. As pessoas podem dizer: “Ah, mas ele é menor infrator, ele está em conflito com a lei”. Sim, mas não perde a dignidade. Aí está o problema. Muitos entendem que dignidade depende de condições. Então um morador de rua não tem dignidade nenhuma? Não tem direito nenhum, pode fazer dele o que quiser? No caso do adolescente infrator, vá ouvir a mãe dele. De um modo geral, eles são vítimas de violência da sociedade.
Durante muito tempo a Igreja se afastou, mas agora há uma reaproximação com os fiéis. Qual é a importância desse reencontro no DF?
A vida em comunidade tem crescido cada vez mais. Isso é muito importante não só para a sociedade, mas também para a igreja. Aquele estilo tradicional de grande paróquia, centralizada na matriz, não costuma dar resultado pastoral, não favorece a vida comunitária. Na medida em que nós vamos valorizando comunidades — com capela ou sem capela —, nós estamos tendo um fenômeno no DF que faz recordar os inícios do Cristianismo. Durante 300 anos, a Igreja existiu nas casas. Nós não tínhamos templos. Tínhamos a igreja acontecendo em residências, sobretudo naquele período em que era proibido se manifestar publicamente. Hoje, também pela nova maneira de se organizar a cidade — existem condomínios que não permitem a construção de igreja —, precisamos cultivar ainda mais a igreja como comunidade pequena. É preciso oferecer a experiência de Deus por meio da oração, mas é também preciso um espaço de vida fraterna. As pessoas vivem muito sofridas. Às vezes nas suas casas, nas suas famílias, não têm essa experiência.
O senhor tem encontrado muitas famílias fragmentadas?
Temos encontrado, e a Igreja está muito preocupada. Tanto que teremos em outubro, em Roma, o Sínodo sobre a Família. Devo ser um dos quatro bispos que representarão o Brasil. Passaremos um período longo com o Papa e outros bispos do mundo. Estamos preocupados porque vemos isso na prática. Encontramos famílias muito fragilizadas, não só nos laços internos. As pessoas são muito sofridas também em consequência de problemas sociais — tem muita violência, o que leva as pessoas a um estilo de vida muito triste.
Há problemas no lar também?
O problema da família fragilizada tem a ver com o dia a dia dos membros. As pessoas não se encontram mais. É lamentável. Antes, ao menos havia uma refeição dominical... Então a família vai enfraquecendo e as pessoas perdem uma referência fundamental. A igreja fica preocupada, mas não queremos ficar apenas no sentimento. Estamos buscando entender melhor a situação do matrimônio da família e, a partir daí, oferecer a nossa contribuição. Um dos aspectos importantes é a Igreja se apresentar como família. E não como uma instituição burocrática.
O papa Francisco é muito aberto em relação à família, não?
Na verdade, o Papa e a Igreja em seus documentos têm reafirmado a importância da família. Respeita-se essa pluralidade de situações na sociedade, mas não se perdeu e não se quer perder de modo algum o referencial bíblico. A primeira fonte para o trabalho pastoral e para a reflexão teológica é a fonte bíblica. Embora haja muita mudança cultural, a família não deixa de ter o seu papel. O papa quer é que a Igreja esteja atenta a essas diversas situações.
Como as pessoas em segunda união?
Exatamente. A Igreja está procurando servir cada vez melhor essas pessoas, de forma que elas se sintam amadas por Deus e acolhidas pela igreja. Porém, a igreja não deixa de propor o valor da fidelidade conjugal, da perenidade do matrimônio. Para aqueles que não têm conseguido alcançar esses valores ou a vivência desses valores, o papa tem insistido na misericórdia — tanto que ele instituiu o ano da misericórdia — na atenção e na acolhida a essas pessoas. A Igreja procura oferecer acolhimento, mas sem deixar de ser fiel aos valores que recebemos da Sagrada Escritura e da tradição da Igreja Católica.
Essa mesma compreensão se estende aos homossexuais?
A questão da homossexualidade precisa ser considerada como tal. Não é de agora que a Igreja começou a tratar desse assunto ou a ter uma postura pastoral de atenção maior, de acolhida, de misericórdia. Em 1986, um documento muito interessante e pouco conhecido foi publicado pela Congregação pela Doutrina da Fé, então presidida pelo cardeal Ratzinger, depois papa Bento. O título era O cuidado pastoral das pessoas homossexuais. Já se procurava dar mais atenção, compreender, acolher essas pessoas de tal modo que elas também se sentissem amadas por Deus e pela Igreja. Hoje o papa Francisco, naturalmente, tem enfatizado a misericórdia nos vários relacionamentos humanos.
Por que?
É importante considerar que uma pessoa tem o seu valor, sua dignidade inerente à natureza dela. A Igreja defende que a dignidade de uma pessoa é incondicional. Não pode depender de condições sociais, por exemplo, ou de sexualidade. Por isso uma pessoa homossexual, enquanto ser humano, deve ser respeitada, valorizada, acolhida. Agora é claro que a Igreja sempre propôs para as pessoas das mais diferentes condições, inclusive homossexuais, o Evangelho, a palavra de Deus, uma vida moralmente reta, a ética nos relacionamentos humanos, a ética na sexualidade. Não quer dizer que pelo fato de a Igreja ou do papa atual estar compreendendo cada vez melhor essas pessoas que a Igreja vá dizer “cada um faz o que quer, vive como quer”.
Enxerga uma política diferente aqui no governo do DF?
Uma política diferente, em primeiro lugar, precisa se pautar pela honestidade. Sobretudo no uso dos recursos públicos. Segundo, tem de se considerar a justiça social, até que ponto as medidas tomadas efetivamente ajudam os mais pobres. Isso exige políticas públicas concretas, não apenas desejo. E o terceiro ponto: o diálogo com a sociedade precisa acontecer. Eu me alegro aqui no DF porque o governador tem mostrado abertura para o diálogo e para parcerias. Como a Igreja tem uma atuação ampla no campo social, no serviço da caridade, nós esperamos que esse novo jeito de fazer política implique o uso de recursos públicos que priorize essas áreas.
O senhor destaca alguma parceria?
Um dos pontos fortes é o serviço prestado à população de rua. É um projeto que já vem vindo, mas que recebeu um novo apoio. A Igreja, por meio da Casa Santo André, no Gama, tem atuado bastante nesse campo. Mas nós temos creches, escolas, asilos... a Igreja tem um número imenso de obras sociais que necessitam também do apoio público. Necessitam de parcerias, não de privilégios.
A situação dos imigrantes o preocupa?
Esse é outro ponto que gostaria de destacar. É preciso dar muito mais atenção a esse fenômeno, que está crescendo no DF. São pessoas que vêm de regiões pobres, sofridas ou em conflito — Ásia, África, Oriente Médio. Estamos recebendo um número muito grande de imigrantes, e eles se concentram em algumas áreas, uma delas é Samambaia. A Comissão de Justiça e Paz da arquidiocese tem acompanhado muito de perto essa realidade, e estamos procurando oferecer a nossa ajuda. Aí está um campo inteiramente novo, e desejamos mais parcerias. É claro que é um problema em nível nacional. Mas em nível local, independentemente disso, essas pessoas estão aí. Chegam de uma forma que às vezes não é muito clara e vivem de uma forma muito limitada, com direitos muito restritos. Muitas vêm de situações de conflito político religioso ou de guerras, então é difícil para elas encontrar ajuda até nas suas representações diplomáticas. Quem é que cuida dessa gente? Elas ficam como se fossem pessoas que não olham por elas.
Brasília é uma cidade diversa e plural?
Sem dúvida. Nós estamos em uma época em que, no mundo — veja a Europa, parte dos Estados Unidos —, um dos grandes desafios é a convivência pacífica entre pessoas de origens e culturas diversas. Eu acho tão bonito! Quando encontramos isso na nossa cidade, precisamos valorizar. Mas não vejo essa característica de Brasília ressaltada fora daqui. Você sai de Brasília e não é muito comum as pessoas falarem desse aspecto. É como se aqui não tivesse coisa boa. Se uma capital federal tem essa virtude, temos de valorizar. Então eu me sinto já brasiliense nesse sentido.
O senhor gosta de fazer caminhada, sair pela cidade?
Eu insisto no seguinte — e isso não é apenas postura pessoal. É postura pastoral. Não se conhece a realidade do povo, da Igreja, das famílias ficando dentro da casa paroquial ou dentro do carro. Há uma diferença imensa. Percorrer a rua, entrar nas casas, conversar com as pessoas, ouvi-las, é muito diferente. Eu valorizo estatísticas, mas números não substituem pessoas. Mesmo com pesquisas para conhecer a realidade, você só a conhece caminhando no meio das pessoas, estando com elas. E isso seria muito bom, por exemplo, da parte dos políticos ou de quem exerce o poder público. Geralmente, essa proximidade do povo se dá em época de eleição. Como é que alguém vai defender interesses efetivos da população se não estiver próximo?
Depois da eleição, todos somem.
É uma pena. Na Igreja, o papa Francisco tem estimulado os bispos, os padres, a terem a atitude de estar com o povo. Amar uma pessoa de longe pode ter algum valor. Mas é pouco.
O que o encanta em Brasília?
Essa mistura de gente de toda parte do país. A convivência respeitosa que, de modo geral, podemos observar. Tem gente do Brasil inteiro, tem gente de fora do Brasil, e a convivência é muito boa. É uma das virtudes de Brasília. Quando vou para fora e se fala de Brasília, o pessoal sempre pensa em problemas, em mazelas, em coisas políticas. Mas há uma coisa em Brasília muito bonita: aqui parece uma grande família. Veja, por exemplo, Ceilândia. É claro que há bastante gente do Nordeste, mas vem gente de toda parte. Cada grupinho que você encontra, você pergunta, cada um é de um lugar.
Qual é sua avaliação após quatro anos à frente da arquidiocese?
Destaco dois aspectos. O primeiro é esse, da presença da igreja na sociedade. O que nós fizemos até agora vale, traz esperança, mas ainda temos muito pela frente. O segundo aspecto é o de missão. A igreja missionária não fica fechada sobre si. Olha para além dos muros. Olha para os mais feridos, os mais sofridos. E, por último, há alguns campos que ainda não conseguimos trabalhar direito, e que estamos insistindo. Por exemplo: o campo das artes, da cultura, do esporte. A evangelização de quem está no mundo artístico e esportivo é necessária pelo seguinte: quem está ali precisa de Deus. Se é gente, precisa de Deus.
Alguma atividade a mais?
Temos tido aqui na arquidiocese as conversas de Justiça e Paz. Elas acontecem aqui no auditório da Cúria, que tem o nome do nosso caríssimo cardeal Dom Falcão. Elas acontecem na primeira segunda-feira do mês. Por que isso é muito bom? Primeiro porque nós não precisamos apenas de diálogo, precisamos instituir mecanismos de diálogo. E não é um diálogo igrejeiro. Pelo contrário, tem sido sempre situação social, política, cultural. Na última vez foi sobre tolerância. O governador já esteve nessas conversas, ministros já vieram, assim como secretários de estado, especialistas e estudiosos. É um espaço modesto porque não atinge todo mundo, mas é fermento na massa, uma luzinha para iluminar o caminho. E temos também as pastorais sociais, que têm se fortalecido. Temos a Pastoral do Menor (nem todo mundo aceita o nome, mas tem sido esse), a Pastoral Carcerária, da Saúde, da Criança. Tem crescido essa presença da Igreja na sociedade, mas ainda estamos muito longe do ideal.
O trabalho pastoral é a sua marca mais importante?
Creio que sim, com simplicidade, com modéstia. O trabalho pastoral é um dos valores que a Arquidiocese de Brasília está cultivando nos últimos anos. Eu cheguei com uma experiência de contato mais direto com o povo no Nordeste. Durante seis anos, fui bispo auxiliar de Fortaleza. Vocês podem imaginar o que é viver no Ceará, conhecer o povo do interior e da capital. Depois fui arcebispo de Teresina por cinco anos. Foram onze anos em que, graças a Deus, aprendi muito com a Igreja no Nordeste e com o povo nordestino. Esse aproximar-se, esse acolher de maneira mais efetiva — ainda não aprendi totalmente, estou aprendendo ainda — a generosidade, a simplicidade, são coisas que aprendi muito lá.
Isso determinou o trabalho pastoral no DF?
Sim. Desde a minha chegada, comecei organizar essas visitas paroquiais. Elas têm um sentido grande para o bispo conhecer a paróquia e o povo. Eu insisti muito que o bispo não fosse sozinho. Que fosse acompanhado pelos padres da região ali visitada, e pelos leigos, leigas. Na Paróquia Santo Antônio, em Ceilândia, mais de 600 pessoas estão colaborando, de porta em porta. Hoje (sexta-feira) eu visitei creches, visitei hospital. Fiquei admirado com a acolhida das pessoas.
Por que?
Eu me surpreendi porque não esperava que houvesse abertura para esse tipo de atividade pastoral numa cidade tão grande. Claro que o estilo de vida é urbano de modo geral, e na grande cidade, esse tipo de proximidade pode não ser favorecido. Brasília se caracteriza por essa convivência de gente de todo lado.
Como é o estilo pessoal de dom Sergio?
Sempre procurei ser muito simples, e acho que isso é em razão das minhas origens. Tenho cabeça de cidade, mas coração rural. A vida no interior era muito simples, de quem dava mais valor ao estar junto, ao conviver, ao caminhar junto, ao trabalhar junto do que a ter muitos bens de consumo. Hoje o padrão de vida está pesando. Os bens de consumo pesam mais do que qualquer ouro valor. Uma pessoa acha que para ser feliz precisa comprar muitas coisas, e ela nunca é feliz assim. Nunca vai saciar essa sede.
O senhor imagina algum dia um papa brasileiro?
Nós primeiramente tivemos a surpresa feliz de um papa latino-americano. Vejo sim, com esperança, que outros possam sair da América Latina. Necessariamente do Brasil, não sei. Mas creio que ficou mais claro que é possível sim que um papa tenha sua origem na América Latina e que dê uma contribuição imensa para a Igreja.
E sobre a vocação de jovens?
As vocações estão surgindo mais da comunidade, não tanto das famílias. Às vezes a família do menino nem atua muito da paróquia, mas ele, por alguma razão, participa. E ninguém entra mais novinho. O seminário daqui só aceita para o ensino superior, nos cursos de filosofia e de teologia. E exige-se que todos participem da paróquia. Mas em Brasília há um fenômeno. Estou construindo um novo seminário, o chamado propedêutico, porque não cabe mais tanta gente interessada. Sabem quantos meninos querem entrar por ano no seminário? Cerca de cem! Desse total, estamos recebendo por ano de 20 a 25 novos seminaristas em Brasília. Nós somos rigorosos na seleção e no acompanhamento — para o bem deles. Isso é sinal de que a Igreja em Brasília é viva.
Eu já me sinto um brasiliense
"Quando eu saio de Brasília, sinto falta. Quando a gente está fora de uma cidade e sente que precisa voltar para estar em casa, é porque já é de casa. De origem, sou caipira do interior de São Paulo, mas trago no coração muito o Nordeste. E aqui eu me sinto em casa também porque sempre me encontro no meio de muitos nordestinos. Uma das coisas que inicialmente as pessoas podem estranhar, sobretudo no Plano Piloto, mas depois veem que é um dos grandes valores de Brasília, é a área espaçosa, o verde. Você vai a uma cidade grande, como outras capitais, fica sufocado entre os prédios. Não se pode perder isso, de preservar esse valor de Brasília. Mas eu já sinto falta é do povo mesmo. É muito bom estar nas nossas comunidades. E gosto também de estar nas comunidades do Plano Piloto, viu? Aqui tem muita vida, ao contrário do que alguns imaginam. Vida de igreja! Nos blocos, nos prédios...além das paróquias e das capelas, há comunidades pequenas nos blocos e nas quadras. Gente que se reúne para rezar, para ler a Bíblia, para comemorar aniversário. E, finalmente, sinto muita falta da Catedral. Acho que Brasília poderia ser cada vez mais representada pela Catedral, porque são mãos, são braços que se elevam para o infinito, para Deus, conforme o próprio Niemeyer dizia. O Distrito Federal seria marcado pela abertura ao infinito, a Deus, Àquele que dá sentido maior para a nossa vida. São as mãos em oração. Por um lado, não está representado lá diretamente, mas essas mãos também acolhem, são estendidas. A Catedral expressa melhor essas mãos erguidas, as mãos para Deus. Mas eu diria que dá para você entender também essas mãos como acolhida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário