segunda-feira, 1 de junho de 2015

Uma vitória política de Edward Snowden

O ex-analista refugiado na Rússia, Edward Snowden, em entrevista ao comediante inglês John Oliver










Ele continua foragido na Rússia, em local desconhecido. Se puser os pés nos Estados Unidos, será preso e julgado como traidor. Mas ninguém deve ter dúvida: Edward Snowden, o delator que denunciou o programa colossal de espionagem promovido pelo governo americano (na foto), acaba de registrar sua primeira vitória política. Sem ele, a seção mais controversa do Patriot Act – ou Lei Patriota, um nome com um quê de orwelliano – teria sido renovada automaticamente, como das últimas vezes desde que ele foi promulgado no governo Bush, depois dos atentados de 11 de setembro de 2001. Com Snowden, pela primeira vez na era de paranoia que sucedeu os atentados, o poder do Estado americano de espionar seus cidadãos foi reduzido. Ponto para ele.

Desde a expiração, à zero hora de hoje (horário americano), do dispositivo que autorizava a coleta em massa de informações telefônicas dos cidadãos americanos, a NSA não pode mais recolhê-las sem autorização judicial. É bom precisar que não se trata de grampos, mas dos registros de chamadas que a NSA argumenta serem úteis para localizar suspeitos e desbaratar redes de terroristas, conhecidos pelo termo técnico “metadados”.

Agora, o Senado deverá discutir uma outra lei já aprovada na Câmara de Reperesentantes, o Freedom Act (Lei da LIberdade, outro nome orwelliano). Ela estipula que as companhias telefônicas serão obrigadas a manter os registros telefônicos, mas só deverão cedê-los mediante autorização dos tribunais secretos criados em 1978, conhecidos pela sigla FISA. Estabelece ainda que esses tribunais doravante deverão respeitar normas de transparência e terão de contar com a paticipação de um especialista que exerça o papel conhecido como “amicus curiae”, ou amigo da corte. Trata-se de uma voz independente para contrabalançar a tendência a que eles semprem autorizem qualquer tipo de ação da agências de espionagem americanas. Por ora, enquanto o Freedom Act não é aprovado, finalmente o cidadão americano pode falar ao telefone sem que tenha certeza absoluta de que os registros de suas ligações serão espionados.

A primeira derrotada por Snowden é a Casa Branca. Nenhum governo gosta que seus poderes sejam reduzidos – e o governo Obama, apesar ter aceitado a solução de compromisso oferecida pelo Freedom Act, não poupou esforços para aumentar a paranoia da população nos últimos dias. A NSA sofre sua primeira derrota legislativa e tem dito que, em virtude dela, sera mais difícil combater ameaças como o Exército Islâmico (ISIS) ou a rede Al Qaeda. Pura bobagem. Um estudo encomendado pela Casa Branca revelou que, desde que está em vigor, o dispositivo de espionagem do Patriot Act não serviu para desbaratar um único atentado terrorista.

A questão também tem uma repercussão eleitoral. Houve um racha no Partido Republicano sobre a questão. De um lado, os libertários, preocupados com a extensão dos poderes do Estado e as liberdades individuais. De outro, aqueles que acreditam que o combate ao terrorismo é mais importante que isso.

O principal representante da primera turma é Rand Paul, senador pelo Kentucky e pré-candidato à sucessão do presidente Barack Obama pelo Partido Republicano. “Acredito que devemos combater o terrorismo, e acredito que devemos ter força contra nossos inimigos”, afirmou Paul. “Mas não precisamos deixar de ser quem somos para derrotá-los. Na verdade, não devemos. Deve haver um outro modo.” Foi Paul quem, graças a uma manobra regimental, conseguiu estender a sessão extraordinária do Senado convocada para ontem e levou à expiração do Patriot Act.

Na segunda turma está outro pré-candidato Republicano, embora ele ainda não tenha declarado isso: Jeb Bush, ex-governador da Florida e irmão do ex-presidente George W. Bush, o responsável pelo Patriot Act. “O que mais admiro em meu irmão é que ele nos manteve seguros”, disse Jeb. “E acredito que a população vai respeitá-lo por muito tempo por causa disso.”

Apesar da vitória, os grupos de defesa das liberdades individuais não ficaram completamente satisfeitos. “Gostaríamos que o Freedom Act fosse reforçado em alguns aspectos”, afirmou Jameel Jaffer, representante da União Americana para Liberdades Civis (ACLU), em entrevista ao jornalista Glenn Greenwald, do site The Intercept, o primeiro a divulgar as denúncias de Snowden. “Apesar das disposições de transparência, ele isenta algumas informações-chave dessas exigências.”

Mesmo assim, todos aqueles que acreditam nas liberdades individuais, na preservação da privacidade e no dever que a imprensa livre tem de aperfeiçoar o Estado ao denunciar aquilo que incomoda os poderosos só têm a comemorar. O primeiro da fila é o próprio Snowden. Dez dias atras, ao comentar a questão numa mensagem eletrônica, ele afirmou: “Argumentar que você não dá bola [ara a privacidade porque não tem nada a dizer não é muito diferente de dizer que você não dá bola para a liberdade de expressão porque não tem o que dizer”. Na mosca.

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