sexta-feira, 5 de junho de 2015

Um dia proibido na China de Xi Jinping

paz celestialO dia de hoje é uma data proibida na China. Em 4 de junho de 1989, ocorreu o massacre da Praça da Paz Celestial, a repressão a tiros de milhares de estudantes que estavam concentrados na principal praça de Pequim em busca de reformas democráticas. A foto célebre do estudante desafiando os tanques (à esquerda) entrou para a história. Se você puser a data de 4 de junho em algum site da internet chinesa, será bloqueado e provavelmente investigado pelas autoridades. Para burlar os controles digitais, alguns chineses referem-se ao dia como 35 de maio.

Vinte e seis anos depois do massacre, a esperança de reformas democráticas está mais distante do que nunca. Em vez da abertura promovida nos países da Cortina de Ferro a partir da perestroika de Mikhail Gorbachev, a China tornou-se um regime ainda mais duro politicamente. Desde que o atual presidente Xi Jinping assumiu o poder, em 2013, a ditadura chinesa se revestiu de ainda mais autoritarismo. Xi tenta comparar sua visão econômica ao reformismo de Deng Xiaoping – que, com a adoção de princípios capitalistas, culminou por fazer da China a maior economia do mundo este ano, segundo algumas estimativas. Mas sua real inspiração política é Mao Zedong. Desde Mao, a China não vive um culto à personalidade semelhante. As consequências da liderança de Xi para o mundo ainda são nebulosas. Para a China, porém, elas já estão claras.
Presidente Dilma Rousseff recebe o presidente chinês, Xi Jinping, no Palácio do PlanaltoCom seu jeito afável e simples, Xi age como um político astuto. Pega bebês no colo, anda de microônibus em vez de limousine, ensaia chutes de futebol e segura o próprio guarda-chuva. Esse tipo de atitude, em tempos de Pepe Mujica e papa Francisco, faz dele um líder extremamente querido na população, conhecido pelo apelido Xi Dada (Tio Xi). Algumas pesquisas estimam sua popularidade em índices de dar inveja à presidente Dilma Rousseff de tempos bem anteriores a quando ela o recebeu no Palácio do Planalto no ano passado (foto). Mas não se engane. Xi é um filho da elite. Seu pai, Xi Zhongxun, era um dos revolucionários mais próximos de Mao e chegou a vice-primeiro-ministro. Foi banido durante o período da Revolução Cultural, partiu para uma espécie de exílio interno e só conseguiu fazer valer algumas de suas ideias pró-capitalistas quando Deng começou a implantar suas reformas. Mesmo assim, jamais voltou a ter um espaço maior no Partido Comunista. Seu filho teve de esconder sua origem na “aristocracia comunista” para galgar os degraus até chegar ao topo do partido. Seus antecessores, Wen Jiabao, Hu Jintao e Jiang Zemin, tinham todos origens mais modestas. Eram tempos em que aparecer demais pegava mal para um líder chinês. Todos tinham de ser discretos, em nome do bem coletivo. Com Xi, isso acabou.

Uma vez no poder, ele se cercou no Comitê Executivo Politburo de nomes de confiança, quase todos com seu perfil: um pedrigree vermelho vivo, que remonta aos tempos de Mao. São conhecidos pela alcunha de “príncipes comunistas” e se opõem à liderança anterior com um discurso de combate determinado aos corruptos que usavam seus privilégios no partido para levar vidas de nababos. Desde que assumiu, Xi perseguiu mais de 100 mil nomes no partido, sob diferentes acusações de corrupção. Os mais relevantes foram Bo Xilai – ex-chefe do partido na província de Chongqing, condenado à prisão perpétua por corrupção e abuso de poder – e Zhou Yongkang – ex-integrante da cúpula do Politburo e ex-responsável pela segurança interna, praticamente aposentado à força e depois investigado por corrupção. Com a neutralização dessas duas lideranças, Xi conseguiu abrir espaço para seu controle absoluto sobre o partido e o aparato repressor.

Em um longo perfil de Xi que publicou há algumas semanas na New Yorker, o jornalista Evan Osnos, ex-correspondente da revista em Pequim, revela que nos últimos meses ele endureceu o controle das autoridades sobre a internet e sobre as vozes dissidentes. O temor de estudiosos ouvidos por Osnos é que, em vez de uma abertura gradual, a China depois de Xi corre o risco de uma explosão incontrolável, uma outra revollução.

O maior desafio de Xi é a economia. Depois de mais de 30 anos como o país de maior crescimento no planeta, superior a 10%, a velocidade da China caiu, para em torno de 7%. Para manter o país atraente para o capital estrangeiro, Xi fez várias reformas no mercado financeiro e finalmente conseguiu fazer da Bolsa de Shenzhen um ator global de relevo. Com US$ 4,3 trilhões de reservas, a maior parte em títulos do governo americano, a China provavelmente continuará, nos próximos anos, a manter sua relação simbiótica com os Estados Unidos – os americanos compram produtos chineses; e os chineses se encarregam de financiar a dívida do governo americano.

Mas isso só funcionará se a economia chinesa continuar competitiva. E os sinais nesse campo são inequivocamente negativos. Embora seja o maior centro industrial do planeta, a China não consegue obter ganhos de produtividade com inovação. O clima de controle que vigora nas universidades e órgãos públicos não contribui para melhorar isso. A força de trabalho está envelhecendo, ficando mais educada e mais cara. Nunca houve tantas greves quanto em tempos recentes. Com as reformas financeiras, a elevada poupança chinesa começa a migrar para fora do país. Osnos cita um prêmio, concedido recentemente a pesquisadores em ciências sociais, em que sete dos dez projetos vencedores se dedicavam a analisar os discursos de Xi ou seu slogan: o “sonho chinês”. Ninguém na China parece ver contradição entre seu modelo de maior abertura econômica, maior integração com os mercados financeiros – e maior repressão política, maior censura da imprensa, maior controle da internet e maior culto à personalidade. É um modelo que, em seu todo, parece mais um pesadelo.

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