sexta-feira, 5 de junho de 2015

Redução da maioridade penal vira moeda na briga entre Dilma e Cunha Para reagir ao presidente da Câmara, presidenta tenta aliar o PT e o PSDB na questão

     
Eduardo Cunha participa de uma reunião da Comissão Especial da PEC 171/93. / JOÃO BATISTA/CÂMARA DOS DEPUTADOS
O debate sobre a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos no Brasil se afasta de argumentos de especialistas em crime e adolescência enquanto serve perfeitamente para esquentar o jogo político  em curso no país. Diante da declaração no último domingo do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, de quevai comprar briga pela votação da PEC 171/93 no Congresso, o Governo reagiu nesta semana anunciando a criação de um grupo de trabalho para fazer frente aos deputados favoráveis à redução. O mais peculiar é que a contraofensiva da presidenta não só prevê a atuação de um grupo de trabalho para levantar novas propostas, mas passa, inclusive, por uma inesperada aliança entre o PT e o PSDB. A missão do Planalto é se aliar ao inimigo contra Cunha,como também aconteceu na reforma política, percorrendo um caminho ainda mais improvável: a trilha de Geraldo Alckmin.
O objetivo, segundo palavras da própria Dilma Rousseff, é apresentar uma alternativa à PEC, atualmente em análise por uma comissão especial na Casa. Mas para pensar nisso é preciso adiar ao máximo a votação que se aproxima e que Cunha ainda por cima promete acelerar. “A próxima polêmica, após a conclusão da reforma política, será a redução da maioridade penal”, postou o peemedebista em seu Twitter.
O comentário de Eduardo Cunha e logo o anúncio do relator da comissão, Laerte Bessa (PR-DF), de que a entrega do relatório será antecipada para colocar a proposta em votação no Plenário ainda este mês, gerou revolta entre alguns deputados responsáveis por analisar as ideias ao redor do tema – e que deixam de pensar nele para dedicar-se à rinha em questão. Cunha e Bessa se manifestam, ainda, a favor de um referendo para ouvir a população sobre o tema– confiantes em pesquisas como a do Instituto Datafolha, que mostram que 87% dos brasileiros aprovam a redução.

Ao Estado de S.Paulo, o deputado Glauber Braga (PSB-RJ), que apresentou um requerimento nesta terça pedindo o cumprimento de todas as propostas aprovadas pela comissão, afirmou que “o atropelo não é o melhor caminho”. A deputada Érika Kokay endossa seu discurso e ressalta que, como na reforma política, “é o presidente da Casa tentando impor sua vontade”.Bessa é aliado do presidente da Câmara e deixa isso claro aoprometer a entrega do relatório para a próxima quarta-feira, 10 de junho. Se isso acontecer, terão sido cumpridas 24 das 40 sessões previstas originalmente (e ainda ficam de lado outros compromissos previstos, como audiências públicas e visitas a presídios e centros de internação de adolescentes).

Via Alckmin 

O PSDB, como tem acontecido em outras pautas, não tem posição consensual sobre o tema da redução maioridade. Enquanto Dilma e o PT são claramente contra a redução, parte da bancada tucana na Câmara é pela redução e ponto. Mas os auxiliares de Dilma tomaram para si a complicada tarefa de articular esse mix e de unir as duas pontas de um cenário político bastante polarizado. PT e o Governo viram um canal de aproximação, ainda que suave e mais simbólico, quando oito ex-ministros de Direitos Humanos nomeados durante os governos de FHC, Lula e Dilma se uniram para evitar a aprovação da PEC e frear uma “agenda de direita”. 
Agora, a ideia é tentar atrair apoio por meio de uma proposta, já apresentada pelo Geraldo Alckmin, que defende um maior tempo de internação de menores infratores que cometem crimes hediondos e pode ser uma saída à redução da maioridade. Outras alternativas levadas em consideração são textos também já apresentados pelo ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, pela ex-ministra da Secretaria de Direitos Humanos, a deputada Maria do Rosário (PT-RS), e pelo senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP).
Enquanto os atores políticos se digladiam, instituições que atuam em prol dos direitos de crianças e adolescentes, como a Unicef,continuam apresentando dados e argumentos para que a idade penal permaneça em 18 anos. A advogada Karyna Sposato, consultora do fundo, se manifestou publicamente depois de participar de uma audiência da comissão na Câmara: "É compreensível que o Brasil queira uma resposta e clame segurança. É compreensível que nós queiramos viver numa sociedade mais pacífica, mas os Parlamento não pode discutir uma questão tão séria para a presente e as futuras gerações a toque de caixa", disse a especialista em direito penal pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e em criminologia pela Universidade de São Paulo (USP).
Personalidades das artes e da cultura também já se mobilizaram, como é o caso de Marieta Severo. “Quando você tem um Congresso votando uma lei de maioridade penal, é o quê? É um conservadorismo político apoiando um conservadorismo social, de ideias, de princípios, de valores”, afirmou a atriz ao jornal O Globo.
Até a maior entidade de especialidades médicas do Brasil, a SPB (Sociedade Brasileira de Pediatria), com 22.000 pediatras em todo o país, finalmente anunciou sua posição sobre o tema, condenando a redução. A congregação diz defender que “medidas realmente eficazes sejam adotadas para o real cuidado e proteção da criança e do adolescente desde sua concepção, pelos direitos que lhes são inerentes como cidadãos, como a melhor e mais eficiente forma de prevenir a formação de indivíduos violentos”. Mas pode ser que, em lugar de uma importante voz que se soma à discussão, esse seja mais um discurso esquecido na arena política.

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