Os negociadores do Governo da Colômbia e da guerrilha Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) anunciaram nesta quinta-feira a criação de uma Comissão para o Esclarecimento da Verdade, a Convivência e a Não Repetição, que será independente, imparcial e de caráter extrajudicial. É um avanço nas negociações que se desenrolam em Havana há quase três anos, já que se trata do primeiro acordo em matéria de vítimas alcançado depois que esse ponto da agenda passou a ser abordado, há um ano.
A ideia da criação de uma Comissão da Verdade pairava nos últimos dias sobre a Colômbia. Uma das incertezas era saber o alcance que teria. Os negociadores, por intermédio dos fiadores do processo, os representantes de Cuba e da Noruega, asseguraram que ela teria caráter extrajudicial. “A Comissão não poderá transferir a autoridades judiciais informação que receber ou produzir para que seja utilizada com a finalidade de atribuir responsabilidades em processos judiciais ou para ter valor comprobatório, nem as autoridades judiciais poderão requerê-la”, diz o texto. Um dia antes, precisamente, a guerrilha das FARC havia afirmado, por meio de um comunicado, que não daria “um voto de confiança ao sistema judicial colombiano nem a simples promessas, sem garantias, de suas instituições corruptas”. “Não viemos a Havana para nos submeter”, disseram.
A Comissão funcionará durante três anos e será posta em marcha depois de firmado o acordo de paz. “O acordo obtido não pode ser considerado definitivamente fechado nem isolado do sistema que estamos comprometidos a construir e que ainda não foi concluído”, especifica o texto.
A futura comissão, que será financiada pelo Governo colombiano, terá 11 integrantes, eleitos em um período máximo de três meses por um comitê de nove pessoas. O Governo e as FARC escolherão seis delas. As outras três serão delegados de pessoas ou organizações que a mesa de Havana definir. O presidente da Comissão, que não poderá ter mais de três representantes estrangeiros, será colombiano.
Os negociadores de Havana estabeleceram que a Comissão precisa ter três objetivos fundamentais. Por um lado, “contribuir para o esclarecimento do ocorrido e oferecer uma explicação ampla da complexidade do conflito, de tal forma que se promova um entendimento compartilhado na sociedade, em especial dos aspectos menos conhecidos do conflito”. Além do mais, promove “o reconhecimento das vítimas como cidadãos que tiveram seus direitos violados” e a “convivência nos territórios”. “Assim serão assentadas as bases da não repetição, da reconciliação e da construção de uma paz estável e duradoura”, acrescenta o texto.
Ambas as partes quiseram deixar patente que o êxito da Comissão “dependerá do compromisso de todos os setores da sociedade com o processo de construção da verdade, e do reconhecimento de responsabilidades por parte de quem de modo direto e indireto participou do conflito”, no que se pode interpretar como uma clara mensagem aos setores mais críticos do processo de paz.
Ao concluir a declaração conjunta, o chefe negociador da guerrilha, Iván Márquez, leu um comunicado no qual as FARC reivindicaram a “abertura dos arquivos que revelem a existência de vitimizações sistêmicas”, ou seja, que o governo permita o acesso a documentos que tenham a ver com possíveis crimes de Estado. A guerrilha sustenta que querem lhe atribuir a responsabilidade exclusiva do conflito. “Querem transformar o processo de paz em um processo jurídico contra as FARC”, disse Márquez.
As vozes críticas ao acordo alcançado em Havana surgiram até antes do anúncio dos negociadores. O procurador-geral, Alejandro Ordóñez, afirmou que a comissão “não pode substituir a perseguição judicial dos crimes de guerra, genocídio, crimes de lesa humanidade e graves violações dos direitos humanos que não se enquadrem nessa conotação” — algo que, de acordo com o que foi anunciado, não ocorrerá.
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