Serafim Lobato não desistiu do processo inicado pela mulher e pela sogra, que entretanto morreram
José Caria
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Este é um caso emblemático da morosidade da Justiça em Portugal, onde há pessoas a morrer antes de verem os seus processos concluídos. Foi o que aconteceu com Maria Joana Margalho e a sua mãe, Maria Antónia Casaca. A primeira finou-se em 2011, e poucos meses depois, Maria Antónia. Em 2006, depois de um processo penal que levou oito anos a transitar em julgado, dirigiram-se ao Tribunal Judicial de Portalegre reclamando uma indemnização cível pela morte por negligência médica de Manuel Margalho Miranda, respetivamente, pai e marido.
Maria Joana e a mãe não viveram tempo suficiente para saber que aquele tribunal se declararia, já a 19 janeiro deste ano, materialmente incompetente para atender à sua pretensão.
Isso apesar de o mesmo tribunal, no processo criminal anterior, ter apurado a responsabilidade criminal de dois dos médicos envolvidos na morte, em maio de 1998, de Manuel Margalho Miranda, residente em Alter do Chão.
Inconformado, o viúvo de Maria Joana, Serafim Lobato, socorreu-se de um advogado amigo, João Teixeira Alves, e vai levar o caso para a frente. "Prometi à minha mulher que não desistiria do caso. Não quero deixar a resolução disto para as minhas duas filhas", diz o jornalista reformado.
'Prazo razoável'
O primeiro passo foi a apresentação, no final de fevereiro, de uma queixa contra o Estado português em Estrasburgo, por violação da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que garante aos cidadãos o direito a uma ação justa dos tribunais num "prazo razoável". Outro, a entrega nos últimos dias, de um pedido de indemnização apresentado contra um dos médicos envolvidos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco.
Tudo começou a 26 de maio de 1998, quando Manuel Margalho, depois de vários dias a aguentar uma dor no peito foi à urgência do hospital de Portalegre.
O médico da triagem, José Ricardo, diagnosticou-lhe apenas uma dor abdominal, com irradiação para o pescoço e, apesar de o doente estar medicado para a hipertensão, não lhe fez qualquer eletrocardiograma (ECG). Enviou-o para a cirurgia geral, onde foi observado pela médica Isabel Moreira, que lhe daria alta.
A caminho de casa, Manuel voltou a sentir-se mal e regressou à urgência. Mas como já estava medicado, com remédios para as dores de barriga, foi mandado para casa.
O sofrimento de Manuel não parava. Por isso deslocou-se ao centro de saúde, onde o seu médico de família o examinou e o submeteu a um ECG. O resultado levantou suspeitas de enfarte. O clínico escreveu uma carta ao hospital, recomendando o internamento de Manuel.
Ali chegado, o doente seria atendido pelo médico António Missau que, desvalorizando o eletrocardiograma, lhe deu alta.
As queixas de Manuel agravaram-se e ele voltou ao médico de família, que voltou a insistir no internamento. Mas, nessa madrugada de 29 de maio de 1998, Manuel, novamente numa ambulância a caminho da urgência, morreu.
Em 2004, no âmbito do julgamento penal, a médica foi absolvida por ter elaborado num erro de diagnóstico anterior, enquanto o guineense António Missão acabaria por ser condenado a sete meses de prisão, com pena suspensa por um ano, e ao pagamento de 1 250 euros ao refúgio Aboim Ascensão.
O primeiro clínico, José Ricardo, deveria, segundo o tribunal, ter sido "condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física negligente", mas acabou absolvido devido a uma amnistia de 1999.
Dois anos depois, o caso transitou, finalmente, em julgado com o juiz a remeter o pedido de indemnização feito a José Ricardo para os tribunais cíveis. O de Portalegre, onde entrou o pedido, demorou nove anos a declarar-se materialmente incompetente para apreciar o caso, que agora entrou no administrativo de Castelo Branco, onde deverá permanecer por muito tempo.
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