quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Vilã ou melhor amiga? Como a imagem da motocicleta mudou ao longo do tempo.


  • por Roberto Agresti

    Vilã ou melhor amiga? Como a imagem da motocicleta mudou ao longo do tempo

    Propaganda da Honda nos anos 60 nos Estados UnidosNa virada dos anos 1950-1960 a imagem da motocicleta nos Estados Unidos ainda estava ligada à violência das gangues, das quais a mais notória eram os Hell’s Angels. Andar de moto e fazer arruaça, então, parecia ser algo indissociável para a maioria dos norte-americanos.

    Neste contexto uma pessoa dita “de bem” não poderia jamais considerar usar uma motocicleta como meio de transporte sem arcar com os danos à imagem. O cinema evidentemente explorou à exaustão este lado malvado dos motociclistas, sendo o mais notório destes filmes o estrelado por Marlon Brando, intitulado “The Wild One” - no Brasil, “O Selvagem" (relembre motos do cinema).

    Neste clima completamente antimotos a maior fabricante mundial já desde aquela época, a japonesa Honda, se instalou nos Estados Unidos. Corria o ano de 1959 e a empresa queria ampliar seus negócios, atuando diretamente no então maior mercado mundial para qualquer tipo de produto.

    Porém, o entrave não era apenas a motocicleta ser vista como um veículo de bandidos. Havia também um forte ressentimento ante tudo que era japonês, eco do ataque a Pearl Harbor na 2ª Grande Guerra. Apesar de derrotados, os japoneses ainda eram vistos como inimigos. Comprar qualquer coisa deles não passava pela cabeça de muitos americanos.

    o selvagem marlon brandoUma propaganda mudou tudo
    Da abertura da subsidiária em Los Angeles até 1963, quatro anos depois, a Honda literalmente “patinou” nos mercado norte-americano, com vendas baixas e grande dificuldade de se impor como marca de excelência no segmento já reconhecida em outras partes do planeta, como na Europa.

    Todavia, uma importante ação fez as vendas pularem da casa de 40 mil unidades/ano para mais de 200 mil em 1964. Na raiz deste impressionante salto estava a inteligente campanha de publicidade desenvolvida pela agência Grey, cujo slogan não poderia ser mais enfático: “You meet the nicest people on a Honda". Em uma tradução livre para o português, equivaleria a algo como “Você conhece as melhores pessoas em uma Honda”.
    Cartazes, páginas de revistas e demais peças publicitárias mostrando um casal inconfundivelmente americano – ele, uma espécie de James Dean, e ela, um clone de "Jeannie é um Gênio" – montados, felizes, em uma Honda Cub (antecessora da Honda C 100 Dream vendida nos anos 1990 no Brasil), mudaram a sorte da empresa nos EUA.

    Até a dona de casa
    A mágica de convencer os americanos que a motoneta “cavalo de batalha” da empresa, o modelo de duas rodas com motor recordista mundial de produção em todos os tempos (mais de 60 milhões de unidades foram feitas) era um bom presente de natal, de aniversário ou do que fosse, “colou”.

    Com um filme de 90 segundos (veja no YouTube) que estreou no intervalo da transmissão do Oscar de 1963, então o programa com maior audiência na TV americana, mostrando uma dona de casa indo ao supermercado ou ao encontro das amigas para o chá da tarde montada na Honda Cub, a América fez as pazes com a motocicleta. Ela passou a ser considerada um meio de transporte simpático, econômico e prático. O estereótipo de "veículo do mal", senão abolido, estava definitivamente redimensionado.

    No Brasil, a imagem é outra
    Gangues de motocicletas não foram ou são privilégio a América dos anos 1950 ou 1960. A tentação de ser ou parecer agressivo sobre uma moto ainda atrai muitos e povoa a imaginação de muita gente. Felizmente no Brasil, até bem pouco tempo atrás, motocicleta representava apenas um meio de lazer ou de transporte. Nada mais do que isso.

    Todavia, de uma década para cá, aos criminosos descobriram as vantagens da motocicleta para a prática de delitos de vários tipos. Ágil, fácil, rápida, com uma moto chega-se antes, e foge-se antes. Roubos, furtos e assaltos cada vez mais tem a motocicleta como coadjuvante.

    Outro fator que pesa contra a imagem da motocicleta entre nós, brasileiros, vem da má formação dos condutores de veículos, sejam eles motoristas e motociclistas.  Uma mal-educada guerra pelo espaço nas nossas cidades transformou em facções rivais quem faz uso de volante e quem faz uso de guidão. A irresponsabilidade de muitos motociclistas e motoristas tem matado, ferido e aleijado cada vez mais brasileiros. Consequência direta disso e de um momento econômico infeliz é a queda nas vendas das motos menores, chamadas “de entrada”, as mais acessíveis e baratas. Caem as vendas e aumentam, proporcionalmente, os que elegeram a moto inimiga da sociedade.

    À luz da razão a motocicleta não faz mal nenhum, assim como um faca afiada, uma arma de fogo ou uma banana de dinamite. Logicamente será o uso que for feito destes artefatos que determinará o bem ou o mal que eles causarão ao utilizador e à sociedade.

    A genial campanha de publicidade criada 50 anos atrás fez ver aos norte-americanos que japoneses e suas motos eram legais. No Brasil atual há necessidade premente de se entender que o uso de qualquer veículo, seja moto ou carro, demanda enorme responsabilidade.

    Há muito se constatou que o sistema de avaliação para a concessão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) é, especialmente para os motociclistas, pouco eficaz. Para melhorar esta realidade ruim, apenas a criatividade de publicitários não bastaria. À campanhas para o bom comportamento no trânsito deveriam somar-se a efetivas ações do poder executivo e legislativo e a colaboração de formadores de opinião e de toda a sociedade. Só assim poderíamos realmente “conhecer as melhores pessoas” seja ao guidão de uma moto, de um carro, bicicleta ou simplesmente andando a pé.
    (Fotos: Divulgação)
  • por Roberto Agresti

    Painéis tecnológicos podem atrapalhar a concentração dos motociclistas

    Motos - painel 1
    A tecnologia das motocicletas atuais está bem debaixo dos nossos narizes. Cada vez mais modelos têm painéis sofisticados, cheios de conteúdo e recursos variados. E eles estão longe de ser “enganação marqueteira". Oferecer um panorama fiel do comportamento dinâmico da motocicleta em telas de formatos e dimensões variadas é um dos grandes objetivos dos técnicos, cientes de que as novas geração de motociclistas irão se identificar com uma grande interatividade, como a disponível em smartphones e tablets. 

    Dados simples como velocidade e quilômetros rodados, coisa que qualquer painel de uma moto fabricada há 50 ou 30 anos atrás, já não bastam. A regra é oferecer muito mais do que a maioria deseja saber, e assim informar qual a média horária do último percurso, o consumo instantâneo e médio em km/l, a autonomia residual e um mais um calhamaço de informações sobre o motor – temperatura do líquido de arrefecimento e nível do óleo, pressão dos pneus e muito mais. Não importa se nada ou muito pouco disso tudo seja consultado pelo usuário: uma moto “top” que não ofereça essa multiplicidade de dados não merece ser chamada de “top”.
     
    Explorar a atual tecnologia para melhorar o nível de informação do motociclista é correto, e um bom exemplo vindo dos automóveis é oferecer sistemas de navegação por GPS nas motos destinadas aos viajantes inveterados. O mapa fixado ao tanque com fita adesiva ou a mais profissional, mas ainda assim precária, bolsa de tanque com plástico transparente protegendo o precioso roteiro das intempéries é, definitivamente, uma página virada.
    Painel de moto
    Cuidado com distrações
    A vantagem da facilidade de informação nos painéis das motos de maior calibre esbarra, porém, em um certo exagero. Na ânsia de trazer para as motocicletas o máximo da tecnologia disponível, alguns fabricantes parecem ter se descuidado da fundamental necessidade de dar prioridade à concentração na condução.
    Uma coisa é estar confortavelmente sentado no assento de um carro e acessar as inúmeras telas possíveis do computador de bordo. Outra é fazer isso ao guidão. As consequências de uma distração leve para um motorista e para um motociclista são bem diferentes.
    Quem escolhe a motocicleta como meio de locomoção, seja para transporte ou lazer, inegavelmente pertence a um grupo de humanos habilidosos. Ou ao menos deveria. Por mais simples ou altamente tecnológica que sejam, motos exigem bem mais de seus condutores (e não estamos falando do óbvio equilíbrio) do que veículos de quatro rodas. Por serem assim, hábeis, motociclistas tendem ao abuso constantemente. Sob este ponto de vista, por mais geniais que sejam os projetistas criando soluções de consulta por um mero deslocamento do dedo polegar, a teórica vantagem de ter a informação A ou B pode ser derrotada pelo desvio de atenção que isso exigirá.
    Painel de moto


    Novos botões
    De uma maneira geral, as motos com os painéis mais informativos, geralmente as Gran-Turismo ou as big-trail estilo “Adventure”, têm comandos nos punhos plenos de teclas e botões. Por mais experiente que seja o motociclista, o domínio desses comandos demandará tempo e… Desviar a atenção do principal, que é conduzir a moto de maneira segura e 100% concentrado na pilotagem.

    A motocicleta na origem tinha, na mão direita do motociclista, o comando do acelerador e do freio dianteiro. Logo alguém imaginou ser adequado colocar um botão que cortasse a corrente elétrica do motor, e assim nasceu o “engine stop”, dispositivo com dupla finalidade: a segurança de poder “cortar” a potência caso o acelerador trave aberto, por exemplo, ou para fazer a roda parar de girar em caso de tombo,  na azarada hipótese de o piloto ficar preso sob a moto. Agora, nesse mesmo punho direito apareceram o botão da partida elétrica, do seletor do “cruise control” (Honda Gold Wing), do aquecedor de manoplas (algumas BMW) ou o seletor do modo do câmbio automatizado (Honda VFR).
    Punho de moto
    Já no punho esquerdo, em que tradicionalmente a mão acionava apenas a embreagem, a buzina e o comando do pisca-pisca, hoje há também lampejador de farol, seletor do computador de bordo, liga e desliga do ABS, o seletor do comando de suspensões inteligentes, o controle elétrico da bolha para-brisa, o botão de acesso ao sistema de áudio e… Longa lista!
    Punho de moto


    Há de se comemorar que, cada vez mais, motocicletas facilitem a vida de seus usuários. Por meio de instrumentos destinados ao conforto, controle seguro do veículo e à informação geral, seja em aspectos dinâmicos e técnicos, seja sobre rotas a serem seguidas, há boa chance de tornar a vida ao guidão melhor. Mas é importante lembrar que exagero frequentemente leva a erros, e esses se pagam muito caro em um veículos que, repito, para ser conduzido com segurança, exige 100% de concentração, 100% do tempo.  
    *Fotos: Divulgação
SOBRE A PÁGINA
Roberto Agresti escreve sobre motocicletas há três décadas. Nesta coluna no G1, compartilha dicas sobre pilotagem, segurança e as tendências do universo das duas rodas.

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