Autoridades de Aceh admitem ter um “grande problema” com a polícia da lei islâmica
LUSA
O chefe da Agência da Sharia Islâmica de Aceh, Syahrizal Abbas, admitiu que existe “um grande problema” de falta de conhecimento da lei islâmica entre a polícia que fiscaliza a aplicação desta legislação na província indonésia.
“Realmente, temos um grande problema (…) A polícia, os promotores de justiça e a polícia da Sharia, por vezes, não conseguem compreender bem a Sharia”, reconheceu, em declarações à agência Lusa.
Segundo o responsável máximo pela lei islâmica na província indonésia de Aceh, às vezes, a polícia da Sharia pede a identificação das pessoas, mas, de acordo com a lei islâmica que vigora na região autónoma, esta entidade “não tem autoridade para identificar os visitantes ou os turistas”, algo que cabe somente à polícia.
Numa altura em que se multiplicam as notícias internacionais sobre Aceh e a aplicação da Sharia, Syahrizal Abbas vincou que a lei islâmica que vigora na região é somente para os muçulmanos de Aceh e que os visitantes não necessitam de preocupar-se.
O responsável admitiu que a Agência da Sharia Islâmica de Aceh tem de dar mais formação aos fiscalizadores para que eles compreendam a lei em vigor e consigam transmiti-la da melhor forma.
Em setembro, o parlamento da província autónoma aprovou uma nova legislação que impõe a lei islâmica a não-muçulmanos e visitantes, o que implica, por exemplo, penalizar quem beber vinho, algo comum entre católicos, ou práticas homossexuais.
Andreas Harsono, responsável da Human Rights Watch (HRW) na Indonésia, explicou à Lusa que o governo indonésio tem um ano para “rever ou impedir” a nova legislação.
Segundo o acordo de autonomia especial conferido a Aceh em 2005, Aceh “não deve contrariar tratados internacionais” assinados pela Indonésia, por exemplo na área dos direitos humanos, clarificou.
O ativista mostrou-se esperançado de que o novo ministro dos Assuntos Internos, Tjahjo Kumolo, que “é bastante crítico de abusos de direitos humanos”, mostre oposição à nova legislação provincial.
Também Papang Hidayat, investigador da Amnistia Internacional na Indonésia e em Timor-Leste, colocou a mesma esperança no governo, lembrando que a legislação em causa “é contra a Constituição indonésia”.
Na visão de Ferry Afrizal, voluntário na Comissão dos Desaparecidos e das Vítimas de Violência (KontraS, na sigla indonésia) e natural de Aceh, será “muito difícil” para Jacarta impedir a nova regulamentação.
As pessoas que não são naturais de Aceh e os não-muçulmanos que vivem na região “estão muito preocupados com a aplicação desta lei, porque pode afetá-los também”, sendo que os próprios muçulmanos de Aceh “tentam evitar” a polícia da Sharia, “porque têm medo de serem apanhados em alguma ofensa”, descreveu.
Em maio, uma mulher acusada de ter relações sexuais extraconjugais foi violada por oito homens que a levaram à polícia da Sharia, mas não se livrou do castigo de açoitamento, enquanto, até agora, apenas três dos oito violadores foram presos.
Andreas Harsono lembrou também “o caso de uma adolescente que cometeu suicídio, depois de ter sido presa pela polícia da Sharia” e de ter negado qualquer infração, porque não conseguiu lidar com a “humilhação” de ver o seu nome nos jornais locais.
No país com mais corrupção do Sudeste Asiático, Papang Hidayat, da Amnistia Internacional, admitiu que existe “alguma impressão” de que as pessoas com mais dinheiro e poder escapam mais facilmente às punições e que podem deslocar-se à cidade mais próxima de Aceh para fazer o que é proibido em Aceh.
Budiarto Eko Kusumo, que investigou o problema da saúde mental em Aceh, disse à Lusa que a lei ainda provoca “confusão entre a população”, “porque os factos e a realidade são, muitas vezes, contraditórios”.
O pesquisador exemplificou que, muitas vezes, há fiscalização nas estradas para verificar se os muçulmanos estão vestidos de acordo com a Sharia, “mas o problema da corrupção não é abordado de todo na lei”.
As organizações de defesa de direitos humanos estão igualmente preocupadas com o encerramento de, pelo menos, 26 espaços de culto das minorias religiosas, através de uma lei com efeitos retroativos, e falam numa regulação discriminatória.
Andreas Harsono referiu que as novas regras “tornam extremamente difícil” construir locais de culto, sendo necessárias centenas de assinaturas de muçulmanos e de organismos locais e nacionais.
O chefe da Agência da Sharia Islâmica de Aceh frisou que a Sharia “aprecia bastante o multiculturalismo” e que estes encerramentos não foram baseados em regulações religiosas, mas antes em permissões nacionais e locais de outra ordem.
O padre Hermanus Sahar, responsável pela única igreja católica de Banda Aceh, não se mostrou preocupado, afirmando que, “até agora”, os católicos “podem rezar facilmente” e que as mulheres, por exemplo, não necessitam de cobrir a cabeça.
“Ache não é um estado, faz parte da Indonésia e a Sharia aplica-se apenas a muçulmanos”, lembrou.
Numa altura em que cresce a intolerância religiosa no maior país muçulmano do mundo, onde o Islão é maioritariamente moderado, o fecho de igrejas tem sido noticiado noutras zonas do arquipélago.
Cerca de 98% dos 4,4 milhões de habitantes da região autónoma de Aceh são muçulmanos, existindo 3,3 mil católicos e 50,3 mil protestantes.
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