Celso Serra
A respeito da polêmica envolvendo a importantíssima palestra do general Hamilton Mourão no Grande Oriente de Brasília, que congrega mais de 2 mil lojas da Maçonaria, é bom recordar um artigo recentemente publicado no Estado de S. Paulo, em 9 de junho deste ano, sobre as disposições constitucionais que regulam a atuação dos militares. No texto, o respeitado constitucionalista Ives Gandra Martins assinala que a mera presença simbólica do Exército serviu para estancar a desordem que vinha se instaurando em Brasília, nos protestos organizados pelo PT e pelas centrais sindicais.
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O PAPEL CONSTITUCIONAL DAS FORÇAS ARMADAS
Ives Gandra da Silva Martins (Estadão)
O PAPEL CONSTITUCIONAL DAS FORÇAS ARMADAS
Ives Gandra da Silva Martins (Estadão)
Os recentes atos de vandalismo provocados por movimentos que sempre se manifestam promovendo a baderna, destruição de bens públicos e privados – pois são notórios violadores da lei e da ordem, a título de impor o que entendem ser ideal para o País, ou seja, a “república do caos” – deixaram um saldo negativo para a imagem do Brasil, com incêndios e depredações de ministérios, em Brasília.
É de lembrar que o ex-presidente Lula pediu aos autoconfessados delinquentes de colarinho branco da JBS dinheiro para financiar a ida à capital federal de invasores de terras (MST), transportados em 60 ônibus, com outros violadores da ordem.
Onde conseguiram dinheiro para tudo isso é questão que deve ser averiguada. Provocaram uma desordem não contida pela Polícia Militar do Distrito Federal e que só foi possível debelar quando o presidente da República chamou as Forças Armadas a intervir, como determina a Constituição.
VIOLAÇÃO À ORDEM – A imprensa, não versada no Direito Constitucional, e os políticos de esquerda, que chamaram os agressores de bens públicos de “companheiros mascarados”, enxergaram no ato uma violação à ordem democrática. Ora, agiu o presidente da República rigorosamente como deveria, não se omitindo na preservação da ordem e da lei, pois a Constituição permite o uso das Forças Armadas em tais circunstâncias.
O artigo 142 da Carta Magna, caput, tem a seguinte redação: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
São três, portanto, as suas funções, a saber: 1) garantir a defesa da Pátria, 2) garantir os Poderes constituídos e 3) a pedido de quaisquer deles (Poderes constituídos) assegurar o cumprimento da lei e da ordem.
REGIME DAS CRISES – Em outras palavras, o Título V da Lei Suprema, destinado a assegurar o Estado Democrático de Direito nas crises externas ou internas – que nós, os constitucionalistas, denominamos “Regime Constitucional das crises” –, constituído de nove artigos (136 a 144), dá às Forças Armadas (142 a 143) e às forças de segurança pública (144) tais funções, que podem ser exercidas em crises internas invocando o “estado de defesa” (crise localizada) ou de “sítio” (generalizada), para evitar que a ordem seja tisnada.
Ora, os baderneiros – que não entendem que na democracia todas as manifestações populares são válidas desde que sem violência – produziram caos impossível de ser controlado pela Polícia Militar, primeira linha de defesa da ordem pública e da paz social. Sua ineficiência causou a necessária convocação do Exército, cuja mera presença simbólica já serviu para estancar a desordem, a ponto de o decreto presidencial poder ser revogado em menos de 24 horas.
A lição não compreendida pelos que desconhecem a Constituição – além daqueles que fingem não compreendê-la por cinismo, com vista à imposição arbitrária de seus próprios objetivos – é a de que os constituintes de 1988 deram às Forças Armadas o relevante papel de estabilizador das crises políticas e sociais, quando os Poderes se tornarem incapazes de uma solução por vias normais.
PAPEL DOS MILITARES – Assim, agem na defesa da Pátria (fracasso da diplomacia), na defesa das instituições contra agressões físicas (fracasso da população em entender que a violência contra instituições não é própria das manifestações democráticas) ou da lei e da ordem (fracasso da harmonia entre Poderes ou invasão de competência de um na de outro).
O simples fato de se criar esse instrumento supremo e estabilizador, em momentos de crise não solucionada pelo poder civil, foi pensado pelos constituintes de 88, objetivando preservar a mais importante conquista política de um povo, que é a democracia.
John Rawls, em seu livro Direito e Democracia, sustenta só ser possível a democracia a partir da convivência de “teorias não abrangentes”. Ou seja: não há teoria absoluta, na democracia; do debate entre as várias teorias é que surge, para cada nação, a melhor aplicável. Não sem razão, o regime parlamentar é o melhor sistema de governo (responsabilidade a prazo incerto), pois as mudanças políticas se fazem sem traumas, ao contrário do presidencialismo (irresponsabilidade a prazo certo), em que tais mudanças são sempre traumáticas. Das 20 maiores democracias do mundo, 19 são parlamentaristas e só uma (Estados Unidos) é presidencialista.
FUNÇÃO RELEVANTE – Tais considerações eu as faço para esclarecer que têm as Forças Armadas função relevante, para não permitir que a democracia brasileira seja maculada por baderneiros e políticos oportunistas, ou seja, aqueles que causaram o caos econômico, a inflação descontrolada, o desemprego elevado e brutal queda do PIB, além de longos anos de corrupção sem limites.
A democracia só pode ser vivenciada por povos que compreendem que o debate político é necessariamente oposição de ideias e que estas devem ser sempre expostas sem limites, mas também sem violência, para que a razão, e não a emoção gerada pelo populismo, venha a prevalecer. A ignorância, de rigor, é a grande arma de que o populismo se serve para conquistar o poder. Mas o líder populista é um despreparado para exercê-lo, razão por que, quando o conquista, promove retrocesso e corrupção.
Pode-se criticar o texto constitucional por adiposidade excessiva em disposições, muitas delas sem densidade constitucional. Mas, na essência, Ulysses Guimarães e Bernardo Cabral (presidente e relator) conseguiram de seus pares um texto em que a parte dedicada aos princípios fundamentais é boa, principalmente a que diz respeito aos direitos individuais e ao equilíbrio entre os Poderes, com papel relevante, mas de reserva para crises, das Forças Armadas.
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