Segundo dados de dezembro de 2014 do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o Brasil possui 622 mil detentos, mas apenas 372 mil vagas em unidades prisionais. Isso significa que, caso a lei venha a ser aprovada e efetivamente aplicada, 250 mil presos poderiam, em tese, progredir para um regime mais benéfico pelo critério da superlotação.
A reportagem do site jurídico JOTA ouviu a opinião de representantes da magistratura, do Ministério Público, da Defensoria Pública e de um advogado sobre o assunto.
Edison Brandão , desembargador da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo e diretor do Fórum Nacional de Juízes Criminais (Fonajuc)
O Direito Penal na última década e meia fez uma opção muito forte para a quase impunidade. Somos o país com mais mortes no mundo e, ao mesmo tempo, o que menos pune. O Brasil é apenas o 32º ou 34º com mais presos, sendo que são assassinadas 60 mil pessoas por ano. O Brasil mata muito padeiro, mata muito açougueiro porque mata todo mundo, é uma guerra civil. Só os multi-reincidentes é que são presos. O país não está conseguindo sequer aumentar vaga de hospital como é que vai aumentar vaga de presídio? O que se pretende com essa lei? Não se pretende melhorar a situação de ninguém, não tem uma linha falando de investimento, nada. Só um comando dizendo: solte. Você soltaria dezenas de milhares de presos numa sociedade já extremamente violenta? É gente que explode caixa de banco, dá tiro em taxista, é miliciano e policial que matam. Vamos soltar todos?
Douglas de Melo Martins, juiz e ex-coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do CNJ
Faz total sentido esta alteração. Acredito que a lei não fracassará se for aprovada e entrar em vigor porque ela será aplicada pelos juízes de execução penal, que, via de regra, são mais humanistas que os juízes criminais. É o juiz de execução penal que sofre com a superlotação, que faz inspeção em presídio e convive com a violação diária de direitos humanos. Por outro lado, como a sociedade acredita que mais aprisionamento proporciona mais segurança pública, os governadores sofrerão grande pressão para abrir mais vagas. Ou seja, por várias razões, não teremos essas 250 mil progressões que correspondem à superlotação atual.
Paulo Sorci, juiz da 5ª Vara das Execuções Criminais de São Paulo e diretor do Fórum Criminal da Barra Funda
Sou favorável. O legislador reconhece, finalmente, a regra elementar da física que impede a coexistência de dois corpos num mesmo espaço. O mutirão entra como o instrumento corretivo. Salutar isso. Como de costume, não se perdeu o hábito de se reconhecer, de antemão, a incúria do Poder Executivo com a previsão da possibilidade de que haverá a superação da capacidade.
Pedro de Jesus Juliotti, procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo
O sujeito não cumpriu nem um sexto da pena e você já vai antecipar? Isso parece bastante temerário. Isso talvez não deva ser aprovado em plenário ou, se for, depois o Supremo deve barrar. Eu não vejo como aplicar isso na prática. Pode gerar uma certa desigualdade: um juiz de uma determinada comarca vai antecipar a progressão em um mês, outro juiz antecipa em três meses. É muito subjetivo. Essa norma está fadada ao insucesso. A partir do momento que você está soltando presos antes do prazo que a lei determinaria você está violando preceitos constitucionais, como a segurança da coletividade, e aumentando a possibilidade da práticas de crimes.
Leonardo Biagioni de Lima, coordenador do núcleo de situação carcerária da Defensoria Pública
Nosso sistema carcerário está completamente inchado. O Brasil é o único país entre as quatro maiores populações carcerárias que continua aumentando o número de presos. O STF já declarou que vivemos um estado de coisa inconstitucional nas unidades prisionais. As mudanças não poderiam deixar de acontecer. O próprio Estado brasileiro firmou perante a ONU um compromisso para reduzir a população carcerária no mínimo em 10% até 2019. Não podemos colocar mais pessoas do que o espaço permite. É uma lógica que não se aplica hoje. Por outro lado, o projeto traz um avanço muito tímido em relação a algumas outras questões. Deveria, por exemplo, trazer uma vedação expressa às revistas vexatórias, que continuam existindo nas prisões brasileiras. Também não houve um dispositivo para coibir a tortura.
Marco Florêncio Filho, advogado e professor do mestrado e doutorado em Direito do Mackenzie
A mudança seria fantástica. Juridicamente ela é boa porque aperfeiçoa o sistema de cumprimento de pena. Os fins da pena não são cumpridos no Brasil. O critério de prevenção geral e ressocialização terminam não sendo cumpridos por uma questão de superlotação do sistema carcerário, de seletividade do sistema penal, dentre outras coisas. A decisão do STF de cumprir a execução provisória de pena iria colapsar o sistema, torná-lo pior do que está. Mas, essa proposição legislativa funciona como uma válvula de escape para isto. Agora, há um problema político: o custo para se construir uma penitenciária. No momento econômico em que o país se encontra, de onde vão ser retiradas as verbas?
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