segunda-feira, 1 de agosto de 2016

"Foi a sociedade inteira, não só os militares, que amadureceram"

Ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, o general Sergio Westphalen Etchegoyen demonstra confiança na preparação do Brasil para realizar Olimpíada segura


Por: Guilherme Mazui
01/08/2016 - 03h06min | Atualizada em 01/08/2016 - 03h06min

"Foi a sociedade inteira, não só os militares, que amadureceram" Jorge William/Agência O Globo
General ressaltou que desde 1985 as Forças Armadas não foram fatores de instabilidadeFoto: Jorge William / Agência O Globo
Ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, o general de Exército Sergio Westphalen Etchegoyen se considera um "otimista". É com essa postura, de mirar o "copo meio cheio", que demonstra confiança na preparação do Brasil para realizar Olimpíada segura, livre de atentados, a exemplo do que ocorreu na Copa do Mundo.
À frente do GSI, o gaúcho de 64 anos, natural de Cruz Alta, é peça-chave da engrenagem de segurança dos jogos, já que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) é subordinada ao gabinete. No cargo, o general rebate críticas de exagero nas recentes ações que resultaram em prisões de suspeitos de apoiar o terrorismo.
Terceira geração de generais em sua família, Etchegoyen, que tem origem basca, era chefe do Estado-Maior do Exército até maio, quando Dilma Rousseff foi afastada em virtude da abertura do processo de impeachment. Presidente interino, Michel Temer escolheu o militar para comandar o GSI, que recuperou o status de ministério. Sobre o processo contra Dilma, o general discorda da tese de golpe, nega que monitore movimentos sociais e destaca que o Exército foi um "ator silente" da institucionalidade.
— O Exército não faria, não participaria e não admitiria aventuras — diz.
Responsável pela segurança de Temer, Etchegoyen despacha quase todas as manhãs com o peemedebista, que prioriza as informações sobre riscos de atentados na Olimpíada. O general tem tranquilizado o presidente com dados e um discurso de confiança no monitoramento de suspeitos e na troca de informações entre órgãos de segurança do Brasil e de outros países. É o mesmo tom adotado na entrevista concedida pelo militar a Zero Hora em seu gabinete, no quarto andar do Palácio do Planalto. Confira os principais trechos.
Depois do atentado em Nice, o senhor afirmou que seria revisto o plano de segurança das Olimpíadas. O que mudou?
Não falei sobre rever todo o programa, falei que a gente tinha de dar uma repassada a partir de um fato novo. Era dever de qualquer pessoa responsável pela Olimpíada repassar o planejamento para ver se algo que aconteceu lá, que não tenhamos posto aqui. A grande novidade desse novo modelo de terror é transformar um caminhão numa arma. Passou o caminhão no raio-X, não tem nada, segue viagem. Agora, o próprio caminhão pode ser uma arma. Foi isso que quis dizer. Revisar o planejamento não é desqualificá-lo.
Foi criado algum procedimento para minimizar o risco?
Não vamos neurotizar com caminhões, apenas deixamos mais rígidos os controles. Vamos pedir para que as pessoas cheguem um pouco mais cedo aos locais dos jogos. Tivemos a experiência dos aeroportos. Apertou-se o controle, aumentou a fila, então, as pessoas chegam um pouco mais cedo. É o custo da segurança, infelizmente.
Por que é tão difícil conter o lobo solitário?
A base de toda a estrutura de segurança é a informação, a inteligência. A gente raciocina para planejar com possibilidades, não com probabilidade. É possível que isso aconteça? Então, vamos planejar. Para todas as possibilidades levantadas, estabelecemos planos de ação e reação. Não é onde está o lobo solitário. A gente monta a estrutura com base em experiências que acumulamos.
França e Alemanha têm dificuldades em conter atos de terror. O Brasil será diferente?
Vou responder a pergunta indiretamente. Temos 8,5 milhões de metros quadrados, quatro fusos horários, a distância norte-sul do Brasil é a mesma de Londres ao Cairo. Num país deste tamanho, conseguimos acompanhar ameaças reais, monitorá-las e fornecer para um juiz elementos de convicção para ele determinar a prisão de 12 pessoas. Quem conseguiu fazer isso? A Bélgica não conseguiu. A França, que é um pouco maior do que a Bahia, não conseguiu. Nós conseguimos.
A Operação Hashtag sofre críticas sobre eventual exagero. No Rio Grande do Sul, o suspeito preso era criador de galinhas.
Isso é uma desconsideração com o juiz. Tenho certeza da seriedade dele, embora não o conheça. E tenho certeza de que, nenhum juiz no Brasil, num país democrático e na estrutura penal e legal que temos, decreta a prisão de alguém porque o cara é ladrão de galinha.
Foi o primeiro caso que o senhor pegou de suspeita de terrorismo?
É o caso que peguei e que vi bem resolvido, com integração com agências internacionais. Quem tem a competência é a Polícia Federal, que fez muito bem a operação. Vamos ver a coisa pelo copo meio cheio: tu tens uma polícia que prendeu 12 pessoas que não são inocentes, que não são escoteiros fazendo uma aventura, e não teve um tiro.
As críticas vieram, também, porque o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, falou que era uma célula amadora.
Não sou comentarista das afirmações dele. Acho que montamos integração entre as agências e mostramos competência. O Judiciário interpretou a lei, criou elementos de convicção e mandou prender os caras. Isso só foi possível porque o Legislativo aprovou uma legislação antiterror. O copo meio cheio é bonito. Tu tens o Estado, nos seus três poderes, agindo para prevenir o terrorismo.
Quantas pessoas são monitoradas no Brasil por simpatia ao Estado Islâmico?
Desculpe, mas não vou tratar de dados da operação. Há 12 que já estão identificados.
A Abin é vinculada ao GSI. O senhor recebeu a missão de melhorar a agência?
A missão que recebi foi reforçar o papel da Abin como órgão central do sistema de inteligência.
A Abin estava aparelhada, o que não seria conveniente para um órgão de Estado que lida com inteligência?
A acusação de aparelhamento não cabe num órgão público cujo ingresso é por concurso. O que pensam, em quem votam os servidores da Abin, é um direito de qualquer cidadão. A questão é: os servidores da Abin devem agir como servidores de um órgão de Estado. Eles não servem a governos, eles servem ao Estado.
É uma crítica que a antiga oposição fazia.
E agora a Abin está aparelhada por quem? Pelo DEM, PSDB, PMDB? Os servidores são todos concursados, então, como eu aparelho, agora, pró-governo atual?
O senhor cuida da segurança do presidente interino Michel Temer. Ele viaja pouco até o momento pelo estilo reservado ou pelo momento do país, com risco de manifestações?
O presidente Temer definiu a política na primeira reunião do ministério, quando determinou que se preservasse a fotografia da presidente afastada nos gabinetes. É um constitucionalista, um homem experiente. Não iria se precipitar e sair fazendo um Carnaval.
Antes da abertura do processo de impeachment, comentava-se o risco de invasões de terra e bloqueio de rodovias. O GSI monitora movimentos sociais como o MST?
Já fomos acusados de monitorar movimentos sociais, mas isso daria um trabalho tão grande... A gente monitora incidentes, se pode haver bloqueio ou ocupação, e não interessa quem está no local. Até aqui, a nossa sociedade tem demonstrado maturidade. O Brasil atravessa todas as crises sem sobressaltos. Tem disputas retóricas, passeatas, mas não tem quebra de institucionalidade, não tem violência. Eu me pergunto algumas vezes, quantos países no mundo enfrentariam todas essas turbulências e conseguiriam fazer o que estamos fazendo sem recorrer à aventuras institucionais.
Reportagem da revista Isto É mostrou o aparato de segurança da família da presidente afastada Dilma Rousseff em Porto Alegre, com carros blindados e seguranças. É o procedimento padrão ou uma mordomia?
Está absolutamente correto.
É dever legal dar à família a segurança até que se diga que ela não é mais presidente, se disserem.
A família de Temer tem a mesma segurança?
É exatamente igual. A questão é a seguinte: como é que tu vais ter uma ou um presidente, dedicado 24 horas por dia ao trabalho, com a cabeça preocupada se filha, genro ou neto estão seguros?
O senhor é a terceira geração de sua família de generais. Que legado deixam ao Exército?
Difícil falar. Digo o seguinte: meu avô deixou um apartamento ao meu pai, meu pai deixou um apartamento para nós, eu vou deixar um apartamento para os meus filhos. Meu pai (Leo Guedes Etchegoyen) foi meu espelho durante toda minha carreira.
É atribuída ao senhor a afirmação "o bolivarianismo só dá certo na Venezuela por causa do baixo nível das Forças Armadas". E sua essa opinião?
Lembro de ter dito outra coisa. Acho que o bolivarianismo não dá certo no Brasil porque pressupõe a adesão das Forças Armadas a uma determinada ideologia. O lema das forças armadas venezuelanas é socialismo: pátria ou morte. Então, aderiu-se a uma teoria política.
Não é o caso do Brasil?
A instituição é de Estado, não está a serviço de um governo, de uma ideologia. No Brasil, temos Forças Armadas politicamente consistentes, que cumprem seu papel sem possibilidade de se afastarem dele.
Os militares participaram de momentos de ruptura, como proclamação da República, Revolução de 30, golpe de 1964. No momento, estão comedidos?
A leitura é mais complexa. Enquanto o Brasil não teve instituições sólidas, as Forças Armadas eram vistas como legítimas no campo político. Todas as vezes em que as Forças Armadas intervieram, mesmo que não fosse legal, teve verniz de legitimidade. Qual a diferença que houve de 1964 para 1992? Em 1964, houve legitimidade dada pelo apoio civil. Em 1992, a mesma sociedade reconheceu que a legitimidade para resolver o problema de Fernando Collor era do Congresso.
Isso se repete em 2016?
Repete, mas agora apareceu um fator que não tinha em 1992, que é o anti-impeachment. Como havia duas partes, elas foram ao Judiciário, que estabeleceu um rito. Aí, a coisa voltou ao Congresso. Tu tens uma sociedade que amadureceu. Foi a sociedade inteira, não só os militares, que amadureceram. Tu tens a maturidade de toda uma sociedade que construiu instituições sólidas. O que é a legitimidade?
O Congresso promovendo um processo de impeachment, o Judiciário estabelecendo as condições jurídicas e as Forças Armadas fazendo o papel delas. Ninguém foi no quartel perguntar para nós "vem cá, vamos lá fazer?". De 1985 para cá, em que momentos as Forças Armadas foram fatores de instabilidade? Nunca.
O senhor criticou o relatório da Comissão Nacional da Verdade (na lista de autores de violações de direitos humanos consta o nome do pai do general). Por quê?
Tudo o que tinha para dizer está esgotado na nota. Duas coisas importantes: nunca chamei a comissão de comissão da mentira ou da meia verdade, e não sou contra a uma comissão da verdade. Só não reconheço, naquela comissão, a busca da verdade. Reconheço que buscou uma versão, e a história de um país não se escreve com versões. É isso.
O que acha do discurso de golpe, usado pelo PT para tratar do processo de impeachment?
É uma figura retórica, que é até legítima no jogo político, mas a gente tem de entender que as partes recorreram à Justiça, que estabeleceu o rito e os limites. Alguém ultrapassou os limites ou deixou de cumprir o rito? A gente vive efetivamente o Estado.
Antes da aprovação da abertura do processo de impeachment, quando o clima político estava mais tenso, o senhor percebeu agitação nas Forças Armadas?
Era chefe do Estado-Maior do Exército à época, o Exército estabeleceu premissas e não se afastou delas: legalidade, estabilidade e legitimidade. O Exército não faria, não participaria e não admitiria aventuras. O Exército foi um ator silente, garantindo estabilidade, pela própria atitude, a esse processo todo, o que acho admirável.

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