Menos de sete meses se passaram desde que 3,3 milhões de votos reelegeram Beto Richa governador do Paraná, ainda no primeiro turno. Naquele momento, havia quem apostasse que o tucano teria, no futuro, capital político para alçar voos mais altos, quiçá até mesmo o Planalto. Com 49 anos e de perfil conciliador, ele era, ao lado de Aécio Neves, visto como uma das caras da renovação do PSDB. Agora, poucos dias após a Polícia Militar do Estado ter reprimido e jogado bombas em centenas de professores e servidores que protestavam contra uma mudança na previdência estadual, a avaliação é que a reputação do governador derreteu.
“Uma série de erros levaram o governador de presidenciável a uma situação de vala comum’”, afirma Mario Sergio Lepre, cientista político da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Segundo o professor, Richa subestimou o impacto negativo do pacote de austeridade fiscal que tenta aprovar para tentar aliviar a crise financeira do Estado, parte dela produzida na sua gestão anterior. Na quarta, dia do protesto, foi aprovado na Assembleia projeto que modifica o sistema previdenciário dos servidores públicos. “Ele achou que bastava ter maioria parlamentar, e se esqueceu que a democracia brasileira está muito mais complexa do que há dez anos”, diz. A mudança foi aprovada por 31 votos a 20, mas com parlamentares que integram a base de sustentação de Richa votando contra a medida.
Para o professor, ao isolar a assembleia e reprimir os professores Richa provavelmente aprofundou o desgaste em sua popularidade, num panorama que pode ser comparado ao vivido pelo então governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral no final de seu segundo mandato. Em 2014, a PM fluminense reprimiu com violência professores e estudantes que se manifestavam contra o Governo, derrubando a popularidade de Cabral – que se licenciou meses antes do término do mandato e não disputou nenhum cargo aquele ano. Levantamento do instituto Paraná Pesquisas feito em março aponta que 76% dos paranaenses desaprovam seu Governo.Lepre acredita que o governador superestimou seu capital político. “Ele foi eleito no primeiro turno com o Estado falido”, afirma. “Mas é preciso entender que o voto em Richa foi mais um voto de rejeição aos demais candidatos do que um apoio entusiástico ao tucano.” O tucano concorreu contra o ex-governador Roberto Requião (PMDB) e com a senadora Gleisi Hoffmann (PT).
A reação de Richa após a violência da quarta-feira também não o ajudou. À Folha de S. Paulo, ele disse que os policiais tiveram "uma reação natural da proteção da vida" e revidaram. O saldo de feridos - ao menos 200 entre os manifestantes - e as imagens da repressão levantaram críticas e a Anistia Internacional lançou nota cobrando o governador.
Rombo nas contas
Emerson Cervi, cientista política da Universidade Federal do Paraná (UFPR), afirma que é preciso diferenciar “a trajetória eleitoral de Richa, que é extremamente positiva”, de sua “história administrativa”. De acordo com ele, o tucano não conseguiu emplacar sucessor após sua gestão na prefeitura de Curitiba [2004-2010], "algo comum na capital”.
Cervi acredita que a imagem de político “jovem, competente e promissor” de Richa sai abalada após os episódios da semana que passou, mas os grandes prejudicados serão seus aliados. “Ele vai ter dificuldade de transferir votos para deputados de seu grupo político que disputarão as eleições em 2016. Em especial para quem for disputar a prefeitura da capital.”
O pacote de austeridade proposto pelo Governo é uma tentativa de equilibrar as contas do Estado, que fechou o ano de 2014 com um déficit de mais de 4 bilhões de reais, o segundo maior do país. Como resultado, o pagamento de férias e 13o salário dos servidores foi atrasado e obras foram interrompidas. "O que interessa para a população são as obras. As dívidas, nós vamos administrando", afirmou o governador em entrevista à Folha de S. Paulo em fevereiro.
Em 2014, Richa justificou a crise econômica culpando o atraso de empréstimos e repasses do Governo Federal. Seu novo secretário da Fazenda, Mauro Ricardo Costa, disse em entrevista ao jornal Gazeta do Povo que “[o governo] errou no momento em que gastou mais do que devia. Se você faz um orçamento acima das possibilidades de receita, você quebra o Estado".
Durante a campanha em 2014, Richa alegou ter recebido de Roberto Requião uma “herança maldita” no Governo, altamente endividado e com a máquina pública inchada. Para Cervi, “o argumento da ‘herança maldita’ não vale. Assumir dívidas do antecessor não é uma variável, é uma constante. Houve má gestão por parte do governador”. De acordo com o professor, grande parte dos problemas fiscais do Estado se desenvolveram nos últimos quatro anos, sob a batuta do tucano. “Houve um inchaço da máquina pública, em especial depois de 2012, quando o grupo político dele perdeu a prefeitura para o PDT e ele precisou absorver funcionários comissionados do município no governo”, afirma Cervi. Isso teria aumentado muito os custos e reduzido o poder de investimento do Governo.
Para Carlos Magno Andrioli Bittencourt, coordenador do curso de Ciências Econômicas da PUC-PR, a questão não é tão simples. “Os oito anos do Governo do Roberto Requião [2003-2010] foram marcados por um grande desenvolvimento da economia paranaense”, afirma. O preço das commodities estava em alta, o que levou o governador a “realizar uma série de investimentos em serviços públicos”. “Quando a crise econômica chegou, Richa foi eleito e herdou parte desses problemas. Havia hospitais construídos que não haviam sido pagos.”
De acordo com o professor, soma-se à “herança maldita” deixada por Requião um orçamento mal elaborado. “A equipe econômica do Richa superestimou as receitas para 2014. O déficit nas contas atualmente é decorrente disso”, afirma. “O Paraná tem a economia baseada no agronegócio. Com os preços em baixa a arrecadação cai, e isso precisa ter sido levado em conta.”
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