Quando o mural Guerra e Paz foi inaugurado na sede da ONU, em Nova York, em 6 de setembro de 1956, seu autor, Candido Portinari (1903-1962), estava ausente, pois seu visto havia sido negado pelos Estados Unidos por suas ligações com o Partido Comunista.
Mas agora, quase 60 anos depois, o painel, formado por duas gigantes pinturas a óleo sobre madeira, será reinaugurada no hall da Assembleia Geral da organização com a presença de seu filho, João Cândido.
"Em palestras, quando me perguntam se o quadro continua atual, mostro fotos do 11 de setembro, da guerra no Iraque e de outros conflitos atuais. Agora, tenho que incluir a foto no menino sírio morto em uma praia turca", diz João Cândido à BBC Brasil.
Ele ressalta que o painel sobre a guerra feito por seu pai não traz imagens de armas, tanques ou soldados, porque Portinari preferiu se concentrar no sofrimento do povo em meio ao conflito, o mesmo sofrimento que João Cândido vê nas imagens recentes que correram o mundo de refugiados em busca de abrigo na Europa.
"Vou discursar na ONU sobre a urgência de construirmos uma nova humanidade. Quero que esta oportunidade de falar no palco mais nobre do mundo sirva para conclamar e conscientizar, porque é a nossa própria sobrevivência que está em jogo."
'Vibração cromática'
Guerra e Paz voltará a ser exibido na ONU após cinco anos. Neste período, o mural foi exposto no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Belo Horizonte e em Paris.
No Rio, os dois painéis de 140 metros quadrados e 1 tonelada cada um ainda passaram, durante quatro meses, por sua primeira restauração, que recuperou sua "vibração cromática", segundo João Cândido.
O projeto teve um custo de R$ 30 milhões e veio à tona em 2007, quando o filho do pintor soube que a ONU passaria por uma reforma, quando as obras de arte abrigadas em sua sede teriam de ser retiradas.
"Foi um milagre que permitiu realizar um sonho acalentado há muitos anos: que o público pudesse ver esta obra do meu pai. Ela fica em um local de segurança máxima onde é muito difícil ter acesso. Isso sempre me incomodou", diz João Cândido.
Esta meta foi atingida com louvor. Guerra e Paz foi visto por 360 mil pessoas nas cidades pelas quais passou.
João Cândido diz que um dos momentos que mais o emocionou neste tour ocorreu em Paris, na França. Ele estava no museu Grand Palais, onde a obra era exibida, quando foi abordado por uma senhora.
"Ela falou 'Olha, vou te dizer uma coisa', e falou com tanta veemência que achei que fosse me censurar, mas emendou: 'Tenho 72 anos, há 52 visito museus e exposições e nunca fiquei tão tocada quanto agora'", relembra ele.
"Senti muito orgulho de ser brasileiro. É muito bom poder mostrar esta obra e receber de volta esta emoção de pessoas de outras nações. Isso nos engrandece e nos dá força para seguir em frente."
Percalços
Desde dezembro, os murais estão de volta à ONU, mas cobertos e à espera da cerimônia de reinauguração, que teve sua data adiada duas vezes pela dificuldade em conseguir recursos de patrocinadores.
"Foi penoso. Fiquei na sala de espera de muita gente importante, mas tanto o governo federal quanto a iniciativa privada estavam tomados pela agenda da crise", diz o filho do pintor.
Os percalços não impediram, no entanto, a confirmação do evento para o dia 8 deste mês, quando Guerra e Paz será descortinado mais uma vez, às vésperas da abertura da 70ª Assembleia Geral do ONU, marcada para o dia 15.
As dificuldades obrigaram que a cerimônia sofresse "algumas adequações", segundo sua curadora, a diretora de teatro Bia Lessa, e deixasse de lado um pouco do espetáculo para se concentrar na mensagem que deseja passar.
"Assim como no quadro de Portinari, não vamos falar de uma violência de bombas e espingardas, mas do sofrimento trazido pela violência do cotidiano por meio de poemas de autores de diversas partes do mundo, por exemplo", explica Lessa.
"Poder falar sobre guerra e paz neste momento é muito interessante. A reinauguração do quadro agora tem uma carga simbólica muito grande."
Com isso, estará finalmente concluído um projeto que levou oito anos desde sua idealização. Mas os planos do filho de Portinari não terminam por aí. Ele gostaria que Guerra e Paz fosse aberto à visitação.
"Ao menos uma vez por semana, em um horário limitado. A ONU tem estrutura de vigilância para lidar com isso. Se houver vontade política…", diz João Cândido.
"A missão brasileira está ajudando a viabilizar. Não posso prometer, mas estamos trabalhando muito para isso."
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