Imaginemos que dois pais de família brasileiros com salários bem distintos resolvam comprar hoje, um dia após o Governo anunciar um pacote de novos impostos, uma bola oficial da CBF para seus respectivos filhos. Ela custa 400 reais, sendo que quase metade desse valor (185,96 reais) vem de impostos embutidos no produto. Se o primeiro pai for da classe A, com um salário mensal de 30.000 mensais, o peso do imposto seria de apenas 0,62% do salário mensal. Se o segundo pai for da emergente classe C, com um salário de 1.200 reais, ele significa 15,5% do seu ganho mensal. O caso hipotético, citado pelo presidente executivo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), João Eloi Olenike, serve para exemplificar o funcionamento do atual sistema tributário brasileiro: como não se aplica de acordo com a faixa de renda de cada um, acaba penalizando mais a classe com menor poder aquisitivo. Em outras palavras, ele tributa igual os desiguais.
O mesmo princípio pode ser aplicado no resgate da CPMF proposta nesta segunda-feira pelos ministros Joaquim Levy (Fazenda) e Nelson Barbosa (Planejamento). Ela deve incidir diretamente sobre todas as movimentações financeiras por via bancária, como em saques em dinheiro e pagamento de cartão de crédito, por exemplo. Dessa forma, se os dois pais comprarem pela internet através do cartão essa bola ou qualquer produto terão um desconto de 0,2%, se a proposta for aprovada. Nesse caso, o peso para o pai da classe A será muito menor do que para o pai da classe C. “Não há dúvidas de que a classe mais baixa sofre mais com esses impostos indiretos e que são regressivos. No caso dos impostos da bola, por exemplo, o pai mais pobre acabou pagando proporcionalmente 25 vezes mais que o outro”, explica Olenike.
O antigo-novo imposto, caso passe no Congresso, contribuirá ainda mais para aumentar a carga tributária do país que hoje é a maior da América Latina. Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o total de impostos pagos pelos brasileiros atinge 35,7% de toda a riqueza produzida no país. A taxa está acima de países desenvolvidos como Estados Unidos (25,4%), Suíça (27,1%), Canadá (30, 6%) e Reino Unido (32,9%).
Para Olenike, falar em um aumento de impostos sobre a renda é mais justo que cogitar subir as taxas que incidem sobre a produção e comercialização de produtos —que são repassados aos consumidores— ou em movimentações financeiras. “Como nos impostos indiretos não há distinção entre classes e todos pagam o mesmo, a parcela mais pobre da população acaba pagando, proporcionalmente, mais taxas tributárias”, explica.Isso acontece em grande medida porque o Brasil possui um volume alto de impostos indiretos, que estão embutidos nos produtos e serviços e são cobrados de forma igual para todos. Por outro lado, os brasileiros pagam menos impostos sobre a renda que a média dos países da OCDE, o que serviu de justificativa para o ministro da Fazenda,Joaquim Levy, sugerir na semana passada, o aumento na cobrança deste tributo para rendas mais altas, como uma saída para equilibrar as contas públicas do Governo, mas acabou não tocando no assunto no anúncio de segunda-feira.
Caminhos da crise e serviços
Para o especialista, apenas uma mudança tributária mais ampla pode funcionar de verdade no país e reduzir a desigualdade. “O Imposto de Renda deveria subir para os mais ricos, mas é fundamental que, ao mesmo tempo, sejam reduzidos os impostos indiretos”, conclui. Há anos especialistas dizem que é preciso mudar a maneira como se cobra impostos no Brasil. Além da penalização dos mais pobres, há sobreposições de tributos e uma "guerra" entre Estados e entre os Estados e Governo federal para decidir quem fica com a verba. No sufoco da crise e do aperto fiscal, porém, o caminho trilhado pelo não tem sido um plano amplo, pelo menos até agora. Uma das frentes para amenizar as perdas financeiras do caixa estatal tem sido justamente o aumento de tributos indiretos, como a recente revisão da desoneração do PIS/Cofins para computadores, tablets e smartphones, a mudança no IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) sobre operações de créditos do BNDES e mudança na tributação de bebidas como vinhos e destilados.
Para Fernando Gaiger, especialista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), temos um desenho tributário muito ruim no país. “Não há dúvidas que o Imposto de Renda teria que ser mais progressivo e ter menos deduções para que realmente ele alcançasse a magnitude desejada e permitisse a queda dos impostos indiretos”, explica. Segundo o pesquisador, uma solução seria também acabar com os descontos sobre a saúde pública. “Ao permitir esse desconto estamos deixando de arrecadar 9 bilhões de reais das pessoas físicas”, explica. Na opinião de Gaiger já passou da hora de pensar em mudanças mais equitativas. “A grande questão do ajuste fiscal é saber quem vai pagar as consequências. Quem vai arcar, como será distribuído? Ao que parece continuaremos com mais do mesmo, sem nenhuma preocupação em dividir de forma justa os tributos”, explica.
O nó está em convencer ao mais ricos a pagar mais impostos quando eles resistem, entre outros motivos, por um bastante forte: não usam parte dos serviços públicos que eles também financiam. É por isso que, na opinião do economista e professor da FGV, Antônio Carlos Porto Gonçalves, não é possível comparar somente o tamanho do peso dos impostos dos países sem analisar também a qualidade dos serviços públicos oferecidos. “O retorno do imposto em setores de educação e saúde é catastrófico”, afirma. Segundo relatório do IBPT, dentre os 30 países que cobram mais tributos no mundo, o Brasil segue na última colocação no ranking que mede o retorno oferecido em termos de serviços públicos.
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