Edinho Silva, um zagueiro mediano da Ferroviária de Araraquara — posteriormente deslocado para a lateral esquerda por ser mais baixo do que o necessário para o posto — trocou o futebol pela carreira política ainda na década de 1980. Mas não abandonou a antiga característica da época dos gramados: permanece jogando na defesa. Em 2014, no meio do tiroteio da Operação Lava-Jato, foi escalado tesoureiro da campanha de Dilma Rousseff para “blindar”, segundo ele próprio, a caminhada da reeleição da petista. Passada a eleição, o menino que começou a vida carregando malas no hotel do qual o pai era porteiro, tornou-se ministro da Secretaria de Comunicação de um governo desgastado diante da opinião pública.
Durante entrevista ao Correio, Edinho, de 50 anos completados no último mês de junho, defendeu o modelo de coalizão definido pela reforma ministerial anunciada por Dilma na sexta-feira como o principal passo para a saída da crise política e econômica. “A reforma veio num momento para se criar a estabilidade necessária, a paz necessária, para a retomada do crescimento econômico.” Ao longo de quase 90 minutos, o tesoureiro da campanha em 2014 ainda falou sobre a investigação aberta contra ele no STF para apurar a doação de R$ 7,5 milhões supostamente desviados da Petrobras, admitiu erros do partido e reclamou que muitos dos ataques à presidente Dilma são decorrentes de machismo. “Ela é mulher honesta, íntegra e trabalhadora”, diz ele, no típico papel de zagueiro.
A presidente Dilma não demorou para fazer a reforma ministerial, criando desgaste desnecessário?A reforma ministerial é decorrência de uma reforma administrativa. A presidente Dilma, diante das necessidades de cortes provenientes do ajuste fiscal, não apenas impôs cortes na execução de políticas públicas, mesmo que temporariamente, como impôs restrições ao custeio da máquina. Em decorrência dessa restrição, ela anunciou uma reforma administrativa. A fusão de pastas, de órgãos públicos. A reforma administrativa foi uma sinalização da melhor racionalização do gasto público. A reforma ministerial veio num momento importante para que o governo conseguisse constituir uma nova coalizão, de criar a estabilidade política necessária, a paz política necessária, para que o governo consiga implementar iniciativas importantes para retomada do crescimento econômico, da geração de emprego, de distribuição de renda. (Tudo isso) para executar o programa que efetivamente reelegeu a presidente Dilma.
Espera-se com isso a aprovação da CPMF?
A CPMF é um pedaço de uma série de iniciativas que o governo está tomando de ajuste fiscal, mas a agenda que está colocada como desafio para essa coalizão anunciada — claro, a prioridade é ajuste fiscal — também é importante, afinal temos uma dependência, de retomada do crescimento econômico internacional. Se a economia externa não reagir, hoje com a globalização é muito difícil um país sozinho conseguir enfrentar um período de depressão econômica. Mas, a lição de casa, o governo da presidente Dilma está fazendo. Tem uma outra agenda do Senado, que são medidas estruturantes para que, nesse redesenho da economia internacional, o Brasil se torne um país mais produtivo. O país precisa fazer reformas de Estado para se adequar a essa nova realidade. Tem um redesenho do modelo produtivo, da capacidade de agregar valor, com alta tecnologia. O Estado desenhado pela Constituição de 1988 não dá conta mais desses desafios impostos por esse rearranjo produtivo internacional.
Depois das críticas dos movimentos sociais e da Fundação Perseu Abramo ao ajuste, como realinhar esses grupos ao governo?
A orientação da presidente Dilma é de que temos de dialogar. É inegável que tem contradições. No momento que faz um ajuste, você sempre acaba afetando setores importantes da sociedade. Agora, ajuste não é a política econômica. A política econômica é o crescimento, é a distribuição de renda, é a capacitação do país para que ele se torne cada vez mais competitivo. O governo da presidente Dilma não foi eleito para fazer ajuste, ele foi eleito para ter uma política econômica. Agora, sem o ajuste fica muito difícil você criar as condições para a política econômica. Nós temos de dialogar nesse sentido com os movimentos sociais. Com setores da sociedade. Mas também com o empresariado. É preciso fazer um ajuste fiscal. Isso é inegável. Nenhuma corrente de economistas do Brasil nega. Agora, desenvolvimento econômico não é ajuste fiscal. O ajuste fiscal é um momento para que você, logo em seguida, retome o crescimento econômico. Não há contradição nenhuma.
O governo vai insistir na reforma da Previdência?
O governo nunca deixou de insistir. Tem uma comissão criada, com todos os setores envolvidos, que continua trabalhando. As próprias entidades representativas dos trabalhadores reconhecem a necessidade de uma reforma na Previdência, porque senão, daqui a 20 anos, a Previdência Social vai se inviabilizar. Isso é consenso. Tem uma questão de democratização política, que é tornar o Estado brasileiro com maior capacidade de interação com a sociedade civil. A agenda de junho de 2013 não foi para casa. Ela está presente. Não só no Brasil, mas também no mundo. E existe um questionamento da sociedade civil, desse distanciamento entre o representante e o representado. Então, tem de ter uma reforma de Estado onde esse “fosso” deixe de existir entre o representante e o representado.
Mas essa tentativa de aproximação até agora não surtiu efeito.
Essa agenda de reforma é importante. Ela tem impacto direto na economia. O Brasil precisa mudar a nossa estrutura produtiva para ser mais competitivo. Temos de melhorar a nossa capacidade de investimento na nossa formação profissional. Temos de ter trabalhadores mais preparados, mais capacitados. Temos de ter um cuidado crescente de agregar cada vez mais tecnologia ao nosso sistema produtivo, temos de que fazer com que esse desafio seja regionalizado. Isso está presente na proposta que foi encaminhada pelo Senado. Outra parte dessa agenda também está em gestação nas entidades representativas dos trabalhadores, dos empresários, na comunidade científica.
O Congresso parece não muito disposto a tirar de cena a pauta-bomba, de não votar a CPMF.
Essa é agenda conjuntural, ela passa pela estabilidade política. Caso contrário, é impossível ter avanço econômico e retomar as políticas sociais, porque tudo isso precisa de estabilidade política para a aprovação de medidas importantes, para que a gente saia da agenda do ajuste e entre na política de uma pauta econômica que busque o desenvolvimento com justiça social.
O PMDB sempre vai querer mais, ministro?
A política é a arte de juntar. Espalhar é a coisa mais fácil do mundo. A arte da política é de juntar, criar ideias que possam aglutinar forças políticas.
Antes mesmo do anúncio do peemedebista na Saúde, o partido já negociava o segundo escalão.
Isso faz parte. Essa tensão está sempre presente. Se você pegar qualquer democracia do mundo, no sistema de coalização, que é típico do parlamentarismo, quando você vai constituir o gabinete, é um processo democrático. Se vivêssemos num país ditatorial, você baixaria um decreto, constituiria todo o governo e não teria negociação. Toda a democracia é um longo processo de negociação. Não vejo isso como algo ruim. O que temos de entender é que a negociação política precisa ter um objetivo, que são os interesses da sociedade.
Mas tem hora que cede mais.
Tem de ceder, no Brasil, você não governa com um único partido. Ou você tem coalizão que gere estabilidade política ou você não governa o Brasil.
Esse ambiente de hoje é de instabilidade?
Estamos vivendo um momento de instabilidade, é inegável.
E se consegue ver o risco de impeachment batendo na porta?
Eu não vejo. O impeachment não é uma questão política, é jurídica. Para que tenha um impeachment, você tem de ter um fundamento jurídico. O governo não se preocupa com essa pauta. A nossa preocupação é ter um desafio imenso pela frente, que é a retomada do crescimento econômico, da geração de empregos, da distribuição de renda, geração de oportunidades.
Por que Dilma não fez essa coesão antes?
Ela fez.
Mas no começo de mandato?
A construção política se dá na conjuntura. Se a conjuntura muda, você muda também a coesão política.
Lula é fiador da estabilidade política que vocês estão pensando?
Seria muito injusto com o presidente Lula atribuir essa função, até porque ele é um líder político mundial, importante para o Brasil. A presidente mantém com ele um diálogo constante. É natural, em muitos países, que os ex-presidentes dialoguem com quem está no governo. Temos de criar um ambiente de diálogo, inclusive com outros ex-presidentes. O presidente Lula tem dialogado assim com a presidenta Dilma. Mas dar esse papel para ele é injusto.
O desenho foi definido por Lula?
Não, foi definido pela presidente Dilma. É liderado por ela.
Dilma resistiu muito em tirar o Mercadante. Onde ele errou?
A presidente Dilma escalou os ministros a partir das necessidades que o Brasil está vivenciando hoje. É o ministro no lugar em que ele vai colaborar neste exato momento da vida brasileira. Daqui a um ano, talvez as condições políticas exijam outro desenho de governo. E você desenha um governo para que ele dê conta da realidade que está imposta.
Paga-se muito caro nessas coalizões. O PT saiu muito prejudicado?
Uma coalizão é a construção de grandes objetivos. Só se justifica se nós tivermos objetivos grandiosos pela frente. O PT tem maturidade para entender que, neste momento, ele diminui a sua participação no governo, mas não diminui a sua agenda política. Ou seja, a agenda do partido está presente nos objetivos da coalizão. As bandeiras do PT, como as bandeiras dos partidos da coalizão, estão presentes. A representatividade não pode se dar só no número de cargos que o partido tem.
Não é muito perigoso o governo ficar amarrado a uma agenda de curto prazo?
A agenda é de longo prazo, mas o desenho do governo do início do ano é diferente do de agora. No início do ano, a conjuntura colocava um tipo de desafio ao país. O governo não nega que estamos vivenciando uma crise política e econômica. O governo reconhece. E, ao reconhecer, tem que construir os instrumentos de superação dessa crise.
Então ele reconhece parte da culpa pela crise?
Mas ele errou lutando, principalmente pela população que mais precisa. Agora, o governo tanto reconhece que teve um desarranjo fiscal que está tomando as medidas necessárias para a superação. Nenhum governo é infalível. Uma coisa é um governo errar naquilo que é inexplicável. Se o governo errou, errou na luta incansável de defesa dos interesses do povo mais sofrido deste país.
Do ponto de vista político há quem diga que o pecado original do governo foi estimular uma candidatura contra o PMDB para presidente da Câmara.
Claro que tivemos problemas, é inegável, na relação com o PMDB na eleição da Câmara. Seria hipocrisia negar. Tivemos um problema de disputa política. Hoje, com a leitura pós-fato, é fácil, isso pode ter caracterizado um erro e esse erro agravou a relação com o PMDB. Numa democracia, a superação das contradições só se dá com o diálogo. É inegável também que o governo tem feito um esforço imenso de diálogo com os presidentes das duas Casas, de respeito institucional. E tem feito o jogo político legítimo, que é recompor a sua coalizão para que ele forme uma maioria estável dentro do Congresso Nacional. O governo tem que continuar investindo no diálogo, na composição, é isso que interessa ao país. Não interessa ao país uma guerra política, que interesses partidários estejam acima dos interesses da sociedade e do Brasil.
Mas não está em jogo também o futuro do PT?
Não sou hipócrita. A situação do PT é grave. Negar isso seria um equívoco. Agora, negar o papel histórico do PT também é um equívoco, negar a capilaridade social que o partido tem. Julgarmos o partido por esse contexto histórico que estamos vivendo também é um equívoco. O partido, primeiro, tem uma história de relação com o povo brasileiro. Construiu bandeiras que mudaram as políticas públicas, que instituiu paradigmas administrativos, que criou condições de superação da desigualdade social. É um partido que tem uma contribuição imensa ao povo brasileiro. E essa contribuição histórica é efetivamente o nosso ponto de partida para que a gente tenha a humildade de refazer a nossa organização interna, o nosso diálogo com a sociedade, as nossas bandeiras. Portanto, o partido neste momento, tendo humildade, tem todas as condições de superação das dificuldades que está enfrentando.
Faltou essa humildade ali atrás, no período do mensalão?
Não acho que falta humildade. Às vezes, o processo de reconhecimento de erros é difícil, até individualmente. Todos nós somos seres humanos. Mas, se estamos inseridos num processo como esse, é evidente que o partido em algum momento errou. Não dá para dizer que tudo é uma grande conspiração contra o PT. Tem um jogo político que é sórdido, muitas vezes. Um processo de investigação, que deveria fortalecer as instituições, muitas vezes é usado para atingir o partido politicamente, é usado na disputa político-partidária, o que é ruim. Mas é claro que cometemos erros. Existe uma diminuição da força das nossas bandeiras e isso é inegável. Perdemos a força do nosso discurso, de dialogar com a sociedade. O partido cresceu muito e, ao crescer, houve uma pulverização, o que é natural. Uma pulverização dos polos de direção. Temos que pegar o nosso legado histórico, que é fortíssimo, e começar a reconstrução das nossas bandeiras. Esse é o desafio. E não é o desafio de uma pessoa, de um dirigente, de uma executiva, de um diretório. É um desafio coletivo daqueles que acreditam efetivamente no legado histórico do PT para a sociedade brasileira, um legado que é ponto de partida para a reconstrução das nossas bandeiras.
Num dado momento, houve grupos dentro do PT que esticaram a corda. Isso pode ter sido um erro, ir muito para linha de frente?
Não consigo avaliar o governo quando não estava nele. Não participava dos fóruns de discussão. Claro que o governo tentou o tempo todo se posicionar diante dos fatos. E também a gente fazer análise hoje é muito fácil. O que vejo hoje é um governo liderado por uma mulher íntegra, honesta, correta, que tem uma história de vida que dignifica a política brasileira. E essa mulher lidera com garra e força um processo que, certamente, muitos homens sucumbiriam. E ela lidera com muita força, a força de quem carrega a luta pela verdade. Certamente o que mais a inspira é a luta pela verdade para que, lá na frente, no processo histórico possa julgar os seus governos à luz da verdade. Ela tem muita convicção disso. Ela enfrenta, supera. Tem liderado um governo de forma exemplar. E, ao contrário, do que muitas vezes a sociedade diz, ela lidera orientando seus ministros ao diálogo, à construção e ao fortalecimento dos laços com a sociedade, para que a gente não abra mão em momento algum dos objetivos maiores, que são a construção de um país mais justo e mais igualitário. Tanto é que, no ajuste, eu presenciei muitas vezes a luta dela para que nenhum programa deixasse de existir.
Por exemplo?
Por exemplo, que se diminuísse investimento aqui e ali, neste momento de travessia como Dilma diz, mas que nenhum programa fundamental para o povo brasileiro deixasse de existir. E é uma mulher que é vítima de preconceito. Não tenho nenhuma dúvida de que, se fosse um homem sentado na cadeira da Presidência, boa parte do que a gente lê, do que a gente vê, do que existe de posicionamento, não existiria. Tem muito preconceito. Tem muito machismo. Neste momento de crise política inegável, e o governo não nega, esse machismo, esse preconceito emerge com uma força, com uma intolerância. A intolerância daqueles que não aceitam que uma mulher ocupe o cargo mais importante da política brasileira. Não estou dizendo que a gente não tenha cometido erros, que a gente não tenha cometido equívocos. Só se não fôssemos humanos para não errar e não ter equívocos. É um governo que enfrenta dificuldades, reconhece as dificuldades, está trabalhando para superação dessas dificuldades. Mas uma parte dessa intolerância não é de divergência política, de divergência de ponto de vista de concepção. Uma parte dessa intolerância é fincada no machismo e no preconceito.
A popularidade da presidente está muito baixa. O senhor atribui isso a que, além do machismo?
Não estou simplificando. Há um problema de desgaste de imagem da presidenta Dilma. Forte, porque ela é catalisadora de um descontentamento com o governo dela e também de um sentimento de esgotamento do modelo político. Em junho de 2013, tínhamos nas manifestações das ruas indícios fortes de esgotamento do modelo político. Ela hoje é catalisadora desse esgotamento. Então, junta o desgaste do governo, mais esse esgotamento, tem efetivamente um desgaste de imagem. É irreversível? Evidentemente que não. Se nós tivermos estabilidade política, uma pacificação política, tenho certeza de que a sociedade vai se abrir para ouvir essa mulher íntegra, honesta e que tem uma história de vida exemplar. O que precisamos é ter estabilidade política para que a gente possa ter condições de dialogo com a sociedade.
Mas esse tempo é curto…
Por isso a emergência da remontagem do governo.
A presidente está isolada?
Ela não está isolada. Uma mulher que está redesenhando uma coalizão que envolve importantes partidos da política brasileira não está isolada. Tirando os da oposição, todos os grandes partidos estão na coalizão dela. Como essa mulher pode estar isolada? Aí tem também, às vezes, um exagero na interpretação. Estamos vivendo uma crise política que outros países do mundo já enfrentaram e estão enfrentando. Aqui, vivenciamos a eleição polarizada, talvez a mais polarizada da história da redemocratização do Brasil. Saímos da eleição muito polarizados e essa polarização se estendeu. Estamos vivendo uma crise política em decorrência de um processo de investigação que atinge lideranças importantes da política brasileira e isso também gera instabilidade. Você vai fazendo uma junção de ingredientes que caracterizam uma crise importante. O governo não nega que essa crise é importante. E ainda tem o ingrediente da crise econômica. É uma cesta de fatores consideráveis, e é por isso que só vamos superar essas dificuldades com a força dessa mulher que está nos liderando. Não tenho nenhuma dúvida disso.
Quando se destaca a questão do temperamento da presidente, isso é um viés de preconceito também?
Essa questão de temperamento é interessante. O homem da tapa na mesa, grita. Nunca vi a presidenta dar um tapa na mesa, desde que estou aqui.
Mas ela é brava…
Ela é exigente. Muito exigente. E aí só as mulheres podem dizer isso: os homens são educados para o exercício do poder. As mulheres, e eu espero que a eleição da presidente Dilma mude isso, não são educadas para o exercício do poder. E aí só as mulheres podem responder quando elas têm tarefas, ou função de chefia, das dificuldades que têm para se impor no exercício do poder. Se não se impõem, são frágeis e despreparadas. Se se impõem, é porque são mandonas e autoritárias. Então é difícil, por isso eu digo que tem um ranço preconceituoso.
Essa imagem de intransigente da presidente…
Ela não é intransigente.
Quanto que o país perde sem ministros mais técnicos, como no caso da Saúde?
O tempo que vai dizer o que o país ganha e o que o país perde. Espero que o país ganhe, porque a saúde é uma pasta fundamental, como a educação é. O que tenho certeza é que, sem estabilidade política, nenhuma pasta consegue desenvolver trabalho. Nenhuma. Seja a pasta mais importante de um governo, seja a que tem menor interação com a sociedade.
Na Operação Lavo-Jato, uma das coisas que mais assusta é a campanha de 2014, em que o senhor era tesoureiro. Esse é um dos motivos que o senhor já mencionou isso na entrevista?
Ela gera instabilidade política porque atinge lideranças importantes.
Inclusive o senhor.
O que tem contra mim é uma delação premiada de alguém que, portanto, negociou redução de pena. Eu li integralmente a delação do empresário (Ricardo Pessoa). Ele diz que eu o pressionei elegantemente e no parágrafo abaixo diz que nunca se sentiu pressionado. Na mesma delação. Respeito o pedido de abertura de inquérito do procurador. Ele deve ter visto na delação coisas que eu leigo, não vi. Prefiro, inclusive, que haja inquérito porque não quero dúvidas sobre o meu trabalho à frente da coordenação financeira da campanha da presidenta Dilma. Assumi a coordenação financeira já com o processo de investigação em andamento. Fui chamado para ocupar essa função em junho. Relutei. Todos sabem e humildemente digo, eu seria certamente um dos deputados mais votados do PT de São Paulo.
Para deputado federal?
Federal. Tive para estadual 185 mil votos em 2010, já fui o mais votado de toda a coligação. E era uma avaliação interna do partido, de que eu seria um dos puxadores de voto. É claro, foi uma opção minha. Várias lideranças dialogaram comigo falando da importância para que eu assumisse essa tarefa no meio desse processo todo. Assumi sabendo dos riscos que corria, seguindo a orientação da presidenta para que eu blindasse a sua campanha, porque o processo de investigação já estava em andamento. Inclusive, nunca cheguei perto de nada da Petrobras, porque o processo já estava em andamento.
Mas o senhor procurou o Ricardo Pessoa?
Claro, isso é público. Está público desde sempre. Desde o ano passado. Eu enumerei as vezes que estive com Ricardo Pessoa. Antes mesmo da delação premiada, enumerei os dias, os valores, porque não tenho nada a esconder. Como não tenho nada a esconder de outros doadores. Eu conversei com dezenas de empresários. Nenhum empresário veio dizer que se sentiu coagido por mim. Minha história política é história de alguém que faz coação? Eu não surgi ontem na política brasileira, eu tenho uma história que é reconhecida pela imprensa. Onde na minha história política tem alguma coisa que justifique uma acusação desta?
Por que ele disse isso então?
Tem que perguntar a ele porque elencou isso no rol de acusações feitas na delação. Inclusive, disse lá atrás que tenho todas as condições de provar que ele está mentindo. Ou ele fez uma interpretação equivocada ou ele está mentindo, não tem outra saída. E se ele está mentindo, eu tenho como provar que ele está mentindo. As minhas testemunhas são os demais empresários brasileiros com quem eu conversei. Eu jamais tive essa postura elencada naquela delação. Eu faço questão de que o inquérito investigue, que ele seja concluído, porque eu não quero que tenha dúvidas sobre a minha trajetória política. O que é interessante é que vejo, às vezes, matérias em jornais de que nós arrecadamos R$ 7,5 milhões desta empresa. Ele doou mais para outros partidos, o que não me interessa. Cada partido que explique as suas doações. O dinheiro está dentro do caixa da empresa, contabilizado. Poderia ter pago despesas A, B, C, D e E. Deste caixa, ele doa para nós e para outros partidos. E só a nossa doação é colocada em xeque? Qualquer despesa que sair daquela conta pode ser colocada em xeque. No cofre do banco tem um carimbo dizendo que este dinheiro depositado aqui é legal e este depositado aqui é ilegal. Tem uma classificação na conta dizendo o que é dinheiro legal e o que é dinheiro ilegal?
Alguns ministros estão entendendo que sim. O ministro Gilmar Mendes, por exemplo.
Então vamos materializar. Você tem uma conta-corrente, como se fosse a sua conta-corrente no banco. Lá você tem R$ 100 depositados. Portanto, é legal. Desses R$ 100 depositados, você paga uma despesa de R$ 30, outra de R$ 30, mais uma de R$ 30 e uma de R$ 10. Você vai e diz que essa aqui é legal, essa também e as outras duas são ilegais. Como você classifica isso? Que maluquice é essa? Dos outros candidatos é tudo legal, o nosso é ilegal? Inclusive porque a doação maior foi para outro partido e isso eles não falam.
No caso do PT, tinha a máquina naquele momento atuando.
Mas quem vai dizer que esse dinheiro que foi pago, que foi contabilizado?
Mas eles dizem que quem comandava a Petrobras era o PT.
Mas eu nunca pedi dinheiro para Petrobras. E como eu vou saber que o dinheiro depositado na conta da presidente Dilma era ilegal? Como o outro tesoureiro também não adivinharia. Eu fiz uma auditoria. A gente fez uma auditoria tanto das contribuições quanto das despesas. Eu auditei. Se você pegar no TSE, quem apresentou toda documentação, inclusive para tirar dúvidas, foi o sistema de auditoria que montamos na campanha. Não tem um papel de gráfica que tenha saído sem ter sido auditado. Eu me interessava, enquanto tesoureiro de campanha, saber que se eu tirei 100 milhões de jornais, foram entregues 100 milhões de jornais e não 80, não 50, não 70. Nós tínhamos pesagens nas gráficas. Nós auditávamos na saída das gráficas e na entrada do estoque. E ainda tinha que fechar com o recebimento nos estados. Eu criei esse sistema. E criei um sistema em que cada doador passava por um pente fino. Por quê? Eu não queria doação que colocasse em risco a campanha da presidente Dilma porque, repito, nós já estávamos em um processo de investigação. E fui chamado para ser tesoureiro para blindar a campanha. Tudo o que podia fazer eu fiz.
O senhor tinha experiência anterior de tesoureiro?
Eu fui presidente do PT de São Paulo, seis anos. Mas nunca tinha sido tesoureiro. Mas fui candidato a vereador, a prefeito, a deputado estadual.
Quando o senhor conheceu Lula?
A primeira vez em que vi o Lula foi em um encontro do PT em 1986. Fui ter relação pessoal, mais próxima com o Lula, quando era vereador, em 1992. Eu era da Igreja, era muito basista. E o que me levou a olhar para o PT era o Lula. O líder operário.
Lula tem esse lado messiânico?
O Lula foi minha maior inspiração política e acho que é até hoje, porque eu digo assim. A política brasileira vai demorar talvez um século para parir outra liderança como o Lula. Às vezes me choca profundamente as tentativas de destruição da imagem dele. Ninguém tem dúvida de que ele vai lutar bravamente pela sua biografia. E não é só ele. Eu penso que muita gente neste país vai lutar bravamente pela biografia do Lula.
Ele volta como candidato em 2018?
Eu não sei. Ele tem uma história política insuperável. Ele fica muito confortável para escolher o que vai ser o futuro dele. Ou vai ser a história que ele escreveu à frente da Presidência ou vai ser essa que ele está escrevendo fora da Presidência. Porque ele está escrevendo a história. E se grandes embates forem colocados pela frente ele vai liderar o país na construção.
Do campo ao Planalto
Nasci em uma cidade que é divisa com Minas, chamada Ponte Gestal (SP). Sou filho de trabalhadores rurais. Quando a CLT chegou ao campo, quem tinha 10 anos de emprego ganhava estabilidade. Então, as fazendas demitiam todo mundo com 9 anos e 8 meses. Meu pai foi demitido. Depois, de lá, eu mudei para a região de Araraquara, onde meu pai foi trabalhar em uma fazenda. Fui o primeiro integrante da minha família a ter curso superior. Minha família é muito humilde, eu tenho muito orgulho. Depois meu pai foi trabalhar como porteiro de um hotel e minha mãe na lavanderia. Minha família sempre foi muito católica e eu me inseri nos movimentos da Igreja. Primeiro na Pastoral da Juventude. Peguei o auge da Teologia da Libertação, com Frei Betto, Leonardo Boff e Jorge Boran. Fui da Pastoral Operária quando me tornei operário das fábricas de meias Lupo.
Tem uma fase de jogador de futebol também. Acho que o futebol não perdeu nada, talvez a política tenha ganhado alguma coisa. Fui trabalhar de empacotador e balconista em uma livraria e entrei na Unesp para fazer Ciências Sociais, que era gratuita.
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