Depois de a Lava Jato ter colocado em xeque as maiores empresas do setor de construção, outra operação, a Zelotes, ameaça colocar em maus lençóis companhias de outro setor, considerado a joia da coroa da indústria brasileira: o automotivo. A suspeita dos investigadores é de que o Grupo CAOA – do empresário Carlos Alberto de Oliveira Andrade -, fabricante da marca Hyundai e Subaru no país, e a MMC Automotores, que representa a Mitsubishi no Brasil, pagaram a uma empresa de lobby para que medidas provisórias que beneficiam o setor com isenção de impostos fossem aprovadas. O consultor Mauro Marcondes foi preso pela PF na segunda-feira. Ele representa a Mistubishi na Anfavea, entidade que congrega os fabricantes de veículos do país.
Na prática, além da MMC e da CAOA, a Ford, que possui unidade de produção na Bahia, também teria sido beneficiada. A FIAT abriu uma fábrica em Pernambuco este ano. Assim como o MMC, a Ford também é investigada na operação Zelotes pela compra de sentenças no Conselho Administrativo de Recursos Federais(Carf), espécie de tribunal do Ministério da Fazenda para arbitrar contestações de cobranças tributárias. A suspeita é que as empresas tenham pago conselheiros do órgão para conseguir sentenças favoráveis no julgamento de seus recursos – que na prática extinguiram multas milionárias. A Fiat é líder no mercado de automóveis no Brasil, com 18% de participação. A Ford ocupa o quarto lugar, com 10,4% e a Hyundai vem em seguida, com 8,3%.As MPs em questão, a 471, de 2009, e a 627, de 2013, são reedições de medida similar aprovada em 1999 pelo então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Elas preveem o abatimento de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para veículos produzidos nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, além de outras benesses fiscais. A Polícia Federal acredita que as empresas mencionadas tenham pago somas em dinheiro à Marcondes & Mautoni Empreendimentos, que teria usado o recurso para subornar agentes públicos com o objetivo de aprovar a legislação. Parte do valor teria sido repassado para a LFT Marketing Esportivo, de propriedade de Luís Cláudio da Silva, filho de Lula.
Em nota, a Anfavea afirmou que os fatos envolvendo a MMC e CAOA “tratam-se de casos particulares dos citados”, mas que “em defesa da coletividade e dos interesses de nossas associadas, a entidade está suspendendo temporariamente o atual representante da MMC na diretoria pelo período necessário para defesa e conclusão do processo investigativo pelos órgãos institucionais”.
O advogado de Carlos Alberto de Oliveira Andrade, José Roberto Batochio, informou que seu cliente se apresentou para prestar esclarecimentos à Polícia Federal. Segundo o defensor, “a CAOA entrou com dois recursos no Carf e perdeu os dois”. O advogado negou também que seu cliente tenha feito pagamentos a lobistas para que seja aprovada qualquer MP. Batochio não soube informar, no entanto, se Andrade possui contratos de outra natureza com a Marcondes & Mautoni, empresa do consultor Mauro Marcondes, preso na segunda-feira.
A Marcondes & Mautoni nega o pagamento de propina para agentes públicos para a aprovação de qualquer legislação. A MMC informou que já vinha colaborando com as investigações, e que tem todo o interesse em resolver os casos.
Relação especial
Enquanto as MPs entram no escrutínio, o professor de sociologia da USP e ex-diretor do IPEA durante o primeiro Governo de Lula, Glauco Arbix, defende a aprovação delas. Segundo ele, elas foram benéficas não apenas para o setor, mas para o país e para o Governo. “Além das montadoras, trata-se de uma cadeia de mais de 3.000 empresas, entre fabricantes de aço, borracha e sistemas elétricos”, afirma. De acordo com o sociólogo, em contrapartida à renúncia do IPI, o Governos se beneficia com outros impostos pagos e com a manutenção de milhares de postos de trabalho. “Não se brinca com um setor que movimenta algo como 6% do Produto Interno Bruto do país”, diz. De fato, a relação especial entre Governo e montadoras tem longo histórico: ela começou durante o Governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), com o Plano de Metas que trouxe as unidades de produção para o país. Desde então, todos os mandatários cultivam esse elo.
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