Impunidade de Michel Temer e Aécio Neves é a cara do Brasil pós-golpe. Flagrados em escutas telefônicas e alvos de denúncias concretas, ambos movimentaram um montante incalculável de dinheiro para salvar seus mandatos
por Henrique Fontana
No estado de exceção do Brasil pós-golpe de 2016, naturaliza-se a injustiça, e normaliza-se a incoerência das decisões judiciais e políticas.
Os casos recentes de Temer e Aécio são a síntese e a vergonha suprema para um país que acompanha a cada dia a dissolução dos princípios do Estado democrático de direito.
No entendimento dos supremos juízes, um senador gravado cometendo crime pode ser preso, outro, em situação análoga, apenas suspenso com recolhimento noturno. Remetido ao Senado Federal a decisão, o primeiro perde o mandato, o segundo, tem a denúncia arquivada. Os dois claramente cometeram crime, diga-se, mas os destinos foram diferentes.
Alguma novidade? Para os promotores do golpe não Afinal, um presidente da República flagrado e gravado cometendo e incentivando crimes permanece no poder com apoio de seus aliados na Câmara, e uma presidenta legítima e sem crime perdeu o mandato de 54 milhões de votos após um impeachment fraudulento, cometido pelos mesmos deputados que agora, por duas vezes, impediram que Temer fosse afastado e investigado.
E o que essa direita conservadora apresenta de futuro para o país?
Manter por mais de um ano um presidente acusado de corrupto a serviço do mercado financeiro e da elite econômica, que vende o patrimônio nacional, patrocina a retirada de diretos trabalhistas e previdenciários, reduz drasticamente os programas sociais (corte de 1,2 milhão de famílias do Bolsa Família e 71% do orçamento do Minha Casa Minha Vida) e congela orçamento da educação, saúde, assistência, ciência por vinte anos. Para o futuro, apresenta dois candidatos à presidência, um que propõe distribuir ração aos pobres, e outro, armas para todos. A indignidade desumana desta elite se alia a violência protofascista. Patos e panelas calam, um silêncio ensurdecedor.
No novo sistema judiciário brasileiro, a lei não é para todos, e o que vale para um pode não valer para outro. Os órgãos investigadores selecionam e determinam o curso e a velocidade da investigação, conforme a origem ideológica ou partidária do investigado. O juiz também investiga, se manifesta publicamente, vaza conteúdo das investigações, prende de acordo com suas simpatias políticas, e ao fim, julga. O presidente do Tribunal Federal, responsável pela análise de recursos das investigações, anuncia posicionamentos de mérito antes do órgão colegiado. A estrutura que gera a corrupção segue praticamente intocável, protegida pela evidente seletividade política de uma operação na qual se depositava uma sincera esperança de mudança no sistema de injustiças históricas do país.
Pessimismo? Ficção?
Lamentavelmente não, apenas alguns poucos exemplos do caos político-institucional pelo qual passa o país. O restabelecimento do mandato de senador de Aécio Neves e a manutenção de Temer na presidência são a cara do Brasil pós-golpe.
Nesta trama, o país segue sangrando com um presidente ilegítimo, um Congresso sob suspeita, um STF desacreditado, uma justiça seletiva e uma sociedade que acompanha atônita o crescimento assustador da intolerância política, do fundamentalismo religioso, da violência fascista contra a cultura, do preconceito, do racismo, do machismo.
A quebra do pacto democrático, com a encenação de um processo de impeachment, jogou o país na mais profunda crise institucional, desorganizou os sistemas de proteção social, gerou insegurança jurídica e medidas de exceção, comprometeu a reforma política, paralisou os investimentos e estagnou a economia brasileira.
Este, infelizmente, é o Brasil real que queremos mudar.
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