- 22/10/2017
Por: EL PAIS
Os caminhos para a presidência da República no ano que vem passam,
pelo menos para um dos pré-candidatos mais bem posicionados nas
pesquisas, pelos quartéis das Forças Armadas do Brasil e das polícias
militares. O deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ),
capitão da reserva desde 1988, é figura frequente em formaturas e
outros eventos da caserna. Defensor declarado e saudoso da ditadura militar brasileira e da tortura, o parlamentar tem feito uso deste palanque verde-oliva para
divulgar sua candidatura em 2018 com um discurso voltado para a
segurança pública em alinhamento com teses como “bandido bom é bandido
morto” e a pregação pela ampliação ao direito ao porte de arma. Apenas
este ano o parlamentar participou de ao menos 11 eventos dentro de
instituições militares, segundo a reportagem apurou – a assessoria de
imprensa de Bolsonaro não quis fornecer os dados de sua agenda oficial.
De acordo com a última pesquisa do instituto Datafolha,
divulgada no final de setembro, o deputado conta com a preferência de
16% a 17% do eleitorado, empatado em segundo lugar com Marina Silva
(Rede), e atrás apenas do ex-presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva.
A construção de seu nome nacional tem se dado com base no uso intensivo
das redes sociais e também nas viagens pelo país, algumas delas ligadas
a eventos militares.
A penetração do deputado nas Forças Armadas passa
até mesmo pela Escola Preparatória de Cadetes do Exército, em Campinas,
São Paulo, e pela Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende, Rio
de Janeiro, duas das mais conceituadas da corporação. Ele frequentou as
duas instituições, tendo se formado na segunda em 1977. Durante visita
recente ao local, o deputado foi recepcionado aos gritos de “líder!”
pelos aspirantes a oficiais. Em rápido discurso, Bolsonaro aproveitou
para fazer campanha: “Parabéns para vocês. Nós temos que mudar este
Brasil ok? Alguns vão morrer pelo caminho, mas estou disposto a, em
2018, seja o que Deus quiser, tentar jogar este Brasil para a direita. O
nosso compromisso é dar a vida pela pátria, e vai ser assim até
morrer”. Em outra visita ao local, desta vez para a formatura de uma
turma de oficiais que receberiam seus espadins (espécie de diploma da
instituição), Bolsonaro é saudado com continências e ocupa um lugar
especial na tribuna, ao lado de comandantes da instituição e militares
de alta patente.
Questionada pela reportagem, a assessoria de
imprensa do Exército afirmou que “qualquer autoridade civil, de qualquer
dos poderes da República (…) tem livre acesso às unidades militares,
para visitação ou para solenidades das mais diversas”. De acordo com a
nota, “no caso específico do deputado Bolsonaro, o mais provável é que
por já haver servido enquanto militar da ativa em unidades paraquedistas
permanece o vínculo afetivo e pessoal com as brevetações (cerimônias de
formatura)”. Com relação à propaganda política feita pelo deputado no
evento, o Exército afirmou que “não cabe à Instituição julgar atitudes
ou manifestações políticas de parlamentares”.
Indagada se outros possíveis pré-candidatos à
presidência também são convidados ou visitaram as instalações do
Exército, a assessoria afirmou que “não mantém dados quantitativos das
visitas de autoridades ou pessoas públicas”, mas que “é possível” que
outros tenham visitado quartéis.
Desde a redemocratização um pré-candidato à presidência não buscava laços tão intensos com a caserna. Para o professor de história da UFRJ Carlos Fico,
“é natural, tendo em vista que Bolsonaro é militar da reserva e
político, que ele busque suas bases eleitorais dentro de quartéis”. Ele
destaca ainda que em um contexto como o brasileiro, de desilusão com a democracia,
crise econômica e política, “cresce entre civis e militares um viés
autoritário, uma crença na perspectiva de um governo forte, capaz de dar
soluções rápidas mesmo que seja fora do esquema democrático”. Nesse
cenário, ele argumenta, Bolsonaro tenderia a se fortalecer. “Apesar de
ser visto por muitas parcelas da população inclusive dentro dos
quartéis, como um pouco folclórico, o deputado conquistou parcela
importante do eleitorado. E a declaração do Mourão [que defendeu
intervenção militar no país] de certa forma legitima a candidatura do
Bolsonaro”. Em setembro de 2017, o general Antônio Hamilton Mourão defendeu a intervenção militar no Brasil.
O comandante do Exército brasileiro, general Eduardo Villas Bôas,
descartou punição e o ministro da Defesa, Raul Jungmann, afirmou que o
problema seria resolvido “internamente”. Bolsonaro tentou capitalizar
com a declaração, afirmando apoiar Mourão e mandando um abraço para ele
nas redes sociais.
No dia 2 de junho Bolsonaro esteve no Centro de
Instrução Almirante Alexandrino, no Rio de Janeiro, uma das principais
academias da Marinha do Brasil. Lá o deputado acompanhou a formatura de
1.448 cadetes, que ao final da cerimônia, saudaram o capitão da reserva
com o já tradicional grito de “mito!” e “presidente!”. Bolsonaro ainda
posou para dezenas de fotos com os militares e seus familiares. Por fim,
Bolsonaro também é frequentador de eventos da Força Aérea, como, por
exemplo, a formatura de 500 novos terceiros-sargentos da Escola de
Especialistas da Aeronáutica, em Guaratinguetá, São Paulo, no final de
2016.
Em nota, o Comando da Aeronáutica afirmou que
“coordena constantemente visitas institucionais de autoridades políticas
locais ou nacionais em unidades militares”, e que “no evento citado, o
deputado federal Jair Bolsonaro e outras autoridades presentes foram
convidados pelos próprios militares formandos”. Ainda segundo o texto,
“os regulamentos militares proíbem a realização de propaganda
político-partidária em unidades da FAB”, e que “o Comando desconhece
quaisquer atos dessa natureza durante visitas oficiais de parlamentares
às suas unidades”. Já a Marinha informou em nota que “o deputado Jair
Bolsonaro participou da visita institucional realizada no Centro de
Instrução e Adestramento de Brasília a convite da Assessoria de Relações
Institucionais da Marinha”.
Polícias militares
Mas o apoio à candidatura de Bolsonaro para a
presidência extrapola os quartéis das Forças Armadas. Mesmo sendo
parlamentar eleito pelo Rio de Janeiro, o capitão da reserva também
frequenta eventos da PM paulista. Em 31 de março ele estava na formatura
de 992 sargentos da instituição realizado no sambódromo. Das
arquibancadas lotadas ecoavam os gritos “Bolsonaro, guerreiro, orgulho
brasileiro” e “um, dois, três, quatro, cinco, mil, queremos Bolsonaro
presidente do Brasil”.
Em nota a PM paulista afirmou que “regularmente
recebe visitas de autoridades de diferentes esferas em suas unidades e
eventos públicos”, e que “os convites podem ser realizados pelo comando
da corporação ou pelos próprios formandos, no caso de cerimônias de
formaturas de soldados e oficiais”. No caso do evento mencionado pela
reportagem, o convite foi feito pelo comando. Além de Bolsonaro, apenas
mais um possível candidato à presidência em 2018 foi convidado: o
prefeito de São Paulo, João Doria, paraninfo da turma de formandos.
O tenente-coronel Ricardo Augusto Nascimento de
Mello Araújo, novo comandante da Rota, a controversa tropa de elite da
Polícia Militar de São Paulo, já declarou voto no deputado em entrevista ao portal UOL:
“O deputado Jair Bolsonaro, eu votaria nele. Eu não sou político e não
gosto de falar de política, mas entendo que o país precisa de pessoas
honestas no comando”. Em nota, a PM-SP afirmou que “as opiniões do
comandante da Rota, elas foram emitidas em caráter pessoal, dentro da
legalidade e não representam a corporação”.
As andanças do deputado pelos eventos de
policiais militares também se estendeu até Minas Gerais. Em janeiro
deste ano ele participou da formatura de mais de mil soldados da PM-MG,
no ginásio do Mineirinho, em Belo Horizonte. Após a cerimônia, ele
concedeu entrevista a uma repórter da corporação e disse que se vê “como
uma opção para 2018”. Bolsonaro aproveitou para divulgar mais uma de
suas pautas com grande apelo entre militares: “Meu sonho é no
Legislativo conseguirmos aprovar um excludente de ilicitude para o
policial em operação. Você responde, mas não tem punição, para dar
retaguarda para vocês”. Na prática, a medida é considerada uma carta
branca para possíveis irregularidades cometidas pelos agentes. A
reportagem não localizou nos arquivos da Câmara dos Deputados nenhum
projeto do tipo voltado para policiais. Por fim, Bolsonaro ainda repetiu
um de seus rituais favoritos ao lado de policiais, que são as flexões
de braço. Procurada, a PM-MG não se manifestou sobre o assunto.
Em agosto deste ano nova polêmica: alunos do
colégio militar Waldocke Fricke de Lyra, controlado pela PM do Amazonas
em Manaus, gravaram um vídeo convidando Bolsonaro para visitar a
instituição e prestigiar a turma de formandos de 2017. “Marcho em
direção ao sucesso, tenho audácia o suficiente para convidar o
Bolsonaro”, repetem no ginásio da escola dezenas de crianças e
adolescentes uniformizados e alinhados em nove filas, seguindo as
palavras de ordem de um dos oficiais responsáveis. “Convidamos
Bolsonaro, salvação dessa nação!”, continuam os jovens.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil do
Amazonas, Marco Aurélio de Lima Choy, repudiou as imagens. “Repudiamos
qualquer forma de ingerência sobre a liberdade de expressão, seja para
homenagear ou deixar de homenagear alguém. Esse vídeo é lamentável. Não
se coloca palavras na boca de adolescentes sobre decisões de outros,
ainda mais sendo uma homenagem”, afirmou ao jornal O Globo. Em
nota divulgada à época a assessoria de imprensa da PM-AM informou que “o
colégio é subordinado à administração do Comando Geral da Instituição,
(…) que determinou a abertura de um procedimento administrativo, que
será apurado por meio da Diretoria de Justiça e Disciplina da Polícia
Militar”.
Ao ser convidado a discursar no Encontro de
Policiais e Bombeiros Militares do Brasil, realizado em Goiânia,
Bolsonaro questionou: “Estou preparado? Atenderia ao que a pátria
necessita? Não sei. Se aparecer alguém melhor preparado eu estou pronto
para somar apoio”. Mas ele aproveitou também para alfinetar o prefeito
de São Paulo, dizendo que “jamais podemos pensar em alguém para ocupar
aquela cadeira presidencial que seja apenas um gestor”. Por fim, o
deputado se despediu da plateia, afirmando não ter “obsessão pelo
poder”. “Entendo, se assim acontecer, que seja uma missão de Deus. A
cruz é mais do que pesada. Mas ele não nos da nada que não podemos
carregar. Juntos podemos sonhar com um Brasil melhor. E peço a Deus que
não tenha sangue nesse caminho, por intolerância do outro lado”.
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